09 Fevereiro 2015
"Ainda não vivemos o suficiente ao lado deles", escrevia Christian de Chergé, prior de Tibhirine, assassinado por não ter abandonado o lugar da fraternidade. Ele que, com humildade e paciência, vivia no silêncio de um mosteiro cristão na Argélia, "em um oceano de Islã".
A opinião é da jornalista francesa Christine Ray, que foi correspondente do jornal La Croix em Argel, de 1979 a 1983, e em Washington, de 1988 a 1995. É autora de Christian de Chergé, priore di Tibhirine (Ed. Bayard) e Toi, ma soeur étrangère, com Karima Berger (Éditions du Rocher).
O artigo foi publicado no jornal La Croix, 05-02-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Quantas palavras desde o dia 7 de janeiro, debates, artigos... Palavras justas, palavras duras, busca sincera de compreender. Chega o momento de tomar distância, de subir a colina. E, se há uma multidão de colinas no nosso mundo de circulações reais e virtuais, muitas colinas na nossa França aberta ao mundo, escalar todas essas colinas para ver a partir do ponto de vista do outro corre o risco de demandar tempo, uma vida inteira, ou talvez até mais vidas.
Como aqueles peregrinos budistas que escalam incansavelmente a "montanha da alma", que partem jovens e vigorosos, e cujos membros se enfraquecem enquanto o seu coração se consolida. Mas nós temos pressa. Há urgência. A nossa alma é fraca e incerta. O nosso país está ferido, a nossa Europa vacila, e o planeta sangra.
Do fundo do vale da compreensão, ressoam as palavras daqueles que passaram uma vida longa e paciente reelaborando o sentido dessa diversidade que nos assusta. Elas podem nos fazer ganhar um pouco de tempo. Eles escalaram diversas montanhas e nos comunicam, além da morte, uma experiência vivida.
"Ainda não vivemos o suficiente ao lado deles", escrevia Christian de Chergé, prior de Tibhirine, assassinado por não ter abandonado o lugar da fraternidade. E ele dizia isso, ele que, com humildade e paciência, vivia no silêncio de um mosteiro cristão na Argélia, "em um oceano de Islã".
Ele contava apenas com aquilo que ele chamava de "cotovelo a cotovelo", o "lado a lado" de uma vida compartilhada com os vizinhos muçulmanos, sob o olhar do mesmo Deus, que os cristãos chamam de Amor, os muçulmanos, com 99 nomes, mas o primeiro dos quais é Misericórdia.
Ele não era um ingênuo. Era consciente da humilhação da colonização, ele que tinha sido mobilizado durante a guerra da Argélia e que, em vez de inimigos, tinha visto irmãos. Ele conhecia a história. Atravessava-a. Sabia a violência que ela gera. Aquilo que era sagrado não era a religião, era o irmão.
Portanto, diz-nos o monge Christian que nos precede na história, não vivemos o suficiente ao lado deles. "Ao lado deles" não significa "de lado", "perto". Perto das periferias, das favelas, longe. Isso nos evitou, por muito tempo, de viver "lado a lado", de degustar da alteridade que se constrói.
Chegamos a usar o termo apartheid no sentido de separação radical das populações. Mas isso não isenta que haja pessoas, e são muitas até, de todas as origens, que vivem a solidariedade do "cotovelo a cotovelo", misturam as suas lutas, as suas culturas, as suas músicas, as suas danças. Constroem a França generosa que não se esquece do seu lema exigente.
Eu também sinto as reivindicações feitas aos muçulmanos franceses para falarem, denunciarem a violência, para dizerem: "O Islã é outra coisa". Desse modo, não estamos lado a lado; ao contrário, apontamos o dedo contra, designamos, identificamos, muitas vezes a seu despeito, um outro, ordenando-lhe para vir "do nosso lado", do lado das Luzes, ele que estaria na escuridão ou simplesmente seria cúmplice da escuridão.
Sejamos honestos: somos uma multidão que se encontra na escuridão, buscando um raio de luz.
Entre todas essas palavras sábias, iluminadas, inteligentes que se expressam nestes primeiros dias dos primeiros tempos de uma nova era, em que os homens agora estão lado a lado em todo o mundo, é hora também de "falar lado a lado", de misturar as nossas inteligências, de dizer a mais vozes, de pensar a mais vozes. Esquecer o "eles e nós", "tentar dizer", diria Beckett, "tentar pensar", tentar ver em todas as coisas um "nós" em que o estrangeiro tome um lugar na nossa mesa de pensamento.
Deveríamos conseguir, cada um, pôr ao lado, muito perto de nós, como antigamente, quando crianças, o nosso anjo da guarda, pôr em nós um estrangeiro, para que nos preserve da suficiência, da ignorância. E que acabaria pensando conosco, pensando em uma língua mais rica, mais vasta, universal.
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O caminho "lado a lado" traçado em Tibhirine - Instituto Humanitas Unisinos - IHU