''A paixão aproxima de Deus''. Entrevista com Vito Mancuso

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17 Fevereiro 2014

Enquanto Io e Dio (Ed. Garzanti, 2011), de Vito Mancuso, era uma obra de teologia fundamental, Il principio passione (seu novo livro, Ed. Garzanti, 2013) é uma obra de teologia sistemática. O objetivo – é o próprio autor que explica em uma advertência que antecede a abordagem propriamente dita – é o de propor, no contexto da contemporaneidade, uma pergunta muito antiga, sobre a qual refletiram filósofos e teólogos: que relação existe entre o amor, como essência específica do Deus que cria, e a estrutura concreta do mundo em que vivemos?

A reportagem é de Roberto Carnero, publicada na revista Jesus, de janeiro de 2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O livro aborda uma questão dupla, teológica e antropológica: quando agimos pelo bem e pela justiça, reproduzimos uma lógica cósmica mais ampla voltada à harmonia racional ou colocamos em ação uma lógica totalmente estranha ao cosmos? Tal pergunta de fundo se entrelaça com questões inerentes à cosmologia, à filosofia da natureza, à biologia, à física, além da mensagem bíblica e ao patrimônio doutrinal católico.

Eis a entrevista.

Professor Mancuso, qual é o centro do seu novo livro?

A ideia de que o princípio da vida no mundo se baseia na paixão e gera paixão. "Princípio" deve ser distinguido de "início", porque indica não só o começo de um fenômeno, mas também a sua razão de ser e a sua finalidade. Portanto, ao dizer que o princípio da vida se baseia na paixão e gera paixão por sua vez, eu pretendo dar conta do dado empírico com base no qual tudo o que vive padece (paixão em sentido passivo) e, ao mesmo tempo, se apaixona (paixão em sentido ativo). A paixão é o que a vida produz sobre nós, é a pressão que sofremos pelo próprio fato de estar no mundo (im-pressão) e que, por nossa vez, reproduzimos nas nossas manifestações vitais (ex-pressão). No livro, essa tese é compendiada em uma fórmula: Logos + Caos = Pathos.

Existe um princípio de ordem e de organização (Logos) que plasma continuamente a massa originalmente caótica do ser-energia (Caos), e essa plasmação, ou seja, aquele processo que a teologia chama de criação, produz Pathos-paixão, porque requer um trabalho inesgotável. A criação é criação contínua. Teologicamente falando, a relação entre o princípio da ordem e a massa caótica da energia original se expressa identificando no processo cristológico da encarnação-paixão-morte-ressurreição a expressão da forma permanente da relação entre Deus e o mundo.

De que modo o que você chama de "paixão" dá plenitude à existência?

Paixão é um termo polivalente, para não dizer ambíguo. Há um modo de se expor à paixão que em nada dá plenitude à existência, mas, no máximo, é destruição da existência, porque indica um sofrimento maior do que o sujeito pode suportar, como quando dizemos (em analogia com a paixão de Cristo) "a paixão de um povo". Que plenitude à existência pode receber o povo sírio da paixão que está vivendo? A paixão dá plenitude à existência apenas na medida em que é assumida conscientemente, tornando-se a perspectiva que nos coloca em contato com a dinâmica da vida real.

A vida é feita de sofrimento, mas também de alegria; de injustiça, mas também de justiça; de absurdo, mas também de criatividade. Fazer com que prevaleça o positivo da vida, acima de tudo na nossa interioridade e depois em todos os sistemas dos quais fazemos parte, requer trabalho, portanto paixão, mas é precisamente isso que dá plenitude à existência. Por quê? Porque reproduz o movimento divino voltado à produção de harmonia relacional, origem e fundamento do mundo e, ainda hoje, lógica que o mantém vivo. Trabalhando na harmonia relacional (o bem, o amor, a justiça), entra-se em contato com o trabalho de Deus, e isso significa alcançar a plenitude da existência.

Como se concilia essa visão com a presença do mal no mundo?

Na realidade, essa visão nasce justamente da consciência do mal no mundo, portanto eu não tenho nenhuma necessidade de conciliá-la em um segundo momento. A exigência de conciliação com a presença do mal se dá por causa da visão tradicional, para a qual o mundo foi criado em um estado perfeito e governado pela onipotência divina em cada detalhe e, portanto, não deveria conhecer o mal. Eu, ao contrário, assumo desde o início a presença do mal e da desordem, e por isso falo de Caos ao lado do Logos. Mas, como eu demonstro no meu livro, por páginas e páginas, essa visão, bem antes de ser minha, é sustentada pela Bíblia.

Em que se baseia a sua contestação à ideia do pecado original?

Há elementos históricos e exegéticos que aqui eu não posso recordar, mas que eu exponho nos meus escritos. Aqui me limito a mencionar o aspecto teórico, isto é, a incapacidade de conceber o caos como elemento original e a culpabilização do gênero humano que brota dele. Na realidade, não há um pecado original, há, ao invés, um caos original, ou seja, o estado sob o qual o mundo e também cada ser humano individual vêm à existência.

O mito do pecado original é a resposta falsa a um problema verdadeiro, o da presença do caos e da desordem em um mundo criado por Deus. O dogma do pecado original motiva essa presença mediante o pecado do primeiro homem e a consequente culpabilização de todo o gênero humano (que Agostinho define como "massa condenada"). Na realidade, a presença do mal no mundo é explicada com base no caos, condição necessária para o nascimento da indeterminação da liberdade, da qual, depois, procedem tanto o bem, quanto o mal.

Passando da teologia à pastoral, que potencialidades você vê na Igreja do Papa Francisco?

Enormes. Nesses meses, ele começou o trabalho de reorganização da Cúria Romana, superou a distância às vezes abissal entre papado e sensibilidade popular, fez ressoar o perfume da radicalidade evangélica. Deixemo-lo trabalhar em paz e envolvamo-lo com as nossas orações. Ele saberá dar cumprimento a todas aquelas expectativas legítimas do povo de Deus frustradas há muito tempo, como a condição da mulher na Igreja, a moral sexual e a bioética atuais, que são apenas "nãos", a administração dos sacramentos. Não se trata de se adequar aos tempos. Trata-se de fazer transparecer o espírito do Evangelho e da sua misericórdia, como já pedia o cardeal Martini.

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