Por: André | 28 Janeiro 2014
Em um intervalo nas negociações de paz entre a guerrilha e o governo colombiano que se entabulam em Cuba, um dos 10 membros mais importantes das FARC falou sobre os avanços obtidos e as tarefas pendentes.
Fonte: http://bit.ly/1fhwv4P |
Emiro del Carmen Ropero Suárez, codinome Rubén Zamora (foto), é um homem de fala pausada, de gestos mínimos, quase inexpressivos. Talvez seja por sua vida na selva ou por seus anos nômades como guerrilheiro. Como ele mesmo recorda, durante esta entrevista concedida em Havana, quando jovem era militante comunista, mas “pressionado pelas circunstâncias, em 1987, aos 24 anos, decidiu entrar nas FARC”. Nesse ano o Exército legal e o paralelo desataram na Colômbia um genocídio contra o partido de esquerda União Patriótica. Foram assassinados dois candidatos a presidente, 11 prefeitos, 13 deputados e mais de 5.000 militantes. “Eu era alvo do terrorismo de Estado, por isso decidi colocar em prática meus ideais na luta guerrilheira”, destaca Zamora que agora, aos 51 anos, é um dos 10 homens mais importantes das FARC.
A entrevista é de Telma Luzzani e publicada no jornal argentino Página/12, 26-01-2014. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Que cargo ocupa nas FARC?
Eu faço parte do Estado Maior. Comandante da Frente 33, em Catatumbo. Aqui participei da Mesa de Diálogo no primeiro e no segundo ponto e agora faço parte da equipe de assessores.
Como andam as negociações?
Há resultados importantes, mas ainda há temas estratégicos pendentes e não sabemos até onde vai o compromisso do governo para discuti-los.
O que ficou pendente do primeiro ponto, o do acesso a terra?
Primeiro, discutir os tratados de livre comércio. Há mais de 30. E a economia. A Colômbia não está em condições de competir com a Europa, Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão... Este tema é muito importante para os movimentos sociais que, em agosto passado, participaram de um grande protesto, reprimido pelo governo. O segundo tema: a estrangeirização da posse da terra para os projetos agroflorestais. Terceiro, a grande mineração: mais de 50% do território nacional está nas mãos das multinacionais, por concessão, das áreas de mineração e energia. Isto coloca em séria ameaça a soberania alimentar e provoca deslocamentos de comunidades nativas arraigadas nessas terras há séculos. Quarto, o latifúndio, que abarca quase 40% do território nacional.
E do segundo ponto?
Na Colômbia, o Estado encontra-se deslegitimado pela corrupção política, pelo clientelismo, pela penetração do dinheiro do narcotráfico, pelos vínculos com o paramilitarismo... Nós propomos uma reforma política do Estado que permita a participação aberta da sociedade, que nos dê plena garantia política, uma reforma eleitoral. Também uma reforma da Justiça: a eleição democrática dos procuradores e dos defensores do povo.
É possível que vocês criem um partido político e abandonem a luta armada?
Como dizia o ex-juiz Carlos Gaviria: “ser opositor na Colômbia é um ato heróico”. O grande tema é o das garantias políticas. Pedimos que se cumpra de uma vez por todas o Estatuto da Oposição, que figura na Constituição de 1991. Outro tema é o do acesso aos meios de comunicação. Na Colômbia, os meios, além de estarem estrangeirizados, estão nas mãos de grupos financeiros, de grandes conglomerados econômicos, que são os que realmente têm o poder político.
Quais são?
O Grupo Prisa, dono do influente Caracol radio e Caracol televisão. O grupo financeiro de Carlos Ardile Lülle, um dos homens mais ricos do mundo, dono da RCN (Rádio Cadeia Nacional). E existe o grupo Luis Carlos Sarmiento Angulo (proprietário de vários bancos e empresas construtoras), que controla o jornal El Tiempo.
El Tiempo não é da família do presidente Juan Manuel Santos?
Eles foram os fundadores. Perderam o poder econômico, mas conservam muito poder político dentro do jornal. Hoje, 98% são do grupo financeiro Sarmiento Angulo, que entre outras coisas fez lavagem de ativos do narcotráfico e controla grande parte da terra da Colômbia. Os meios de comunicação estão liderando uma campanha para a entrega das terras colombianas a grupos econômicos e financeiros como Mónica Semillas do Brasil, que comprou enormes extensões; a norte-americana Cargill; há empresas israelenses... A China está interessada em adquirir 400.000 hectares de terra. Em muitos casos para grandes projetos agroflorestais e agrocombustíveis.
Acredita que o governo acena para o desarme das FARC justamente para avançar com esse projeto econômico sobre as terras que hoje estão ocupadas por vocês?
Nós não estamos ocupando terras. Nós não somos donos de terras na Colômbia.
Não, claro. Refiro-me ao fato de que a presença das FARC no território não permite a expansão das fronteiras para a agroindústria, por exemplo.
É muito possível que estejam apostando no desarmamento insurgente para consolidar esses projetos econômicos. Por isso, não podemos nos arriscar ao desarme sem que haja um processo de transição onde se veja que a implementação dos acordos é efetiva. Isto não pode ser um pacote de promessas por parte deles e ações concretas da nossa parte. Por isso, além de Cuba e da Noruega como países fiadores é muito importante que haja apoio popular e muito apoio institucional em nível internacional para que este processo não fracasse.
Por que os Estados Unidos poderiam estar interessados no sucesso das negociações?
Por um lado, pela crise. Manter as guerras está saindo muito caro para eles. Por outro lado, há pressão das petroleiras, das mineradoras e outros investidores na Colômbia, a quem convém a paz. As FARC são um obstáculo para os interesses dos Estados Unidos. Eles tentaram nos liquidar fisicamente com o Plano Colômbia e, embora não possamos negar que fugimos golpeados, eles não podem negar que não foram capazes de nos derrotar militarmente. Agora querem nos derrotar na mesa de diálogo.
Vocês se opõem aos investimentos estrangeiros?
Não, mas depende dos termos. Os investimentos estrangeiros devem estar submetidos ao desenvolvimento econômico do país e não podem destruir o meio ambiente ou impor regras lesivas à soberania nacional. Na Noruega, as multinacionais pagam ao Estado 76% pelas explorações energéticas. Na Colômbia, se reduziu para 10%. E, às vezes, nem sequer pagam impostos, como a empresa Drummond, que financiou projetos paramilitares, mas deixou de pagar 50 milhões de dólares. Sangram o país ambientalmente, financeiramente, com o crime político, com o deslocamento de famílias camponesas e com os massacres do paramilitarismo. Temos que revisar os investimentos estrangeiros no país.
Vocês têm vínculos com o narcotráfico?
A lavagem é o grande negócio dos grupos financeiros ligados à oligarquia colombiana. Ainda hoje o narcotráfico controla as instituições do país. É um flagelo que atravessa toda a sociedade. Nós estamos nos territórios onde se produzem drogas. Fizemos um esforço para regular a produção, para evitar a depredação do meio ambiento. Mas é muito difícil resistir ao grande capital do narcotráfico. A luta não é fácil numa zona agrária onde a crise e o abandono do Estado chegam a condições terríveis. O narcotráfico e a guerrilha não têm possibilidade de oferecer bem-estar e desenvolvimento econômico. A única coisa que podemos fazer é tratar de impor limites e cobrar impostos do negócio da droga.
Como se financiam?
Com impostos e doações. As petroleiras, as mineradoras, as bananeiras nos pagam impostos, assim como pagam ao Estado. Também, obviamente, os empresários que se dedicam ao tráfico de drogas. Mas as FARC não cultivam nem traficam drogas. Um consumidor de drogas não pode ser militante da nossa organização. Quanto às doações, há amigos do projeto político das FARC que dão contribuições.
Quantos militantes têm atualmente?
Isso é informação reservada, mas posso lhe dizer que são muitos. Além do Exército guerrilheiro, há uma organização política clandestina, o Partido Comunista Clandestino, que está nas universidades, fábricas, empresas, nos bairros. Também há um corpo de milícias, que são companheiros das unidades camponesas e comunidades urbanas: as Milícias Bolivarianas.
Estão vinculados à Venezuela?
De forma alguma. Nós somos bolivarianos. O único vínculo é o ponto de vista do pensamento latino-americano.
Que temas são inegociáveis?
A reforma agrária, as reformas sociais, a soberania nacional. A democracia. A integração latino-americana. O pensamento do nosso Libertador Simón Bolívar. Isso não se negocia.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Colômbia. “O grande tema é o das garantias políticas” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU