10 Junho 2015
"Se Jesus Cristo foi crucificado por defender trabalhadores explorados, pessoas miseráveis, prostitutas, leprosos e até mesmo quem não acreditava em suas palavras, certamente, se vivesse em nossos dias, estaria na luta pelos direitos civis LGBTs e na causa trans", escreve William Galvão, jornalista, em artigo publicado por VioMundo, 09-06-2015.
Eis o artigo.
Realizada no último domingo, 7 de julho, a 19ª edição da Parada do Orgulho LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros) de São Paulo, cercada de polêmicas, mostrou várias facetas dentro do próprio movimento.
Desde um grupo de evangélicos com cartazes como “Jesus cura a homofobia” e “Desculpem como a igreja trata vocês” até protestos mais extremos como o caso de uma travesti pregada na cruz, simbolizando o tratamento que recebem da sociedade. “Basta de Homofobia”, dizia o cartaz acima da imagem.
Viviany Beleboni, 26 anos de idade, desfila na Parada Gay: “Usei as marcas de Jesus, que foi humilhado, agredido e morto. Justamente o que tem acontecido com muita gente no meio [LGBT], mas com isso ninguém se choca.”
Enquanto a empatia do grupo evangélico presente emocionou quem compareceu à Avenida Paulista, muitos (incluindo LGBTs) olharam com maus olhos a crucificação da travesti.
Nas redes sociais, o de sempre: a turma ultraconservadora de Marco Feliciano e companhia – que vem denegrindo a imagem dos evangélicos brasileiros diante do mundo – vociferam na tentativa de distorcer a legitimidade do protesto acusando os envolvidos de “cristofobia”, seja lá o que se entenda disso.
No momento delicado pelo qual passa o Brasil, onde a onda conservadora tem ganhado cada vez mais força, respostas e reações à altura já deveriam ser esperadas.
O maior exemplo da guinada direitista no país veio com resultado das urnas do ano passado, com um aumento significativo das bancadas de militares, fundamentalistas religiosos e ruralistas.
Temos, em 2015, o Congresso mais conservador da história desde 1964, fenômeno que faz com que projetos importantes nos avanços dos direitos humanos sejam barrados com facilidade.
A união homoafetiva, por exemplo, só é possível por conta de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça de 2013, que obriga os cartórios de todo o país a oficializar as uniões.
A medida é um avanço, mas ainda não é possível que casais gays tenham os mesmos direitos civis que casais heterossexuais como partilhar bens de herança, receber pensão por morte do companheiro, compartilhar plano de saúde, declaração conjunta de Imposto de Renda, sem contar na adoção.
Outro projeto estacionado no Legislativo brasileiro é o que criminaliza a homofobia (PL 122), há oito anos parado.
Criminalizar a homofobia é urgente, vistos os dados alarmantes que temos de agressões e assassinados motivados por ódio contra os LGBTs.
O cenário fica ainda mais nebuloso quando o assunto é focado na população trans. De acordo com a ONG internacional Transgender Europe, o Brasil é o país onde mais ocorrem assassinatos de travestis e transexuais em todo o mundo.
Entre janeiro de 2008 e abril de 2013, por exemplo, foram 486 mortes, número quatro vezes maior que o segundo colocado, o México. O número é baseado em casos reportados, o que indica que deve ser ainda maior. No Brasil, não temos sequer órgãos governamentais que calculem essa estatística.
O que ilustra ainda melhor esse contexto é o recente caso da travesti Verônica Bolina, de 25 anos, acusada de tentativa de homicídio, que ganhou repercussão após ter sido torturada dentro do 2º DP do Bom Retiro, em São Paulo.
Ela teve fotos divulgadas na internet onde aparecia com o rosto desfigurado, os seios à mostra, mãos e pés algemados. Apesar de o caso estar sendo investigado, o despreparo dos policiais militares atrelado ao ódio de gênero mostra uma grande fissura na sociedade.
Ainda que Bolina seja suspeita, deveria ser punida de acordo com a lei democrática brasileira, não aos moldes da ditadura.
Diante desse cenário, estranhar a analogia da travesti crucificada não deveria chocar, nem mesmo os mais religiosos.
Deveríamos, sim, nos chocar com o a crucificação diária que a população trans sofre a cada esquina.
Se Jesus Cristo foi crucificado por defender trabalhadores explorados, pessoas miseráveis, prostitutas, leprosos e até mesmo quem não acreditava em suas palavras, certamente, se vivesse em nossos dias, estaria na luta pelos direitos civis LGBTs e na causa trans.
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Se vivesse em nossos dias, Jesus defenderia a causa trans - Instituto Humanitas Unisinos - IHU