02 Dezembro 2015
No limiar do Ano Santo, o idoso papa, pela primeira vez na África, cansado de uma longa e turbulenta viagem, quase como um mendigo, pediu a "esmola da paz". Lançou um apelo que vai além das fronteiras centro-africanas: "Deponham esses instrumentos de morte; armem-se, em vez disso, com a justiça, o amor e a misericórdia, autênticas garantias de paz".
A opinião é do historiador da Igreja italiano Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio e ex-ministro italiano, em artigo publicado no jornal Corriere della Sera, 01-12-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Muitíssimos eram contrários à viagem do papa à África Central e à sua arriscada exposição em Bangui. Tinha razão: havia um verdadeiro risco para a sua pessoa. Os militares franceses tinham alertado sobre a impossibilidade de controlar as facções e as muitas armas nas mãos das pessoas.
O Papa Francisco, porém, quis ir a Bangui, respeitando o programa, também a visita ao bairro muçulmano (que despertava as maiores perplexidades). Ele teve uma coragem pessoal extraordinária, reveladora do sentido profundo do seu ministério. Ele mostrou a audácia de quem vive aquilo que acredita. Não teve medo de ir à mesquita central de Koudougou para proclamar: "Entre cristãos e muçulmanos, somos irmãos".
É também uma lição para nós, europeus assustados com o futuro, especialmente depois dos atentados de Paris. Francisco, com a visita à África Central, deu um tom particular à viagem que teve duas etapas anteriores muito pastorais no Quênia e na Uganda. Mas, na África Central, houve a descida aos infernos: uma situação fora de controle, os riscos de conflito religioso entre muçulmanos e cristãos, a fragilidade das instituições, a insegurança geral, os muitos refugiados (alguns encontrados pelo papa), a violência e as armas, tanta miséria.
O país resume em si mesmo os males do continente. Tem uma história terrível: bastaria lembrar o trágico "império" de Bokassa. Pela localização geopolítica, repercutem sobre a África Central a instabilidade dos dois Sudão vizinhos, do Chade e do Congo. O papa desceu quase para o epicentro da instabilidade, para falar de paz.
Francisco proclamou Bangui como "capital espiritual do mundo" na abertura da Porta Santa da catedral (feito de pobre madeira) e na inauguração do Jubileu: "O Ano Santo da Misericórdia vem com antecedência para esta terra", disse. Quase como se houvesse uma necessidade imediata.
As tantas referências às periferias por parte de Bergoglio (sobre as quais alguns eclesiásticos ironizam) são concretas: o Jubileu começa a partir da periferia africana. A partir daí o papa falou ao mundo: "Nesta terra sofredora, há também todos os países que estão passando pela cruz da guerra. Bangui se torna a capital espiritual da oração pela misericórdia...".
A sua cátedra não estava na solenidade dos mármores e dos cantos da Basílica de São Pedro. As polêmicas em torno da vida vaticana estão longe e redimensionadas. Pela primeira vez, a Porta Santa se abriu em um "inferno" de violências, sequestros, ódio, intrigas políticas, corrupção, misérias. Liturgia e drama da história se sobrepõem.
Francisco vê resumidas e simbolizadas na África Central todas as guerras, quase como se fosse a concretização de um "jubileu" da morte e da violência, que já dura tanto tempo e corre o risco de não acabar. O papa respondeu com o seu Jubileu, o da utopia da misericórdia. Não o proclamou do sólio vaticano, mas se afundou em uma crise: assim, não é só mais credível, mas também injetou uma esperança que vai ajudar o processo de pacificação.
O papa esteve na mesquita central no bairro sob controle dos Seleka, as milícias muçulmanas que derrubaram o presidente Bozizé (apoiado pelos anti-Balaka cristãos) e o seu sucessor. Ele quis se encontrar com todas as partes dessa sociedade em luta e em fragmentos.
A pobre Bangui, marcada por anos de guerra, tão insegura, tornou-se "capital espiritual". Os centro-africanos sentiram com orgulho a confiança que o papa dava a um país desacreditado na comunidade internacional. Apesar do caos da situação em boa parte fora de controle, eles tiraram as consequências da abertura de crédito de Francisco.
A visita papal foi uma catalisação de reivindicações de paz. As milícias se autorregulamentaram. Todos os candidatos às eleições presidenciais do próximo dia 13 de dezembro – com a mediação da Comunidade de Santo Egídio – assinaram um acordo que compromete o eventual vencedor a respeitar as regras democráticas.
No limiar do Ano Santo, o idoso papa, pela primeira vez na África, cansado de uma longa e turbulenta viagem, quase como um mendigo, pediu a "esmola da paz". Lançou um apelo que vai além das fronteiras centro-africanas: "Deponham esses instrumentos de morte; armem-se, em vez disso, com a justiça, o amor e a misericórdia, autênticas garantias de paz".
De Bangui, veio também a resposta à grave crise aberta pelos atentados de Paris: as diversidades não justificam os conflitos. Ele também falou das divisões entre cristãos como "escândalo diante de tanto ódio e de tanta violência que dilaceram a humanidade".
A proposta central do Jubileu é vencer "o medo do outro, daquilo que não nos é familiar, daquilo que não pertencem ao nosso grupo étnico... à nossa confissão religiosa". O Jubileu quer criar – em meio aos povos – uma síntese entre as diversidades para viverem juntas.
É o ideal simples e decisivo do papa: "A unidade na diversidade", disse. Palavras simples e fortes, corroboradas por gestos corajosos.
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A coragem política da viagem africana do Papa Francisco. Artigo de Andrea Riccardi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU