31 Março 2014
"José Comblin sonhava e buscava construir dentro do seu âmbito a Igreja com a qual sonhava: a Igreja Povo de Deus, uma igreja mais humana, mais presente, mais próxima. Uma Igreja mais evangélica. Quem sabe, mais do que construir, tratava-se de restaurar a Igreja dos primeiros cristãos, fundada nos exemplos e nas exortações do mestre Jesus", escreve Monica Maria Muggler, missionária leiga na Diocese de Barra , em artigo publicado por Adital, 27-03-2014.
Eis o artigo.
Meu querido amigo: o quanto sentimos falta de você! Há três anos você completava a sua jornada terrestre. A vida prosseguiu e tanta coisa aconteceu. Quantas vezes desejamos saber o que você diria sobre os fatos que foram se sucedendo, dentro e fora da Igreja. A renúncia do papa Bento XVI? A eleição de Bergoglio, o papa Francisco tão amado e conhecido em apenas um ano? As mobilizações e manifestações que atravessam o mundo.
Será que estamos vivenciando um novo amanhecer da Igreja como você tanto sonhava?
Sim, José Comblin sonhava e buscava construir dentro do seu âmbito a Igreja com a qual sonhava: a Igreja Povo de Deus, uma igreja mais humana, mais presente, mais próxima. Uma Igreja mais evangélica. Quem sabe, mais do que construir, tratava-se de restaurar a Igreja dos primeiros cristãos, fundada nos exemplos e nas exortações do mestre Jesus.
Uma igreja que sai, que vai ao encontro, que busca os afastados. Uma igreja missionária. Essa foi sempre a sua insistência e nesse sentido organizou diversas formações missionárias.
Uma igreja presente: nas viagens terrestres através das vastas extensões nordestinas, Comblin observava tudo: o campo, os assentamentos de terra que surgiam aqui e acolá, as periferias se estendendo sempre mais. E sempre voltava a perguntar: será que a igreja católica já chegou aqui? Os crentes não perdem tempo, nós católicos precisamos ser mais ágeis.
Sonhava com uma Igreja mais dedicada ao povo do que ao culto. Dedicada ao cuidado das pessoas, conselheira dos aflitos, animadora das comunidades, capaz de atrair a juventude ao Evangelho de Jesus. O culto vem depois, é resultado e consequência de uma presença viva e atuante. Ele constatava que se dedica mais tempo ao culto e tudo que o envolve (preparação, organização, utensílios, vestes) do que ao cuidado do povo de Deus: atendimento pessoal, visitas, formação de pessoas.
Uma Igreja humana, compassiva, pautada pela misericórdia. Sempre afirmava que o Amor é a única realidade da pessoa humana que nunca desaparece. Assim ele vivia: seu amor imenso a cada pessoa - amigos, alunos, companheiros, vizinhos - se expressava pelo tempo que sempre encontrava para atender um e outro, para animar, aconselhar, ouvir, servir, abraçar, olhar simplesmente...
Abraçava uma Igreja capaz de tomar posição na defesa dos pequenos, dos pobres, da justiça. Como ele disse em artigo intitulado Os sinais dos tempos - Vaticano II: um futuro esquecido? (Em Concilium 312, 2005/4): O reino de Deus não é uma situação nem uma instituição, é um movimento. Mais exatamente o reino de Deus é o movimento de libertação da dominação na qual seres humanos submetem outros seres humanos por meio de violência, engano, mentiras, etc. O advento do reino de Deus é uma luta contra forças humanas, instituições humanas que são opressoras.
O que importa para Jesus não são os progressos científicos ou tecnológicos, as mudanças econômicas e sociais. O que o preocupa é a libertação dos oprimidos. Este assunto é hoje em dia mais atual do que nunca.
Colocou-se ao lado daqueles que publicamente tomaram posição em defesa da VIDA e da vida em abundancia para todos. De bispos a leigos contava os exemplos em seus cursos: são os testemunhos de vida que marcam e atraem seguidores.
Será que estamos de fato vivenciando o novo amanhecer da Igreja como você tanto sonhava? Certamente ainda falta muito. Temos sim, uma oportunidade histórica: o Papa Francisco deseja de fato uma Igreja mais Evangélica, seguidora de Jesus, portadora da Boa Nova, particularmente aos pobres e sofredores.
Como o Papa exclama na sua Exortação: É uma mensagem tão clara, tão direta, tão simples e eloquente que nenhuma hermenêutica eclesial tem o direito de relativizar. ... Para quê complicar o que é tão simples? As elaborações conceptuais hão de favorecer o contato com a realidade que pretendem explicar, e não afastar-nos dela. Isto vale, sobretudo para as exortações bíblicas que convidam, com tanta determinação, ao amor fraterno, ao serviço humilde e generoso, à justiça, à misericórdia para com o pobre. Jesus ensinou-nos este caminho de reconhecimento do outro, com as suas palavras e com os seus gestos. Para quê ofuscar o que é tão claro? ... (A Alegria do Evangelho n. 194).
A grande novidade não é o conteúdo, mas é a maneira de viver o que já foi tão falado, estudado, refletido. É o testemunho do papa Francisco que vem revigorando tantos que estavam caídos pelo caminho. Como Comblin afirma: O Evangelho para os dias de hoje é o anuncio, a proclamação da vida de Jesus. O que nos ensinou pela sua vida, pela sua atitude neste mundo com os poderosos, com os pobres, com os doentes. Porque somente o seguimento de Jesus pode convencer. A teologia não convence ninguém e nunca converteu ninguém. O que converte é o testemunho de pessoas que vivem de acordo com o Evangelho.
Não bastam intenções nem exortações. Para chegar a isso é preciso formação. A mudança de mentalidade e de atitude se dá por uma formação sólida, consistente. É preciso espiritualidade, pois como José Comblin dizia, para mergulhar no mundo dos pobres, dos excluídos, dos necessitados é preciso ter uma grande força espiritual. É urgente repensar a formação em todos os níveis, a começar pelos agentes eclesiais. O mundo se deixará convencer pelo ser cristão, não pelo falar de cristianismo nem de Cristo.
Na sua obra póstuma afirma: Todos os cristãos precisam de uma formação evangélica profunda, de diversos níveis. Os ministros permanentes da Igreja serão formadores. Hoje em dia com Internet existem muitas maneiras de dar formação. Sem uma formação equivalente à formação na sociedade civil, comunidades cristãs serão impossíveis. A formação é o desafio prioritário.
Assim prestamos a nossa homenagem às Escolas de Formação Missionária idealizadas por José Comblin. Neste ano de 2014 a primeira Escola iniciada em Juazeiro, Bahia completa 25 anos. Ela cresceu, floresceu e frutificou: além de lideranças firmes atuantes neste chão nordestino, hoje temos seis escolas espalhadas pelo Nordeste e são poucas as iniciativas de formação de leigos que se mantem por tanto tempo. Uma proposta que segue dando certo, é atual e criativa, lapida mentes e corações, contagiando o ardor do Evangelho de Jesus.
Interceda por nós, querido amigo José Comblin, para que o Espírito Santo venha em socorro de nossa fraqueza e sejamos fiéis ao Caminho de Jesus!
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José Comblin - Três anos depois... - Instituto Humanitas Unisinos - IHU