30 Abril 2015
Pesquisadores calculam parcela de influência humana em extremos de chuva e calor e concluem que você não iria querer viver num mundo dois graus mais quente.
A reportagem é de Claudio Angelo, publicada no sítio Observatório do Clima, 27-04-2015.
Qualquer pessoa que não tenha acabado de chegar de Júpiter provavelmente já teve a impressão de que o tempo está mais bizarro ultimamente: as tempestades fortes e os dias de calor extremo estão mais frequentes. Uma dupla de cientistas suíços acaba de calcular quanto dessa bizarrice é fruto de interferência humana.
Num estudo publicado nesta segunda-feira no periódico Nature Climate Change, Erich Fischer e Reto Knutti, da Escola Politécnica de Zurique (a mesma universidade onde estudou Albert Einstein), estimaram que 18% dos chamados extremos moderados diários de precipitação e 75% dos extremos moderados diários de calor simplesmente não ocorreriam se não fosse o aquecimento global de 0,85oC observado até hoje em relação à era pré-industrial.
Embora ainda não seja possível atribuir eventos únicos como a seca do Sudeste ou o recente tornado de Xanxerê ao aquecimento global, o estudo quebra um tabu importante: afinal, até agora tudo o que os cientistas podiam afirmar sobre as mudanças climáticas era que os eventos extremos estavam ficando mais frequentes. Quanto disso era responsabilidade humana, porém, ainda gerava discussão – e dava margem a questionamentos sobre o papel da humanidade no aquecimento global e nos estragos causados por eventos extremos.
Knutti é um dos autores principais do relatório de 2013 do IPCC, o painel do clima da ONU. Em seu estudo, ele e Fischer usaram dados de 25 modelos climáticos do IPCC para estimar duas variáveis: a probabilidade de ocorrência de certos eventos e a chamada “fração do risco atribuível”.
Trocando em miúdos, eles vasculharam a base de dados de chuva e temperatura dos modelos para descobrir quão mais frequentes estão esses extremos em relação à era pré-industrial e que fração desse aumento é atribuível ao aquecimento causado por humanos.
Essa fração é, bem entendido, uma questão estatística: não quer dizer que alguns eventos são causados por seres humanos e outros não, nem que 18% do volume de uma chuva ou nevasca é antropogênico. Trata-se apenas da contribuição antropogênica à probabilidade de um evento, explica a dupla de cientistas.
Por “extremo diário moderado”, uma aparente contradição em termos, os cientistas querem dizer uma chuva ou onda de calor anormal, com probabilidade de ocorrer a cada três anos num clima sem perturbação. No caso de um aumento de 2oC na temperatura, a frequência de extremos diários moderados de chuva aumenta 65% e a fração atribuível a humanos sobe de 18% para 40%.
“A noção de que em um mundo a 2oC quase metade dos eventos de chuva não aconteceria se não fosse pela mudança climática é um pensamento sombrio para formuladores de políticas públicas”, escreveu Peter Stott, pesquisador do Met Office britânico, em comentário ao artigo de Fischer e Knutti na mesma edição da Nature Climate Change.
Mas os cientistas não olharam apenas os eventos moderados: eles também avaliaram a frequência de eventos extremos violentos, desses que ocorrem uma vez a cada 30 anos – como a onda de calor europeia de 2003. Duas coisas que os dados mostraram deveriam fazer os líderes mundiais tentarem a todo custo evitar que o aquecimento da Terra ultrapasse o limite de 2oC neste século.
Primeiro, que a frequência desses eventos tende a crescer significativamente com 2oC: de 30 anos, a recorrência cai para 10 ou 20 anos. Segundo, que o aumento não é linear: a probabilidade de supertempestades ou supercanículas dobra com um aquecimento de 2oC em relação a 1,5oC.
“Com cada grau de aquecimento são os eventos mais raros e mais extremos – e, portanto, aqueles com os impactos socioeconômicos mais altos – aqueles cuja maior fração se deve às emissões humanas de gases-estufa”, escreveram os autores.
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