18 Dezembro 2014
Um glossário das "palavras" fundamentais para os cinco papas conciliares antes do Papa Francisco, ou seja, João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II e Bento XVI: um alfabeto dos termos-chave que caracterizam cada pontificado, explicadas passo a passo em um percurso histórico a partir de 1959.
A análise é do jornalista italiano Luigi Accattoli, publicada no jornal Corriere della Sera, 17-12-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Atualização [aggiornamento] - É o logotipo da estação conciliar, e João XXIII a usou já no primeiríssimo anúncio do Concílio, no dia 25 de janeiro de 1959. Ele diria em diversas ocasiões "atualização" e "renovação", sem falar de "reforma", palavra tabu para o papado, por causa de Lutero. O cardeal Biffi criticaria o termo "atualização" [aggiornamento], porque expressaria adequação ao "atual" [giornata], isto é, à história e às suas modas.
Paz - É palavra-chave no Papa Roncalli. Está no título da encíclica Pacem in terris (1963), que foi como que o seu testamento. E estava no lema do seu brasão: "Oboedientia et pax" ("Obediência e paz"). Na encíclica, ele afirmou que é loucura ("alienum a ratione": alheio à razão) o recurso à guerra na era nuclear. Conceito retomado por Francisco, lembrando, em setembro passado, em Redipuglia, o centenário do início do primeiro conflito mundial: "A guerra é uma loucura".
Pobres - "Opção pelos pobres" é o lema da catolicidade latino-americana, formulado pela Conferência de Medellín (1968) e que, depois de 45 anos, levou à eleição do cardeal Bergoglio. Um lema epocal, que encontra um prenúncio em uma mensagem de rádio do Papa Roncalli a um mês da abertura do Vaticano II: "Diante dos países subdesenvolvidos, a Igreja se apresenta como é e quer ser, como a Igreja de todos e particularmente a Igreja dos pobres".
Diálogo - A palavra "diálogo" ressoa 60 vezes na encíclica de Paulo VI Ecclesiam suam (1964): um excesso que é sinal de paixão, em um homem tão comedido. Esta é a citação obrigatória: "A Igreja deve entrar em diálogo com o mundo em que vive. A Igreja faz-se palavra, faz-se mensagem, faz-se colóquio".
Desenvolvimento - O "desenvolvimento dos povos" é outra bandeira de Paulo VI, ecoando a expressão "povos em vias de desenvolvimento", que foi típica da época da descolonização. Está no título da encíclica Populorum progressio ("O desenvolvimento dos povos", 1967). Nela está o lema: "O desenvolvimento é o novo nome da paz". E foi dessa forma que o progresso vituperado pelos papas do século XIX entrou na língua da Igreja de Roma.
Alegria - O abatido Paulo VI falou muito da alegria e dedicou à "alegria cristã" um dos últimos textos mestres do seu pontificado: a exortação Gaudente in Domino (1975), em que a palavra "alegria" aparece 135 vezes.
Colegas cardeais - Os cardeais eram chamados de "príncipes da Igreja", mas o Papa Luciani, recém-eleito, os chamou de "colegas", e também essa página foi virada: "Assim que começou o perigo para mim [de ser eleito], os dois colegas que estavam perto de mim me sussurraram palavras de coragem".
Pobre Cristo - Foi assim que o Papa Luciani se definiu, no dia 30 de agosto de 1978: "Espero que os meus coirmãos cardeais ajudarão este pobre Cristo, vigário de Cristo, a carregar a cruz". Os papas, ao longo dos séculos, tinham se definido de muitos modos, nunca chegando a esse ótimo título.
Deus é mãe - Era o dia 10 de setembro de 1978, quando o Papa Luciani, no Ângelus, invocando a paz para o Oriente Médio, disse que Deus "sempre tem os olhos abertos sobre nós, mesmo quando parece noite: é papai, mais ainda, é mãe". Do seu pontificado efêmero, restou essa duradoura palavra.
Mea culpa - João Paulo II é o papa do mea culpa: são uma centena os textos em que ele reconhece responsabilidades históricas dos "filhos da Igreja" e cerca de 30 aqueles em que ele usa a expressão "eu peço perdão", ou uma equivalente. Galileu, o antijudaísmo, as fogueiras da Inquisição são os casos mais famosos.
Nudez - A "nudez dos progenitores", ou seja, de Adão e Eva, que "estavam nus e não sentiam vergonha", é um assunto de que o Papa Wojtyla fala nas catequeses da quarta-feira por quatro anos, ilustrando uma "teologia do corpo", que permanece como o seu ensinamento mais novo. Falando dos nus da Capela Sistina, ele disse uma vez: "Só diante dos olhos de Deus, o corpo humano pode permanecer nu e conservar intacta a sua beleza".
Irmãos - Os papas chamavam de "irmãos" os bispos, e de "diletos filhos e filhas", os católicos, mas João Paulo II dilatou a fraternidade: chamou de" irmãos mais velhos" os judeus, e de "irmãos" (por cerca de dez vezes), os muçulmanos. Irmãos não em Cristo, mas em Abraão, já que o Islã também se remete a Abraão, assim como os cristãos e – por primeiro – os judeus.
Reforma - Bento XVI não teve medo de usar a palavra "reforma", a qual, para evitá-la, João XXIII havia recorrido ao sinônimo soft de "atualização" [aggiornamento]. Ele definiu a obra do Vaticano II como "reforma na continuidade".
Continuidade - O papa alemão não teve medo da reforma, mas a sua palavra preferida, quanto ao governo da Igreja, foi "continuidade": no magistral discurso à Cúria do dia 22 de dezembro de 2005 – com o qual ele propôs a fórmula "reforma na continuidade" –, ele usou cinco vezes a palavra "reforma" e 12 vezes a palavra "continuidade". Portanto, ele pendia por esta.
Teologia do amor - "Deus é todo e apenas amor", disse o Papa Ratzinger no dia 7 de junho de 2009. Ele dedicara a esse assunto a encíclica Deus é amor (Deus caritas est, 2006). Como teólogo, havia escrito que o amor é o único "princípio transcendental" do cristianismo. A teologia do amor é a sua melhor herança, que Francisco prolonga na teologia da misericórdia.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O léxico dos papas, pegadas de uma era (e de uma teologia) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU