Por: Jonas | 09 Junho 2015
Ainda que o tempo dedicado a uma reunião não seja, por si mesmo, um indicador válido e nem revelador da qualidade da mesma, também não se pode passar despercebido que o papa Francisco tenha dedicado quase duas horas de sua agenda, em um dia de domingo e assim que chegou de uma viagem cansativa, para o seu encontro com a presidente Cristina Fernández. Sem dúvida, expressa a relevância que o Pontífice conferiu à reunião. É possível que os mesmos analistas que teriam utilizado grandes manchetes para interpretar o contrário, se a conversa tivesse durado apenas quinze minutos, agora guardem um prudente silêncio sobre este detalhe significativo e se dediquem, mais uma vez, a acusar a mandatária de “utilizar” politicamente uma circunstância que, claramente e independente do mal que lhes pese, tem sentido político. Ainda que este seja diferente daquele que se atribui interessadamente.
Fonte: http://goo.gl/MMv0GN |
A reportagem é de Washington Uranga, publicada por Página/12, 08-06-2015. A tradução é do Cepat.
A letra fina do que foi conversado durante a reunião particular, certamente, por muito tempo ficará entre as quatro paredes da sala de audiências vaticana e na memória dos únicos participantes. Ainda que ambos guardem silêncio sobre os detalhes, os dois interlocutores conhecem a importância política do encontro e cada um o valoriza sob a sua perspectiva particular. Algo semelhante poderia ser dito sobre a reunião que o Papa teve, dias atrás, com a presidente do Chile, Michelle Bachelet, e com o ex-mandatário uruguaio José Mujica. Pelo mesmo caminho iria o encontro com Nicolás Maduro, finalmente adiado por razões de saúde do venezuelano. Contudo, no caso dos argentinos a reunião tem um aspecto distinto. De maneira quase unânime, aqueles que são próximos tanto do Papa como de Cristina Fernández afirmam que há entre os dois líderes uma corrente de afeto e de mútuo respeito que foi aumentando em cada um dos encontros e que também se afirma, a cada passo, com comunicações pontuais que trasladam tanto de Buenos Aires para Roma, como de Roma para Buenos Aires.
Os porta-vozes vaticanos insistem em afirmar que o Papa não acompanha de perto a política argentina. O mesmo que foi dito ao jornal Página/12 pelo embaixador Eduardo Valdés, quando foi entrevistado pelo colega Santiago Rodríguez. É uma verdade pela metade. É certo que Bergoglio não pode dedicar à Argentina o tempo e as energias que destinou ao seu país em outras etapas de sua vida. A agenda do Papa é suficientemente ampla e complexa e requer grande parte de suas forças. Porém, apesar disso, o Pontífice se mantém informado, por diversas vias e através de diferentes fontes, da marcha diária do país e, na medida de suas possibilidades e seguindo sua estratégia de não aparecer intervindo em assuntos diretamente políticos, faz chegar suas opiniões e seus pontos de vista.
“Conversamos sobre a remodelação da Basílica de Luján e do traslado do sabre do general San Martín nas comemorações da Semana de Maio”, disse a Presidente após o encontro. Seria ingênuo, no entanto, pensar que o diálogo – sem testemunhas e sem outro objetivo que o intercâmbio – tenha sido somente sobre esses dois assuntos, no que diz respeito à realidade argentina. Bergoglio não esquece sua condição de argentino e se mostra sempre interessado em expressar suas opiniões sobre o país. Opina, em particular, sobre a realidade política com cada um dos interlocutores argentinos de sua confiança, que frequentemente recebe na Casa Santa Marta. Por que no haveria, então, de proceder assim com Cristina Fernández, considerando tanto sua investidura institucional como Presidente, como sua condição de dirigente política? Por outro lado, além da estima pessoal que tem ao Papa, a Presidente reconhece em Francisco a qualidade de um estadista e observador inteligente da política, a quem sempre é bom ouvir.
Por outra vereda e como parte de sua estratégia internacional para continuar se consolidando como um líder mundial em favor da paz, Francisco entende que deve aprofundar suas relações – também ouvir – com aqueles que reconhece como figuras de relevância na política internacional. E nesta consideração o Pontífice inclui vários dos líderes – presidentes e ex-presidentes – dos países latino-americanos.
De maneira especial, Cristina Fernández está entre eles, ainda que também Rafael Correa, Evo Morales, o ex-mandatário uruguaio José Mujica e o ex-presidente do Brasil, Lula da Silva. O Papa “que chegou do Sul” sabe que pode construir com eles acordos que irão além do conjuntural e que em determinado momento estas pessoas também podem ser colaboradores essenciais para consolidar sua própria estratégia pacificadora. E não seria estranho se, dentro de não muito tempo, vermos alguns deles tornando-se responsáveis, como embaixadores extraordinários, de missões solicitadas e impulsionadas por Francisco no conflitivo teatro internacional.
Mais uma vez, o gesto do encontro – a foto dirão alguns – foi importante. Porém, o essencial – que aqui também continua sendo, pelo menos até o momento, “invisível aos olhos”, como escreveu Saint-Exupéry, em O Pequeno Príncipe – passa pela sintonia que Cristina Fernández e Jorge Bergoglio possuem a respeito da análise dos problemas e das questões para as quais é preciso dar atenção em busca de soluções no cenário internacional.
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Encontro do Papa com a presidente Kirchner. O visível e o essencial - Instituto Humanitas Unisinos - IHU