21 Mai 2014
O pintor Adam Elsheimer – que morreu na miséria aos 32 anos de idade – é um dos maiores poetas da pintura. A notícia da sua morte – ocorrida em Roma – tocou amargamente o grande Rubens, que, no dia 14 de janeiro de 1611, escreveu: "Certamente, para uma tal perda, toda a nossa profissão deveria se vestir de luto, pois não encontrará facilmente alguém como ele".
A análise é do historiador da arte italiano Tomaso Montanari, professor da Università degli Studi di Napoli Federico II. O artigo foi publicado no jornal Il Fatto Quotidiano, 19-05-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Outro contemporâneo lia assim a obra-prima de Adam, isto é, a nossa Fuga para o Egito: "Maria está sentada em um jumento que José conduz ao longo de um riachinho cercado pela vegetação, segurando com a outra mão um pedaço de madeira aceso, como uma tocha para a noite. À distância, veem-se os pastores com os rebanhos junto a uma fogueira acesa, que se espelha e se reflete na água. A cena se passa diante de uma densa floresta, acima da qual está representado o sereno céu estrelado e, em particular, a Via Láctea, mas atrás também a lua cheia, extraordinária e clara, que do horizonte se eleva acima das nuvens, jogando o seu reflexo perfeito sobre a água. Ninguém jamais realizou algo parecido".
E era verdade: até aquele momento, a Via Láctea era representada como o mítico rastro de leite que brotava do seio de Hera, quando esta afastou Hércules, filho ilegítimo do seu esposo, Zeus. Elsheimer, no entanto, a retrata pelo que ela é: um conjunto de corpos celestes.
Um ano depois, um grandíssimo cientista – que se chamava Galileo Galilei – afirmou a mesma ideia, fundamentando-a na observação do céu através do telescópio. E também na Fuga para o Egito de Elshemeir o primado da natureza se conjuga perfeitamente com uma nova capacidade de observá-la e de ler a sua luz: algo que o artista alemão tinha aprendido de Caravaggio, sete anos mais velho do que ele. Algo que nos faz sentir esse quadro como moderno, próximo, amigo.
Porque, justamente como para Caravaggio, essa renovada atenção para a natureza não se resolve em uma pintura "científica", mas sim em uma elevadíssima reflexão sobre a condição humana.
Maria, José e Jesus não são super-homens servidos pelos anjos, mas sim pequenas e indefesas figuras, literalmente engolidas por uma escuridão compacta na qual é possível prosseguir só às apalpadelas. Graças à lua, quando há. E graças ao amor dos homens, que acende fogueiras em torno das quais podemos nos aquecer, para recomeçar o nosso caminho.
Assim como acontece nesse pequeno grande quadro: que fala do mundo que existe dentro de nós falando do mundo que nos rodeia.
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Jesus e Maria perdidos sob as estrelas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU