''A moral sexual da Igreja deve evoluir.'' Entrevista com Wunibald Müller

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01 Julho 2015

Casamento homossexual: uma realidade já agora nos EUA e na Irlanda. Por que a Igreja Católica não dá a sua bênção às uniões de pessoas do mesmo sexo? Sobre isso, entrevistamos o teólogo Wunibald Müller.

A reportagem é de Johannes Schröer, publicada no sítio Domradio.de, 28-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Por que para nós, na Igreja Católica, não é a mesma coisa se uma pessoa é hetero ou homossexual?

Porque a homossexualidade continua sendo um tabu na nossa sociedade, porque continua sendo algo estranho, porque trazemos o peso do fato de que a homossexualidade, ainda nos anos 1960, era considerada crime e que, depois, foi considerada patológica. E, às vezes, também porque muitas pessoas têm medo de entrar em contato com os próprios sentimentos homossexuais, aceitando se aproximar do tema. E depois, naturalmente, também porque, dentro da Igreja, muitos partem da convicção de que a homossexualidade não corresponde à ordem da criação.

A moral sexual católica fala de uma ordem divina da criação, que se baseia no amor heterossexual, porque só assim a procriação é possível. Está correto? Mas você diz que a moral sexual da Igreja deveria ser mais desenvolvida...

O fato de que a procriação se baseia no amor heterossexual é correto. Se a homossexualidade não corresponde, nesse sentido, à ordem da criação, eu não sei. Se a Igreja Católica quer se dirigir às pessoas homossexuais sobre aquilo que ela diz sobre a sexualidade vivida, a moral sexual deve evoluir. No fundo, hoje, diz-se que só dentro do matrimônio a sexualidade vivida é moralmente boa. Exclui, portanto, todos aqueles que vivem a sua sexualidade não dentro do matrimônio. E isso, naturalmente, também diz respeito aos homossexuais. Acredito que a moral sexual deve mudar, no sentido de que não se parta mais da heterossexualidade como norma, mas que se diga: há um potencial de sexualidade, e a tarefa da Igreja é ajudar as pessoas a viverem esse potencial de sexualidade nas suas vidas e nas suas relações de forma a contribuir para um enriquecimento das suas vidas.

No Catecismo, diz-se que a homossexualidade é contrária à ordem natural. Como católico, como posso abordar esse tema?

Acima de tudo, reconheço-o, sei que, atualmente, essa é a doutrina da Igreja e não posso não prestar atenção a ela. Por outro lado, é importante partir do pressuposto de que a doutrina da Igreja também pode evoluir. Podemos atribuir a ela o que Karl Rahner disse uma vez referindo-se aos dogmas: são como lampiões na escuridão, só os bêbados se agarram a eles. A doutrina da Igreja, como um lampião na noite, pode iluminar, dar orientação. Decidir o que fazer, porém, cabe a mim.

Nisso também pode ajudar o fato de que, na Bíblia, está escrito que Deus é amor. E que existem valores que o cristianismo sempre defendeu. Destes, fazem parte a dignidade da pessoa e a igualdade das pessoas. A afirmação de que "a homossexualidade não segue a ordem" é, então, confrontada com o amor e com os valores que dele derivam. A Igreja deve reger a tensão que se cria com tudo isso, se quiser incluir as pessoas homossexuais na sua realidade de vida, também nas suas relações íntimas, se quiser levá-las a sério e falar com elas. Portanto, é preciso reconhecer esse fardo na doutrina da Igreja e deixar-se desafiar por ele – mas sempre incluindo o fator amor.

Que peso posso dar aos documentos bíblicos? Em muitos pontos da Bíblia, o amor homossexual é considerado pecado.

Se lá se fala de homossexualidade, não é a mesma coisa quando nós, hoje, falamos de amor homossexual. O que hoje sabemos sobre a homossexualidade – que se trata de uma tendência de uma pessoa –, tal compreensão não existia no tempo em que os textos bíblicos foram redigidos. Consequentemente, na avaliação da homossexualidade e do amor homossexual, é preciso considerar o que as ciências humanas nos dizem e, acima de tudo, o que as pessoas homossexuais relatam sobre si mesmas.

Mas, então, por que a Igreja Católica tem tanta dificuldade para aceitar uma moral sexual que reconheça o amor homossexual vivido em fidelidade e responsabilidade?

As lideranças da Igreja interpretam a Bíblia no sentido de que a norma é a da heterossexualidade. Portanto: a encarnação ocorre no encontro entre homem e mulher. Ora, reconhecer o mesmo valor para as relações de amor lésbicas ou gays é considerado por essas lideranças como uma traição em relação à Bíblia, mesmo que essas relações sejam relações fiéis, vinculantes, de amor e cuidado recíprocos.

A presença de homossexuais é mais alta na Igreja Católica do que no conjunto da sociedade?

Quanto ao conjunto da população, não acho que seja mais alta. Quanto às altas esferas na Igreja, portanto padres e bispos, é notavelmente mais alta. Entre os padres, podemos pensar em pelo menos 20%.

O assunto é discutido de forma controversa entre leigos e magistério. Quando se falou de uma possível bênção de casais homossexuais, chegou-se ao confronto aberto entre o Comitê Central dos Leigos Católicos Alemães e alguns bispos.

Basicamente, há um consenso em relação ao fato de tratar, como a Igreja, as pessoas com respeito. Um outro passo seria o de não negar a bênção a casais homossexuais que vivem valores importantes que também são válidos para as relações heterossexuais. Não seria algo comparável ao sacramento do matrimônio, mas permitiria uma abertura a todas as possibilidades e a ajuda espiritual que também são válidas para o matrimônio.

O que você espera do Sínodo sobre a família de outubro, em Roma?

Não muito, no que diz respeito à evolução da doutrina da Igreja. Espero, porém, que os divorciados em segunda união, no futuro, sejam admitidos aos sacramentos, isto é, à possibilidade de receber a comunhão. Se a Igreja decepcionar sobre esse assunto, eu vejo um futuro muito sombrio. Nesse ponto, ainda mais pessoas iriam embora da Igreja, dizendo-se que não querem ter mais nada a ver com essa instituição desprovida de amor e de misericórdia. Mas o Sínodo não ousará se lançar até a bênção de casais homossexuais.