02 Dezembro 2015
Recebo esta reflexão de um homem da Igreja não italiano, que pediu uma justa reserva para o seu nome. E que tem em mente o fato de escrever ainda outras "cartas da periferia".
A nota é de Sandro Magister, publicada no blog Settimo Cielo, 23-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Pastoral caso a caso em vez de anúncio. Um jogo arriscado
de Anônimo
Depois do Sínodo, alguns bispos e cardeais declararam que a Igreja deveria "estar atenta", "discernir" e "acompanhar" com mais atenção. Vai-se em busca da "arte da cura d'almas" e da "inclusão", com um estilo pastoral que impregna não só o documento final do Sínodo, mas também muitas das intervenções de pessoas do mundo eclesial.
Certamente, está-se em busca de uma abordagem sensível ao homem de hoje. Eu, pessoalmente, estou contente que o sacerdote, no confessionário, em vez de me encher de tapas com o catecismo, venha ao meu encontro com sensibilidade, tentando compreender a minha situação particular.
Mas essa é uma abordagem adequada também para os meios midiáticos? O que acontece se a comunicação pública é dominada por uma mentalidade do "caso a caso"? Falar da preocupação pelo indivíduo, talvez, pode substituir o anúncio? A tensão de fundo entre liberais e conservadores, talvez, têm algo a ver com a incumbente ameaça de que o anúncio do ensinamento vá desaparecendo cada vez mais?
O sistema midiático de hoje, com as suas inumeráveis redes digitais, é um grande desafio. A globalização da comunicação mediante plataformas interativas muda processo da formação da opinião pública. A atitude da Igreja diante dessa realidade requer um raciocínio diferente do raciocínio do cuidado pastoral local.
Se um bom pastor de almas, que quer o bem das pessoas, diz a um homossexual que não quer condená-lo, isso é uma coisa boa. Porém, em um caso puramente hipotético, o boníssimo pastor de almas se encontra em um avião e diz a mesma coisa aos jornalistas, nesse ponto, as suas palavras se inserem no espaço comercial e político da exploração midiática.
Quase todos os meios midiáticos ocidentais são de marca secular ou agnóstica, e interpretam os temas eclesiais em nível horizontal, isto é, político, histórico, sociológico, e não em nível vertical, em direção a Deus.
E a dimensão transcendente de uma mensagem? O pecado original? Não, o que importa é só o "furo" jornalístico. O leitor e o espectador só querem uma história que gere notícia: "A Igreja não julga mais os homossexuais". Essa sim é uma notícia.
E o capítulo posterior? "A Igreja muda a moral sexual." E depois: "A validade dos Dez Mandamentos depende da decisão da própria consciência". Se o discurso pastoral substitui o ensinamento da doutrina, esse é o resultado da representação midiática da Igreja.
Mas talvez alguns pastores compreendam muito bem esses mecanismos. Talvez também entendam a diferença entre a comunicação no cuidado das almas e a comunicação nos meios de comunicação de massa. Talvez só tenham medo da mídia. Têm medo do mobbing digital, do martírio no circo da opinião pública. Melhor ser um pastor de almas soft, que nunca julga ninguém.
Pode-se chegar até a uma forma de flerte com a imprensa ou a TV, ou até mesmo à "síndrome de Estocolmo": isto é, aliar-se com o próprio sequestrador. No fim, não é esse o desejo de uma Igreja que encontra amplo consenso, uma Igreja privilegiada?
Quaisquer que sejam as causas, a proclamação da doutrina atualmente passou para o segundo plano. Não se explica mais o que a Igreja declara ser sempre verdadeiro e bom, ou falso e mau. Limitamo-nos, em vez disso, a explicar por que nem todos os casos são iguais.
Que consequências isso trará? O que isso trará para a unidade da Igreja e para a práxis pastoral? E para a evangelização?
Entre os fiéis à doutrina, tudo isso traz confusão e descontentamento, já se pode constatar isso em muitos países. Os círculos progressistas, enquanto isso, exploram a ausência de um anúncio vinculante para relativizar o ensinamento e reivindicar uma adaptação aos tempos.
É um jogo perigoso. Pode levar a um cisma na Igreja: primeiro, na práxis pastoral e, depois, até mesmo na doutrina.
O que faria São Paulo? No seu tempo, no areópago, aos pagãos, ele não tinha falado de cura d'almas adaptada à situação. Ele não tinha sequer falado logo de Cristo, mas, antes, da cultura que havia encontrado ali. Ele havia mostrado a eles que viu os deuses e os santuários em Atenas e que compreendia o seu mundo. Ele sabia que quanto mais bem compreendesse, mais bem seria compreendido.
Sem dúvida, ainda hoje devemos novamente manifestar que compreendemos os ídolos do século XXI, como, por exemplo, o culto da otimização, do hedonismo ou da tecnologização, para poder mostrar que temos algo melhor para oferecer.
Mas, primeiro, devemos reconhecer que não podemos fazer isso só mediante um cuidado pastoral caso a caso. Para fazer isso, devemos proclamar o ensinamento da Igreja. Adequado para a mídia, mas não adaptado para a mídia. Fiel à fé, mas não à moda antiga.
* * *
Para a reflexo desse Anônimo, pode-se conectar o que foi dito em uma entrevista ao sítio Aleteia pelo jesuíta Antonio Spadaro, diretor da revista La Civiltà Cattolica, sobre o estilo comunicativo do Papa Francisco.
À pergunta: "Existe o risco de ser mal interpretado? Alguns párocos se queixam de fazer a figura dos 'malvados' em relação aos fiéis que pedem o acesso à comunhão, mesmo sendo divorciados, porque o papa disse...?", o padre Spadaro respondeu:
"O risco de equívoco sobre as palavras do papa existe e faz parte da sua capacidade comunicativa. A comunicação, se real, é ambígua. Em vez disso, se é feita de comunicados de imprensa, de fórmulas ou de lições, a palavra é clara, mas não comunica. O papa fez uma escolha precisa: privilegiar a pastoral e falar para as pessoas. É claro que ele se presta a possíveis mal-entendidos, mas, ao mesmo tempo, move e está movendo o povo de Deus que apela aos seus pastores. Os pastores, então, são chamados a reler o Evangelho para poder explicá-lo melhor para as pessoas que continuam sacudidas pelas palavras de Francisco. A palavra do papa não é a última, a definitiva, que produz sentenças, mas é a palavra capaz de sacudir o povo de Deus e iniciar processos, que é outra chave para entender Bergoglio. Não é um papa que 'faz coisas', mas que inicia processos".
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Cartas da periferia: antes, o cisma pastoral. Depois, o doutrinal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU