01 Dezembro 2015
Para entender a atmosfera que antecedeu a chegada do Papa no Estádio Kasarani, onde teve um encontro com os jovens de Nairobi, bastava ver um único quadro: um longo trem dançante liderado pelo próprio presidente, Uhuru Kenyatta, seguido por animadores e por quinze bispos que não resistiram ao ritmo da música. Cantos, músicas de grupo, flash mobs e execuções musicais, no típico estilo "efervescente" da juventude africana, caracterizou todo o evento da última etapa da visita de Francisco no Quênia.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por Zenit.org, 27-11-2015.
Os mais de 60 mil jovens lotaram as arquibancadas desde as primeiras horas da madrugada. Para eles hoje é feriado: as escolas estão fechadas e quem trabalha está de descanso. A espera pelo Sucessor de Pedro é muito forte. Francisco chega pontual por volta das 8h30 e dá a volta com o Papamóvel, enquanto as pessoas gritam, cantam, tiram foto, fazem ‘olas’, agitam os braços, bandeiras e banners. O Papa cumprimenta os bispos ‘bailarinos’ que, depois, encontra em uma sala privada do Estádio e uma vez no palco permanece quase de boca aberta ao ver a acolhida que recebeu; depois abençoa três plantas levadas pelos jovens e recebe uma placa que indica o número de terços rezados nestes meses pelas suas intenções.
A alegria efusiva cobre-se rapidamente com um véu de emoção no momento dos dois testemunhos de dois jovens. O primeiro é Manuel que narra a sua juventude conturbada: sequestrado por guerrilheiros no norte, preso, torturado, forçado a testemunhar a morte de seus amigos. Depois, Linette que expressa ao Papa a sua preocupação com os casos de droga, violência e tribalismo que os jovens quenianos são obrigados a suportar. Depoimentos demasiado fortes para responder com um texto pré-escrito: Bergoglio, de fato, joga no lixo o discurso preparado, e se lança em um apaixonado discurso improvisado, em espanhol, no qual estigmatiza os males do tribalismo e da corrupção e dá uma esperança para os jovens vítimas de recrutamento, de desemprego ou de abandono por parte das suas próprias famílias.
A vida é cheia de dificuldades e convites para o mal. Mas os jovens podem escolher
"Por que acontecem a divisão, a luta, a guerra, a morte, o fanatismo, a destruição entre os jovens? Por que existe esse desejo de auto-destruir-se?", é a pergunta crucial que serpenteia a reflexão do Papa. Que se inspira nas primeiras páginas da Bíblia, na qual “no meio de todas as maravilhas que Deus fez, um irmão mata outro irmão, e o espírito do mal leva à destruição”. É este espírito do mal que “nos leva à desunião, ao tribalismo, à corrupção, à dependência de drogas", diz o Papa.
Como fazer, então, para que “um fanatismo ideológico não nos roube um irmão, um amigo?”, perguntava Manuel. “Existe uma palavra que pode soar estranha, mas não quero evita-la”, responde Francisco: rezar. “Um homem perde o melhor do seu ser humano quando se esquece de rezar porque sente-se onipotente, porque não sente a necessidade de pedir ajuda perante tantas tragédias”. E a vida, a terra, está cheia destas tragédias, cheia de “dificuldades” e também de “convites para desviar-se para o mal”.
Mas existem, no entanto, duas maneiras de enfrenta-lo: “Ou se olha para isso como algo que te para, te destrói, te mantém preso, ou se olha como uma oportunidade. Vocês, jovens, devem escolher. Para mim uma dificuldade é um caminho de destruição ou é uma oportunidade para superar toda a situação minha, da minha família, das minhas comunidades, do meu país?”. Portanto, a liberdade de perguntar-se: “Qual caminho quero escolher? Qual destas duas coisas quero escolher? Deixar-me vencer pela dificuldade ou considerar a dificuldade como uma oportunidade que eu posso vencer?”. “Vocês – insiste o Papa – querem superar estes desafios ou deixar-vos vencer pelos desafios? Vocês são como os atletas que quando veem jogar aqui no estádio querem vencer ou são como aqueles que já venderam a vitória para os outros e colocaram a vitória no bolso? Vocês é que decidem”.
Todos unidos contra o tribalismo: "Ele destrói as nações"
Falando de desafios, um enorme na África - observou o Papa - é o do tribalismo. Ele, afirma, "destrói uma nação. O tribalismo significa manter as mãos escondidas atrás de nós e ter uma pedra em cada mão para jogá-la contra o outro". O tribalismo "se vence só com a escuta”: primeiro “com os ouvidos” perguntando: “Qual é a tua cultura? Por que você é assim? Por que a tua tribo tem este hábito, este costume? A tua tribo se sente superior ou inferior?”. Depois “com o coração”, abrindo-o, e, por fim, “com a mão” estendendo-a para continuar o diálogo. “Se vocês não dialogarem e não se ouvirem, então, sempre haverá o tribalismo como um verme que corrói a sociedade”, adverte o Papa, e convida os milhares de presentes, a pegarem nas mãos, de pé, “como sinal contra o tribalismo”. “Todos somos uma única nação. We are all a nation”, grita o Papa, enquanto no estádio uma sugestiva rede de mãos e de braços se tece para mostrar o desejo de derrotar este flagelo para a África.
A corrupção: um açúcar que envenena. “E também existe no Vaticano”
No entanto, há um outro flagelo na África: a corrupção. "É possível justificar a corrupção? Como podemos ser cristãos e lutar contra o flagelo da corrupção?", Pergunta o Papa. Conta, então, a anedota de um jovem de vinte anos argentino que “queria dedicar-se à política, estudava, estava entusiasmado, ia de um lado para outro, e encontrou trabalho em um ministério. Um dia teve que decidir o que tinha que comprar. E então pediu três orçamentos, examinou-os e escolheu o mais barato, o mais conveniente. Depois foi para o escritório do chefe para que assinasse. ‘Por que escolheu este?’. ‘Porque precisa escolher o mais conveniente para a finança do país’. ‘Não! Deve escolher o que te coloca mais dinheiro no bolso!’. O jovem respondeu ao chefe: ‘Eu vim fazer política para ajudar a pátria, fazê-la maior’. E o chefe lhe respondeu: ‘Eu faço política para roubar’”.
É só um exemplo de corrupção, mas "isso se encontra não só na política, mas em todas as instituições, até mesmo no Vaticano”, observa Francisco, e compara o mal da corrupção com o “açúcar”, que “gostamos, é fácil”, mas que depois nos faz ter “um triste final”. "Em vez de tanto açúcar fácil, terminamos diabéticos ou o nosso país termina doente por diabete. Cada vez que aceitamos um suborno, que aceitamos um aliciamento e o colocamos no bolso, destruímos o nosso coração, a nossa personalidade, a nossa pátria. Por favor, não tenham prazer com esse açúcar que se chama corrupção”, adverte o Santo Padre. Como combater, então, este açúcar venenoso? “Como em todas as coisas temos que começar; se vocês não querem a corrupção no coração de vocês, na vida de vocês, na pátria de vocês, então comece com você! Se você não começar então nem o seu vizinho vai começar”.
O dinheiro roubado, quando você morrer, vai deixa-lo aqui e outro o usará. Mas deixará aqui também as feridas causadas nas pessoas.
Além do mais, a corrupção “nos rouba a alegria, nos rouba a paz. A pessoa corrupta não vive em paz”, comenta o Pontífice. E diz outro "fato histórico" de um homem tão corrupto que fez uma senhora exclamar, durante o seu funeral: “Não conseguíamos fechar o caixão porque queria levar consigo todo o dinheiro que tinha roubado”. Aqui está, diz Francisco, “o que vocês roubam com a corrupção, vai ficar aqui e outro o usará, mas também vão ficar – e isso devemos, realmente, gravar no coração – tantos homens e mulheres que ficaram feridos pelo seu exemplo de corrupção. Ficará a falta de bem que você poderia ter realizado e não realizou. Ficará nos jovens doentes, famintos, porque o dinheiro que era para eles, por causa da sua corrupção, ficou com você. Jovens e moças, a corrupção não é um caminho de vida, é um caminho de morte”.
O sorriso é um meio de comunicação contagioso, mais do que a TV
Diante destas coisas feias da vida, o Papa convida a usar os meios de comunicação: mas não a tv, internet e rádio, mas sim a palavra, o gesto, o sorriso. “O primeiro gesto de comunicação é a proximidade, é buscar a amizade”, diz, “falar bem entre vocês, sorrir, aproximar-se dos irmãos, estar perto um dos outros, até mesmo se forem de tribos diferentes, também eles precisam, os abandonados, os anciãos, que ninguém visita, que vocês estejam perto deles, estes gestos de comunicação são mais contagiosos do que qualquer rede de televisão”.
Recrutamento de jovens: "Se um jovem não trabalha cai na delinquência!"
Em seguida, enfrenta outro assunto espinhoso que marca a juventude africana: o recrutamento de muitas crianças em grupos de células terroristas. Como evitar esse fluxo? O que fazer para trazer de volta para casa estes jovens? Para responder temos que dar um passo para trás, explica o Papa, e compreender “por que um jovem cheio de ilusões se deixa recrutar, ou vai em busca de ser recrutado, se distancia da sua família, dos seus amigos, da sua tribo, da sua pátria, se afasta da vida porque aprende a matar”.
Esta pergunta Bergoglio a passa para as autoridades: “Se um jovem, um rapaz ou uma moça, não tem trabalho, não pode estudar, o que vai fazer? Pode cair na delinquência ou em uma forma de vício, ou até cometer suicídio. Ou ainda juntar-se a alguma atividade que demonstre uma finalidade na vida e que talvez o seduziu ou enganou”. O primeiro antídoto é, portanto, a educação “também de emergência, de pequenos cargos”, depois o trabalho, porque “se um jovem não tem trabalho, qual futuro fica pra ele?”. Justo ali está o perigo, “um perigo social que vai além de nós, do país, porque depende de um sistema internacional que é injusto, que tem a economia no centro, não a pessoa, mas o deus dinheiro”. Também, observa o Pontífice, precisamos orar, “mas forte” porque “Deus é mais forte do que qualquer recrutamento”. E é preciso falar com estes jovens “com afeto, com simpatia, com amor e com paciência”, convidá-los, talvez “a ver um jogo de futebol, a fazer um passeio, a participar do vosso grupo, não deixa-los sozinhos”.
Com o rosário e a a Via Sacra sempre no bolso...
Um último problema a resolver é o seguinte: "Como podemos ver a mão de Deus nas tragédias da vida?". Não há uma resposta, diz Papa Francisco, “por mais que alguém se esforce pensando, não consegue encontrar uma explicação”. Não existe uma resposta, mas “existe um caminho” e é olhar para Jesus Cristo que Deus “entregou para salvar a todos nós”. “Deus mesmo se fez tragédia, Deus mesmo se deixou destruir na cruz e quando existe um momento que não entende, quando estiver desesperado e o mundo cair encima, olhem para a cruz. Lá está o fracasso de Deus, a destruição de Deus, mas lá está também um desafio à nossa fé: a esperança porque a história não acabou naquele fracasso, mas houve a ressurreição que renovou tudo”. Justamente por isso o Santo Padre admite que sempre leva consigo, no bolso, duas coisas: um terço para rezar e uma pequena via sacra, a “história do fracasso de Deus”. Com estes dois eu me viro como posso... E não perco a esperança”, explica.
Vocês nunca receberam afeto? Amar os outros! A carne se cura com a carne
Termina com um convite à esperança por todas aquelas pessoas abandonadas no nascimento ou pelos pais, ou que não sentem o afeto da família. Mas, também, por todos os anciãos “que estão sozinhos, sem que ninguém os visite, e que ninguém quer bem”. “Há um só remédio para sair destas experiências negativas de distância e falta de amor – destaca o Papa - : fazer o que eu não recebi. Se vocês não receberam compreensão, sejam compreensivos com os demais; se vocês não receberam amor, amem os outros; se vocês sentiram a dor da solidão, aproximem-se daqueles que estão sozinhos, a carne se cura com a carne e Deus se fez carne para curar-nos. Portanto, também nós devemos fazer o mesmo com os demais”.
Deus tem apenas um defeito: não pode deixar de ser Pai
"Antes do árbitro apitar o fim", o Papa Bergoglio concluiu o encontro com um sincero "obrigado": "Por terem vindo, por terem permitido que falasse na minha língua materna, por terem rezado tantos terços por mim. Continuem a rezar por mim, porque também eu preciso e muito”. Depois convida a todos a ficarem de pé, e com as mãos dadas, rezar isso “Pai do Céu que tem um só defeito: não pode deixar de ser Pai”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Papa Francisco: "O dinheiro roubado, quando você morrer, vai deixá-lo aqui e outro o usará. Mas deixará aqui também as feridas causadas nas pessoas" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU