Por: Jonas | 26 Janeiro 2015
“A fortaleza da Revolução Cubana não radica em sua economia, mas, sim, em sua cultura e sua política. Claro que o bloqueio foi uma espada de dois gumes e que, para completar, não produz os resultados esperados, como Obama e Kerry reconheceram. E isto foi assim porque ao tentar asfixiar Cuba atiçou as contradições, tanto no interior dos Estados Unidos como entre este e seus aliados europeus, e em especial na América Latina e o Caribe”, escreve o sociólogo e cientista político Atilio A. Boron, em artigo publicado por Página/12, 22-01-2015. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Ontem, começaram as conversas para normalizar as relações diplomáticas entre os Estados Unidos e Cuba, consequência do anúncio conjunto, realizado no dia 17 de dezembro passado. Espera-se que no dia de hoje Roberta Jacobson, subsecretária de Estado para o Hemisfério Ocidental, seja incorporada à reunião. Se ontem o eixo das negociações se deteve no tema migratório, a partir de hoje e até amanhã, sexta-feira, a agenda se ampliará consideravelmente aos efeitos de existir uma nutrida lista de assuntos pendentes.
O início destas conversas será apenas o primeiro passo de um longo trajeto, repleto de minúcias. Em Cuba e fora dela, a quem sustente que a retomada das relações diplomáticas colocará em risco a continuidade da Revolução ao abrir a ilha para os esmagadores influxos econômicos, políticos e ideológicos do império. No entanto, erram. Primeiro, porque estes já se fazem sentir e sob suas formas mais perversas. Ou o bloqueio não exerce uma influência crucial na economia cubana? A condição insular de Cuba, por outro lado, não a coloca a salvo das nefastas influências das correntes políticas e ideológicas prevalecentes no país do Norte ou na Europa. E erram também porque se há algo que pode prejudicar irreparavelmente a Revolução Cubana é a prolongação indefinida do bloqueio, sobretudo, levando-se em conta a inevitável mudança geracional que logo terá que realizar. A fortaleza da Revolução Cubana não radica em sua economia, mas, sim, em sua cultura e sua política. Claro que o bloqueio foi uma espada de dois gumes e que, para completar, não produz os resultados esperados, como Obama e Kerry reconheceram. E isto foi assim porque ao tentar asfixiar Cuba atiçou as contradições, tanto no interior dos Estados Unidos como entre este e seus aliados europeus, e em especial na América Latina e o Caribe. Talvez tenha sido obra da “astúcia da razão” invocada por Hegel, mas a verdade é que se o bloqueio foi concebido como uma forma de isolar Cuba, os que terminaram isolados foram os Estados Unidos, e quem teve que aceitar se sentar à mesa de negociações foi Washington, apesar de ter rejeitado esse convite durante meio século. Não é um dado menor que as pesquisas de opinião pública nos Estados Unidos confirmem que dois em cada três norte-americanos são a favor da suspensão do bloqueio e da normalização das relações com a ilha rebelde.
A iminente abertura das embaixadas nos dois países será o primeiro passo para colocar fim ao bloqueio. Seria mundialmente ridículo se os Estados Unidos estabelecessem relações diplomáticas com um país, o que supõe se sujeitar ao estipulado pela Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas em um marco de igualdade jurídica e respeito pela soberania das partes e, ao mesmo tempo, mantivessem uma agressiva política destinada a derrubar o governo com quem está negociando a normalização de suas relações. A agenda inclui numerosos itens muito litigiosos: desde a eliminação de Cuba da lista de países que patrocinam o terrorismo até a derrogação da absurda legislação estadunidense que consagra duas políticas migratórias: uma de estímulo e portas abertas para os cubanos e outra desumana e restritiva – como comprovam as crianças centro-americanas e mexicanas – para o resto do mundo. Os Estados Unidos, por sua vez, segundo o muito reacionário senador republicano Marco Rubio, deveriam incluir na discussão a compensação pelas propriedades ou empresas dos Estados Unidos nacionalizadas nos primeiros anos da Revolução. Se tal fato chegasse a ocorrer, Cuba poderia replicar exigindo uma compensação infinitamente maior como reparação por meio século de ataques, agressões, destruição de propriedades, perda de vidas humanas, pela invasão da Praia Girón e, antes, pela usurpação do território de Guantánamo, que deveria ser reintegrado à soberania cubana. De qualquer modo, como se pode ver desta muito resumida enumeração, a agenda prometer ser muito controversa.
Contudo, Washington tem mais urgência do que Havana em avançar por este caminho. Em sua audiência de confirmação diante do Comitê de Relações Exteriores do Senado dos Estados Unidos, Jacobson disse algo muito significativo, que poucos souberam interpretar: “Além das funções consulares e outras, uma embaixada também pode manter uma observação próxima sobre os regimes acusados de medidas severas contra os direitos humanos”. Jacobson expressou subliminarmente a grave preocupação da “comunidade de Inteligência” ianque e do Pentágono por não contar com um adequado posto de observação na maior das Antilhas, com projeção sobre todo o Mar Caribe, em momentos em que aqueles que nos documentos oficiais da CIA, a NSA e o Pentágono aparecem como os maiores inimigos a conter e eventualmente derrotar, China e Rússia, acrescentaram significativamente sua presença em Cuba e em outros países do caribe. E nada melhor do que uma embaixada para desempenhar essas “outras” funções mencionadas por Jacobson. Uma oportuna coincidência sublinha a importância desta dimensão, oculta sob o discurso da normalização diplomática e migratória: anteontem atracava no porto de Havana o Viktor Leonov, um navio de Inteligência da marinha de guerra da Rússia. Como dizia Martí, em política o mais importante é o que não se vê, ou não se fala.
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Estados Unidos e Cuba: um denso diálogo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU