24 Março 2015
Embora formalmente mantenha o título de purpurado, o arcebispo escocês Keith O'Brien, que acaba de perder os direitos e as prerrogativas cardinalícias (participação no conclave e nos consistórios), continua detendo uma pura honorificência, esvaziada de todo significado.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 23-03-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Portanto, o seu caso pode ser, de algum modo, associado com o de outros 23 cardeais que, a partir do século XV, perderam a púrpura. A lista dos cardeais legítimos e ilegítimos que, a partir de 1440, perderam, por diversos motivos, os seus direitos e prerrogativas foi publicado pelo site Il Sismografo e se baseia na documentação fornecida por Salvador Miranda.
Os pseudocardeais, o frei e Valentino
A lista começa com quatro nomes do século XV: Johann Grünwalder, Otão de Moncada y de Luna; Wincenty Kotz Dębna e Bartolomeo Vitelleschi.
São considerados "pseudocardeais", já que todos foram elevados à púrpura entre 1440 e 1449 pelo antipapa Feliz V.
De um tipo totalmente diferente é o caso de Ardicino della Porta, o jovem, criado cardeal em março de 1489. Três anos depois, com a permissão do papa, retirou-se para viver em solidão, em um convento dos camaldulenses. Foi chamado novamente a Roma para assistir do conclave que elegeu Rodrigo Borgia, o Papa Alexandre VI. Logo depois, adoeceu e morreu.
Fecha a lista desse século um dos filhos ilegítimos do Papa Borgia, Cesare. O pai, Alexandre VI, nomeou-o bispo e arcebispo e, depois, cardeal, em 1493. Cinco anos depois, ele pediu e obteve do pai a dispensa da vida eclesiástica e depôs a púrpura cardinalícia.
"Encargo elevado demais para mim"
Ferdinando de Médici, quinto filho homem do Grão-Duque Cosimo I, tornou-se cardeal em 1563, com apenas 14 anos, e manteve o ofício mesmo depois de se tornar grão-duque, mas teve que abandoná-lo para se casar com Cristina de Lorena em 1589.
E, 1577, foi elevado à púrpura aos 18 anos Abrecht von Austria, filho do imperador Maximiliano II. Nunca quis ser ordenado padre ou bispo, e o estado clerical não teve nenhuma influência no seu estilo de vida.
Completamente diferente foi a história de Fernando de Toledo Oropesa, criado cardeal a pedido do Rei Filipe II pelo Papa Gregório XIII no consistório de 21 de fevereiro de 1578. Toledo rejeitou a nomeação, considerando a dignidade cardinalícia "elevada demais para ele". O papa aceitou as suas reivindicações. Morreu em 1590, enquanto proferia uma pregação.
Renúncias matrimoniais
No século XVII, a lista se abre com Maurício de Savoia, que chegou ainda criança à carreira eclesiástica, tornou-se cardeal aos 15 anos em 1607 e, assim, bispo de Vercelli. Participou do conclave de 1623 que elegeu o Papa Urbano VIII e depôs a púrpura em 1642 para se casar com Ludovica de Saboia.
Um purpurado bastante jovem também foi Ferdinando Gonzaga: ele também criado cardeal em 1607, aos 20 anos. Amante do luxo e da pompa, renunciou à púrpura em 1616, para assumir a liderança do ducado de Mântua.
Camillo Francesco Maria Pamphili, sobrinho de Inocêncio X, foi criado pelo tio no consistório de 14 de novembro de 1644. Deixou o cardinalato em 1647, para se casar com Olimpia Aldobrandini, princesa de Rossano, viúva do príncipe Paolo Borghese.
Enquanto Jan Kazimierz Waza, segundo filho de Sigismund III Vasa, que entrou na Companhia de Jesus depois de lutar na Guerra dos Trinta Anos, tornou-se cardeal por vontade de Inocêncio X, mas obteve a dispensa para assumir o trono da Polônia e se casar com a viúva do Rei Ladislau IV Vasa em 1648.
Depois, há Francisco Maria de Médici, nomeado cardeal em 1686. Em 1709, quando já se encontrava em péssimas condições físicas por causa dos excessos de todos os tipos aos quais se dedicava, obteve a dispensa papal do cardinalato para se casar, contra a sua vontade, com a jovem princesa Eleonora Luisa Gonzaga.
Fecha o século Rinaldo d'Este, também ele criado em 1686 pelo Papa Inocêncio XI. Participou do conclave que elegeu Alexandre VIII em 1689 e do posterior, em 1691, que elegeu Inocêncio XII. Em 1695, pediu para renunciar à púrpura para suceder ao trono de família e preservar a linhagem d'Este no trono de Modena.
Decisões meditadas e restrições
O primeiro a renunciar no século XVIII foi Gabriele Filippucci, criado cardeal em 1706 por Clemente XI, apesar do desejo contrário do nomeado. Apresentou imediatamente uma renúncia formal, e, pouco depois, o papa a acolheu. Morreu naquele mesmo ano.
Uma cardeal-criança foi Luis Antonio Jaime de Borbón y Farnesio. Clemente XII o criou em dezembro de 1735, quando ele tinha apenas oito anos de idade. Não participou, quando tinha 13 anos, do conclave de 1740 que elegeu Bento XIV. Aos 27 anos, em dezembro de 1754, consciente da falta de vocação religiosa e do seu comportamento libertino, renunciou à púrpura, obtendo, como compensação, uma pensão anual proveniente das rendas da arquidiocese de Toledo.
Muito mais dramática foi a história de Vincenzo Maria Altieri, cardeal desde 1777, protodiácono e camerlengo desde janeiro de 1798. Naquele ano, Roma foi ocupada pelas tropas napoleônicas que instauraram a República Romana. Pio VI foi deportado para a França como prisioneiro e, naquele mesmo período, Altieri adoeceu gravemente. Foi mantido como prisioneiro no antigo mosteiro das convertidas e, no momento da sua deportação, foi forçado a renunciar à púrpura. O papa aceitou a renúncia contra a sua vontade. Altieri tentou se retratar da sua posição depois que Roma voltou para as mãos do papa, mas morreu pouco depois. O papa estabeleceu que lhe fosse dada sepultura como cardeal.
Um destino semelhante coube a Tommaso Antici, criado cardeal em 1789, que renunciou durante a República Romana napoleônica, oficialmente, por doença e velhice. Morreria em Recanati, em 1812.
Por fim, o último purpurado a renunciar no século XVIII, foi o francês Étienne-Charles de Loménie de Brienne, cardeal desde dezembro de 1788. Nunca recebeu o barrete e o título cardinalício, porque decidiu entrar para a política ativa, tornando-se presidente da assembleia dos notáveis. Aceitou a Constituição Civil do Clero de 30 de janeiro de 1791 e foi nomeado pelo governo francês como bispo de Yonne. Depois de receber um aviso oficial por parte de Pio VI, decidiu renunciar ao cardinalato e, em 1793, renunciou à fé católica.
"Deponho a púrpura para me tornar jesuíta"
Há dois casos no século XIX. Marino Carafa di Belvedere, criado cardeal por Pio VII, em 1801, seis anos depois, renunciou à púrpura para dar uma descendência à sua nobre família.
Enquanto Carlo Odescalchi, cardeal desde março de 1823 e arcebispo de Ferrara, que participou de três conclaves que elegeram Leão XII, Pio VIII e Gregório XVI, em outubro de 1837, renunciou a todos os cargos – naquele momento, ele era vigário de Roma –, para se tornar jesuíta. No dia 2 de janeiro de 1840, emitiu a profissão religiosa, entrando na Companhia, e foi pregador no norte da Itália. Morreu no ano seguinte, em odor de santidade.
O único caso do século XX é o do purpurado jesuíta francês Louis Billot, cardeal desde 1911, teólogo dogmático neotomista. Teve que renunciar à púrpura em 1927, por causa das suas atividades em prol da Action Française de Charles Maurras, condenada em 1926 pelo Papa Pio XI.
O caso do escocês O'Brien é o primeiro do século XXI, mesmo que com uma fórmula inédita e sem precedentes: ele não renuncia ao título, mas aos seus direitos e às suas prerrogativas.
Foto: Reuters
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Os outros O'Brien: a história dos ex-cardeais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU