29 Junho 2017
O convidado mais esperado, o novo cardeal Jean Zerbo, de Mali, vai logo embora, antes de ser cercado pelas câmeras e pelos blocos de anotações. Mas, no calor da tarde romana, a multidão se dilui logo também ao redor dos outros quatro purpurados criados nessa quarta-feira, 28, pelo papa em São Pedro.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada no sítio Vatican Insider, 28-06-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Consistório incomum, com apenas cinco novas púrpuras, seguido por visitas de cortesia igualmente incomuns, aquelas que antigamente eram chamadas de “visitas de calor”: entre os novos cardeais, não há nenhum italiano e nenhum curial, e os fiéis, os sacerdotes e os simples curiosos que atravessam a entrada vaticana do Petriano para prestar homenagem aos cinco cardeais de quatro continentes são poucos em comparação com os anos anteriores.
No pátio da Sala Paulo VI, onde se acomodam, prevalece, em comparação com uma época não muito distante, em que o evento ocorria também nos salões afrescados do Palácio Apostólico, um clima familiar, do qual emergem as diferenças de cor, de vozes, de culturas dos bispos escolhidos pelo Papa Francisco para integrar o Colégio Cardinalício que, um dia, escolherá o seu sucessor.
O arcebispo de Bamako chega logo e vai embora logo a bordo de um carro azul com vidros escuros. Os novos purpurados, depois do consistório, foram com o papa a saudar Bento XVI, que os acolheu com poucas palavras e grande cordialidade. Para quem teve tempo de cumprimentar Jean Zerbo, o purpurado fala de emoção pela cerimônia em São Pedro e diz que “há a necessidade de oração”, porque “há tanta violência e falta de fraternidade não só na África, mas também em todo o mundo”. Ele concede uma entrevista, sim, mas à televisão do seu país. Onde o barrete cardinalício foi saudado como uma enorme honra.
Com ele, foram a Roma, para o evento dessa quarta-feira, o ministro do Exterior do país, o ministro do Culto, e estavam presentes o embaixador junto à Santa Sé, residente em Paris, e o embaixador junto ao Quirinal. Nos últimos meses, na imprensa francesa, surgiu uma história de enormes contas bancárias na Suíça. A Conferência Episcopal de Mali rejeitou as acusações e reivindicou a transparência financeira.
Mas, ao redor do purpurado, ainda se respira alguma desconfiança em relação às perguntas dos jornalistas. “Se você vir o modo como ele vive, entenderá que ele não tem dinheiro. Não é possível viver naquela pobreza e ter dinheiro no banco”, comenta Gabriele Avanzi, da ONG lombarda de voluntários Mali-Gavardo.
O cardeal já está longe. Na sua comitiva, alguém confidencia que Zerbo ficou muito mal com os rumores infundados sobre o dinheiro na Suíça a ponto de ficar doente e de ser levado para Paris, para ser tratado e chegar a Roma apenas por último – daí a incerteza da sua presença –, mas ainda se recuperando. Ele não proferiu o discurso introdutório no consistório, apesar de ser o primeiro da lista dos novos cardeais. No dia 15 de julho, no entanto, em Bamako, haverá uma grande festa pela sua púrpura.
Para o cardeal Louis-Marie Ling Mangkhanekhoun, vigário apostólico de Pakse, em Laos, no entanto, não é provável uma festa na volta para casa. País complexo, governo comunista, os católicos são minoria. O purpurado sorri, cumprimenta amável, mas fala pouco. E, 45 minutos depois que os portões se abriram para as visitas de cortesia, às 18h, ele se senta à margem, um pouco cansado do calor.
A poucos metros, o arcebispo de Barcelona, Juan José Omella, continua apertando as mãos, abraçando, abençoando. Para ele, há o grupo de fiéis mais numeroso, é preciso fazer fila para cumprimentá-lo. “A Igreja deve ser samaritana como Paulo VI”, explica, ecoando o discurso que proferiu, no lugar do cardeal de Mali, no consistório. “É preciso dar a alegria do Evangelho, como nos diz o Papa Francisco.” Em torno dele, amontoam-se padres e freiras, fiéis e curiosos, elevam-se coros, aplausos, vozes festivas.
Mais ordenados são os fiéis que cumprimentam Anders Arborelius, o arcebispo de Estocolmo. Da Suécia, chegaram cerca de 450 pessoas, nenhum expoente do governo. Há a bispa luterana Antje Jackelén, que acolhera o papa em Lund pelos 500 anos da Reforma Protestante. Ele tira uma foto com o diretor da revista La Civiltà Cattolica, Antonio Spadaro, mas há também expoentes ortodoxos e evangélicos do Conselho Cristão Sueco, convidados pessoalmente pelo novo cardeal, uma forte sensibilidade ecumênica.
Os católicos suecos são uma minoria de 2-3%, mas estão em crescimento graças à chegada de imigrantes sírios ou iraquianos. E a curiosidade pela Igreja Católica também cresce, ainda mais no sul do país, depois da viagem de Jorge Mario Bergoglio: aumentam as pessoas na missa, crescem os curiosos do catolicismo.
Na fila do novo purpurado, despontam muitas cabeças loiras. Arborelius cumprimenta com cordialidade. Quando o papa anunciou a sua nomeação, ele estava em uma paróquia fazendo as crismas. Um sacerdote que o acompanhava olhava para o iPhone – o bispo nunca atende o celular – e viu a notícia: “O senhor vai ser cardeal!” Ele não acreditou, pensou que fosse uma piada.
Entre os novos purpurados, passam o cardeal Tarcisio Bertone, o estadunidense Sean O’Malley, o húngaro Peter Erdo. O fundador da Comunidade de Santo Egídio, Andrea Riccardi, é acompanhado por Dom Vincenzo Paglia. A embaixadora inglesa junto à Santa Sé, Sally Jane Axworthy vai disciplinadamente fazer fila para cumprimentar os novos purpurados. Há o comandante dos gendarmes, Domenico Giani.
O cardeal venezuelano Baltazar Porras abraça o novo cardeal Gregorio Rosa Chávez, bispo auxiliar de San Salvador. Ele também, como os neopurpurados da Suécia, Laos e Mali, é o primeiro cardeal do país. O seu nome está ligado duplamente ao arcebispo mártir Oscar Arnulfo Romero, beatificado por impulso de Jorge Mario Bergoglio, do qual foi fiel colaborador. A ele, é dedicada uma pequena imagem que o novo cardeal distribui por ocasião do consistório. Na parte de trás, uma citação dele: “A palavra fica, e este é o grande consolo de quem prega. Minha voz desaparecerá, mas minha palavra, que é Cristo, ficará nos corações que a quiseram acolher”.
A partir de hoje, o Colégio Cardinalício conta com 220 cardeais. No fim de abril passado, quando o cardeal Sistach completou 80 anos, os cardeais eleitores caíram para 116. Os cardeais eleitores tornam-se 121 (eram 115 tanto no conclave de 2013, que elegeu Jorge Mario Bergoglio quanto no de 2005, que elegeu Joseph Ratzinger). Limitando o cálculo aos purpurados eleitores, os europeus sobem para 53 de 121, os asiáticos para 15, os africanos para 15, os latino-americanos para 17. Os cardeais italianos que entrariam em um eventual conclave hoje seriam 24; em um ano, por causa do limiar dos 80 anos de cinco púrpuras italianas, cairão para 19.
Em termos percentuais, desde 2005, a Europa passou de 50,4% para 43,8% do Colégio Cardinalício; a América Latina, de 16,5% para 14,05%; a África, de 9,6% para 12,4%; a Ásia, de 9,6% para 12,4%. A América do Norte está agora com 14,04% (estava com 12,2% em 2013); a Oceania, com 3,3% (1,7%). A Itália, nesses anos de Bergoglio, passou de 17,4% para 19,8%.
Porcentagens que, pelo menos em parte, aproximam a composição do Colégio Cardinalício à geografia do povo católico, que, notoriamente, é majoritário na América Latina, cresce na Ásia e na África, diminui nos Estados Unidos e na Europa. Em cinco anos, de acordo com o último Annuarium Statisticum Ecclesiae, publicado em março pelo Vaticano, relativo a 2015, enquanto na África registra-se um aumento de 19,4% dos fiéis, em que o número de católicos passou, no mesmo período, de 186 milhões para 222 milhões, na Europa, em vez disso, manifesta-se uma situação de estabilidade (em 2015, os católicos somam quase 286 milhões, aumentando pouco mais de 800 mil em comparação a 2010, sendo 1,3 milhão a menos do que em 2014).
Situações intermediárias entre as duas descritas acima são as registradas na América e na Ásia, onde o crescimento dos católicos certamente é importante (respectivamente, +6,7% e +9,1%), mas totalmente em linha com o desenvolvimento demográfico desses dois continentes.
A partir de hoje, 19 cardeais eleitores foram criados por João Paulo II, 53 por Bento XVI, e 49 por Francisco (o último cardeal criado por Paulo VI junto com Joseph Ratzinger, o brasileiro Paulo Evaristo Arns, morreu em dezembro passado).
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Festa familiar no Vaticano para os novos cardeais de quatro continentes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU