21 Janeiro 2015
A verdadeira cura de Jesus é a cura do medo, que vem das palavras de alguém que sentimos que nos ama, que é confiável. Apesar das desgraças que podem marcar a nossa existência. Precisamos de confiança, não de milagres.
A reflexão é do teólogo leigo italiano Christian Albini, coordenador do Centro de Espiritualidade da diocese de Crema, na Itália, e sócio-fundador da Associação Viandanti. O artigo foi publicado no seu blog Sperare per Tutti, 17-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Os milagres dividem: há quem os busque avidamente, para poder acreditar, e quem os rejeita em massa, julgando que a religião é toda superstição. São duas atitudes opostas. Ambas são pouco conscientes daquilo que o Evangelho diz a respeito. É preciso ouvir a Palavra com atenção e inteligência, para compreender o significado desses relatos.
Em Marcos, há uma seção dedicada a quatro milagres (cf. 4, 35-5, 43), que vem justamente depois daquela sobre as parábolas: a tempestade amansada (4, 35-41); o exorcismo do endemoninhado geraseno (5, 1-20); a ressurreição da filha de Jairo (5, 21-24.35-43); a cura da hemorroíssa (5, 25-34). Na verdade, são todos relatos de libertação: de uma ameaça que vem das forças da natureza, de um mal interior, de um mal do corpo e da morte.
Muitos caem em um erro frequente: pensar que o milagre é uma espécie de prova da fé. Se o milagre é verdadeiro, dizem, então se pode acreditar em Deus. Jesus nunca disse isso! O Evangelho nunca disse isso! O texto nos oferece a chave de leitura mais confiável. Essa seção de Marcos se abre e se encerra com dois ditos de Jesus que se remetem e que a enquadram, oferecendo a sua chave de leitura.
O primeiro é dirigida aos apóstolos.
Depois Jesus perguntou aos discípulos: "Por que vocês são tão medrosos? Vocês ainda não têm fé?" (4, 40).
O segundo dito é endereçado a Jairo, depois da notícia da morte de sua filha.
"Não tenha medo; apenas tenha fé!" (5, 36).
Para Jesus, a fé não nasce dos milagres; a fé vem antes, é mais importante. Tanto que à mulher com perda de sangue que toca o seu manto Ele diz: "Minha filha, sua fé curou você" (5, 34).
Primeiro vem a fé, depois a cura. O Evangelho diz isso, levantando outro grande problema: e todas as pessoas que rezam pela saúde de um ente querido e a veem morrer? Não é uma falsidade essa fé?
Diante dessa interrogação, com mais razão não devemos dar demasiada importância aos milagres. Jesus não curou todos os doentes do seu tempo. E todo aqueles que Ele curou, como a filha de Jairo, mais cedo ou mais tarde, na sua existência, tropeçaram de novo na doença e, por fim, na morte. Portanto, mesmo que estivéssemos certos de que todas as curas contadas pelos Evangelhos são autênticas, não seriam uma prova da fé, porque também poderiam ser dadas explicações naturais.
A fé faz outra coisa: a fé vence o medo. Notemos como as palavras de Jesus apontam para esse aspecto. O medo é a sombra que envenena a nossa vida: medo das doenças, da dor, da pobreza, da morte... A verdadeira cura de Jesus é a cura do medo, que vem das palavras de alguém que sentimos que nos ama, que é confiável.
Uma das experiências da infância é a da garantia que vem das palavras de um progenitor diante dos próprios medos. "Tenho medo do escuro." "Não tenha medo, eu estou aqui com você." É uma promessa que podemos acolher, se estivermos habitados pela confiança, pela percepção desse amor. Apesar das desgraças que podem marcar a nossa existência. Precisamos de confiança, não de milagres.
Pensemos nas palavras do Papa Francisco aos sobreviventes do tufão Yolanda nas Filipinas:
""Permitam-me esta confidência: quando eu vi essa catástrofe de Roma, eu senti que tinha que estar aqui. E, naqueles dias, eu decidi fazer a viagem aqui. Eu quis vir para estar com vocês. 'Um pouco tarde', vocês dirão, é verdade, mas estou! Estou para lhes dizer que Jesus é Senhor, Que Jesus não decepciona. 'Padre', um de vocês pode me dizer, 'Ele me decepcionou, porque perdi minha casa, perdi minha família, perdi o que eu tinha, estou doente...' É verdade isso o que você diz, e eu respeito esse sentimento. Mas eu olho para Ele ali, pregado na cruz, e de lá Ele não nos decepciona."
"Ele foi consagrado Senhor nesse trono – disse ainda o papa, apontando para a cruz – e ali passou por todas as calamidades que nós temos. Jesus é o Senhor, e é Senhor a partir da cruz, ali Ele reinou. Por isso, ele é capaz de nos entender... Em tudo Ele se fez igual a nós, por isso temos um Senhor que é capaz de chorar conosco, que é capaz de nos acompanhar nos momentos mais difíceis da vida. Muitos de vocês perderam tudo. Eu não sei o que lhes dizer. Ele, sim, sabe o que lhes dizer. Muitos de vocês perderam parte da família. Eu somente guardo o silêncio e os acompanho com o meu coração, em silêncio. Muitos de vocês se perguntaram, olhando para Cristo: 'Por quê, Senhor?' E a cada um o Senhor responde no coração a partir do Seu coração. Eu não tenho outras palavras para lhes dizer: olhemos para Cristo. Ele é o Senhor, e Ele nos compreende porque passou por todas as provas que nos atingem."
Eu não sei o que lhes dizer, admite o papa. A fé não é feita de fáceis respostas e consolações fácil, mas de confiança tenaz naquele Senhor que, na cruz, demonstrou o seu amor. A cruz é o verdadeiro sinal, não os milagres.
Como ler, então, esses relatos? Tentar demonstrar ou desmentir esses prodígios é uma batalha que de pouco serve. Cada um, no fim, mantém-se encastelado nas próprias convicções pessoais. Aqui não se trata de vencer ou de convencer em uma batalha. Ao contrário, trata-se de entender se esses textos têm algo de significativo para dizer à nossa vida.
Uma abordagem compartilhável é a do exegeta Élian Cuvillier, sobre a cura do endemoninhado de Gerasa (cfr. Evangelo secondo Marco, Ed. Qiqajon, p. 145-148), que não abre uma disputa entre fé e ciência, mas se situa em uma perspectiva dialógica.
O que é incontestável é que Jesus dedica às pessoas que estão no medo e no sofrimento atenção, afeto, palavras. Para Ele, não há oportunidades para exibir "poderes", são sujeitos que Ele encontra na sua humanidade e nas suas provas. Ele as retira do isolamento, está junto deles, demonstra o Seu amor. E assim a Sua palavra os "eleva" de novo, dá-lhes novamente confiança e esperança.
Depende de quem lê o fato de se convencer se se trata de um renascimento apenas interior ou mesmo de uma cura física, acreditar se realmente a palavra de Jesus tinha essa "força". O Evangelho nos deixa uma liberdade total. O fato é que, quando nasce em nós a esperança, nos desbloqueamos dos medos que nos habitam. É a possibilidade que o relato de Marcos oferece a todos, permitindo-nos ter acesso às palavras de Jesus.
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Precisamos de confiança, não de milagres. Artigo de Christian Albini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU