24 Março 2014
As palavras, mas também os gestos. Os do papa que abraça o padre Luigi Ciotti – o "padreco" de rua, durante anos quase considerado quase "um rebelde" por uma parte da Santa Igreja Romana – e que, segurando a sua mão, entra na paróquia para receber o abraço da associação Libera que luta contra a máfia, os seus crimes e aquela lei do silêncio que está presente em toda parte, até mesmo na Igreja.
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada no jornal La Repubblica, 22-03-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Roma, tarde dessa sexta-feira, paróquia de São Gregório VII. Francisco, aqui, sim, lembrando as memoráveis palavras de João Paulo II no Vale dos Templos (9 de maio de 1993), troveja contra os mafiosos no dia em que foi convocada uma vigília de oração pelas vítimas da máfia: "Por favor, eu lhes peço de joelhos, mudem de vida, convertam-se, parem de fazer o mal!".
E ainda: "Convertam-se para não acabar no inferno. É o que lhes espera se continuarem nesse caminho. Vocês têm um pai e uma mãe, pensem neles. O poder, o dinheiro que vocês têm agora de tantos negócios sujos, de tantos crimes mafiosos, é dinheiro ensanguentado, é poder ensanguentado, e vocês não poderão levá-lo para a outra vida".
O padre Ciotti, em Turim – assim como o padre Gallo, em Gênova, e o padre Colmegna, em Milão, sacerdotes por muito tempo deixados sozinhos pela Igreja e pelas instituições – busca em Francisco um companheiro de viagem, além de um pai, e o encontra. "Pensávamos que iríamos encontrar um pai – diz –, encontramos um irmão, irmão Francisco".
Um irmão que chega à igreja a borda de um carro popular e que, visivelmente comovido e partícipe, usa palavras nada circunstanciais: "O desejo que eu sinto é de compartilhar com vocês uma esperança: que o sentido de responsabilidade, pouco a pouco, vença sobre a corrupção em todas as partes do mundo. E isso deve partir das consciências e de lá curar as relações, as escolhas, o tecido social, de modo que a justiça tome o lugar da iniquidade".
Em certas ocasiões, são os gestos que importam. Para dar a bênção, Francisco preferiu vestir a estola do padre Giuseppe Diana, mártir na luta contra a Camorra. Em uma atitude de recolhimento e oração, ouviu o ex-procurador de Turim, Giancarlo Caselli, ler a lista das 842 vítimas inocentes da máfia.
E, sem constrangimento, ouve ainda o padre Ciotti dizer, na frente de Maria Falcone e dos parentes do padre Puglisi e do padre Diana: "A máfia mata a esperança, silêncios demais na Igreja". É verdade, diz ainda o padre Ciotti, as máfias "tiraram a vida e a dignidade de muitas pessoas. Nem sempre a Igreja mostrou atenção, silêncios demais, subavaliações, prudência demais, palavras circunstanciais. Mas também muita, muita luz e positividade". Entre os exemplos positivos, além dos padres Puglisi e Diana, Raffaele Nogaro, ex-bispo de Caserta, padre pobre entre os pobres.
A saudação ao papa, em nome das mais de 15 mil pessoas que perderam um ente querido nas mãos da violência mafiosa, foi pronunciado por Stefania Grasso, filha de Vincenzo Grasso, o empresário de Locri (Reggio Calabria), assassinado pela 'Ndrangheta no dia 20 de março de 1989 pelas suas denúncias contra a extorsão: "Queremos seguir em frente para testemunhar o exemplo delas. Agradecemos ao senhor na certeza de que, este encontro desta tarde, será o início de um percurso. Olhe por nós, Santo Padre. Olhe para cada um de nós, leia nos nossos olhos a dor da perda de um pai, de uma mãe, de um filho, de um irmão, de uma irmã, de uma esposa, de um marido".
Conta Sonia Alfano, filha do jornalista Beppe e presidente da Comissão Antimafia Europeia: "O afeto e a proximidade que Francisco no transmitiu são um sinal de valor inestimável, principalmente para quem viu um familiar ser morto pela máfia. Há muitos anos faltava uma voz tão forte e de autoridade que desse a nós, familiares, e à sociedade uma esperança, para que a justiça seja feita por essas mortes violentas. Hoje, foi como se Francisco quisesse assumir os nossos sofrimentos e quisesse nos transmitir a força necessária para seguir em frente".
Hoje, em suma, é o início de um novo caminho.
Nota da IHU On-Line:
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''Convertei-vos ou irão para o inferno'': o anátema do papa contra os mafiosos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU