01 Julho 2016
Desemprego é um dos principais sintomas da atual crise econômica no Brasil. "Mas o retrocesso ainda não é tão dramático", constata o pesquisador.
Foto: Correio 24 horas |
Segundo Hoffmann, na entrevista concedida por e-mail, as informações da PNAD contínua “para o 1º trimestre de 2016 mostram que a taxa de desemprego geral é de 10,9%”, e os jovens e as mulheres são, por enquanto, os mais atingidos. Entre as principais consequências desse fenômeno, frisa, está o aumento da pobreza no país: atualmente “a proporção de pessoas economicamente ativas com rendimento real igual ou menor do que R$ 600 aumentou de 20,0% no 1º trimestre de 2015 para 24,3% no 1º trimestre de 2016”, informa.
Apesar de a situação ser preocupante, Rodolfo Hoffmann assinala que o “retrocesso” em relação às conquistas dos últimos anos “ainda não é tão dramático” porque, “conforme dados da PNAD contínua”, apesar de entre o 1º trimestre de 2012 e o primeiro trimestre de 2016 ter havido uma “ligeira redução dos rendimentos reais médio e mediano da população economicamente ativa, (...) o índice de Gini é praticamente o mesmo nos dois trimestres (0,55)”.
Rodolfo Hoffmann é graduado em Agronomia, mestre em Ciências Sociais Rurais e doutor em Economia Agrária. É professor da Universidade de São Paulo – USP.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como o senhor está analisando o crescente quadro de desemprego no país? Quais são as consequências gerais desse cenário?
Foto: jcnet.com.br
Rodolfo Hoffmann - Os dados trimestrais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD contínua mostram que o comportamento da taxa de desemprego em 2015 foi completamente diferente do observado nos três anos anteriores. Em 2012, 2013 e 2014 a taxa foi sempre mais alta no 1o trimestre, caindo até o 4o trimestre, no qual o desemprego era menor graças ao aquecimento da economia associado ao pagamento do 13o salário e às festas de fim de ano. Nesses três anos a taxa de desemprego trimestral oscilou entre 6% e 8%. No 1o trimestre de 2015, em lugar de decrescer, ela subiu continuamente, atingindo 8,9% no 4o trimestre de 2015 e 10,9% no 1o trimestre de 2016. Conforme dados do IBGE, no trimestre de fevereiro a abril de 2016 a taxa de desocupação foi de 11,2%.
O desemprego é um dos principais sintomas da atual crise econômica no Brasil. O trabalho é a base da criação da riqueza nacional. O desemprego é o desperdício dessa fonte. Deixa-se de produzir riqueza e a família do desempregado é particularmente afetada, empobrecendo. Se a pessoa demitida consegue se inserir em outra ocupação, geralmente o rendimento é mais baixo. E há, ainda, os efeitos psicológicos perversos do ócio forçado.
IHU On-Line - É possível saber qual é o perfil geral dos trabalhadores que estão perdendo o emprego? O desemprego está aumentando em todos os setores e atingindo brasileiros de todas as classes ou não?
Rodolfo Hoffmann - É claro que a crise afeta de maneira diferente as várias categorias de pessoas. Como a principal manifestação da crise atual no Brasil é o desemprego, os funcionários públicos, com estabilidade no emprego, estão em posição privilegiada. Os que recebem aposentadorias e pensões do governo também têm rendimentos estáveis, pelo menos enquanto o sistema nacional de previdência não entrar em colapso, como preveem economistas competentes, se não for feita uma reforma substancial do sistema.
Com a redução da demanda, as empresas são obrigadas a reduzir o nível de atividade. A tendência é demitir prioritariamente os empregados menos experientes (mais jovens) e com menor qualificação, porque eles poderão ser mais facilmente substituídos quando a economia voltar a crescer. Um empregado com experiência e conhecimentos específicos para o funcionamento da empresa tende a ser preservado, pois será difícil encontrar outro igualmente competente. Por outro lado, é óbvio que a redução dos custos da empresa será maior demitindo um empregado com salário elevado. Até executivos podem ser demitidos.
Os dados da PNAD contínua para o 1o trimestre de 2016 mostram que a taxa de desemprego geral é de 10,9%. A tabela a seguir mostra como essa taxa varia conforme as faixas de idade da população economicamente ativa - PEA:
Tabela enviada pelo entrevistado
É notório que os jovens são mais atingidos. Observa-se que a taxa de desemprego cai com a idade.
A Tabela a seguir mostra como a taxa de desemprego varia em função do curso mais elevado que a pessoa frequentou anteriormente. Observa-se que, inicialmente, a taxa de desemprego cresce, atingindo 12,8% para aqueles cujo curso mais elevado frequentado foi o regular do ensino médio ou do segundo grau. Note-se que essa categoria representa quase 35% da PEA. Depois a taxa de desemprego cai com o aumento da escolaridade.
Tabela enviada pelo entrevistado
Ressalte-se que o fato de ter atingido o ensino superior, por exemplo, não significa que a pessoa tenha completado o curso. Note-se, também, que as categorias consideradas nessa tabela não são exaustivas.
Os dados mostram que a taxa de desemprego é maior para as mulheres (12,7%) do que para os homens (9,4%).
IHU On-Line - Já é possível fazer um balanço de qual tem sido o impacto do desemprego no aumento das desigualdades e na distribuição de renda no país? Desde que momento as desigualdades passaram a aumentar no país novamente?
Rodolfo Hoffmann - A população economicamente ativa inclui tanto as pessoas ocupadas como os desempregados, definidos como pessoas que estão tomando providências para encontrar uma ocupação. Como o rendimento do trabalho de um desempregado é nulo, quando se analisa a distribuição do rendimento do trabalho entre pessoas economicamente ativas, o grau de desigualdade cresce com a taxa de desemprego. Entre o 4o trimestre de 2014 e o 1o trimestre de 2016, a taxa de desemprego cresceu sistematicamente de 6,4% para 10,9% e o índice de Gini da distribuição da renda do trabalho na PEA acompanhou esse movimento, subindo de 0,529 para 0,550.
Tomando o cuidado de comparar trimestres correspondentes, para evitar a influência da oscilação estacional da atividade econômica, verifica-se que entre o 1o trimestre de 2015 e o 1o trimestre de 2016 a taxa de desemprego sobe de 7,9% para 10,9%, o índice de Gini sobe de 0,534 para 0,550, o rendimento médio real cai de R$ 1.876 para R$ 1.751 e o rendimento mediano cai de R$ 1.108 para R$ 1.000. Os valores monetários são expressos em reais do 1o trimestre de 2016, usando como deflator a média geométrica dos valores do INPC nos três meses de cada trimestre.
Aumenta a pobreza. A proporção de pessoas economicamente ativas com rendimento real igual ou menor do que R$ 600 aumenta de 20,0% no 1o trimestre de 2015 para 24,3% no 1o trimestre de 2016.
A renda domiciliar per capita - RDPC é um indicador melhor do nível de vida de uma pessoa do que seu rendimento individual. Infelizmente os dados disponíveis da PNAD contínua ainda não permitem calcular a RDPC.
Dados da PNAD anual mostram que ocorreu substancial redução da desigualdade de 1995 a 2014, para a distribuição da RDPC e também para a distribuição do rendimento na PEA. Os dados da PNAD contínua indicam que a inversão do sentido da variação da desigualdade na PEA ocorreu em 2014. Como a RDPC têm componentes, como as aposentadorias e pensões e as transferências do programa Bolsa Família, que são mais estáveis do que o rendimento do trabalho nessa fase da crise econômica, é provável que o crescimento da desigualdade da RDPC seja menos intenso do que o observado na PEA.
"É um erro pensar que o ajuste fiscal exige a redução dos programas sociais importantes para reduzir a pobreza e a desigualdade" |
IHU On-Line - Fazendo uma análise do atual cenário brasileiro e, ao mesmo tempo, uma retrospectiva das políticas públicas, sociais e econômicas adotadas no país, a que conclusões o senhor chega? O que aconteceu no país dado que muitos avaliavam que havia avanços, mas parece que agora estamos nos encaminhando para um retrocesso?
Rodolfo Hoffmann - Consideremos o que ocorreu desde o Plano Real. Este foi importante, já que uma moeda nacional razoavelmente estável é condição fundamental para o bom funcionamento da economia. Programas focalizados que contribuíram para reduzir a pobreza e a desigualdade foram criados ainda na década de 90 e foram depois audaciosamente expandidos nos governos petistas. Conforme os dados da PNAD, a redução da pobreza foi intensa a partir de 2004, graças à combinação de redução da desigualdade com crescimento da renda. A maior parte da redução da desigualdade está associada com alterações na distribuição da renda do trabalho relacionadas com mudanças na escolaridade e com o crescimento do valor real do salário mínimo a partir de 1996.
A insegurança decorrente da desorganização das contas públicas, que atingiu níveis alarmantes no governo de Dilma Rousseff, é apontada como a causa básica da atual crise econômica que, como já vimos, implica em retrocesso no que se refere ao nível de renda, pobreza e crescimento da desigualdade.
IHU On-Line - Já é possível avaliar quais são os riscos de o Brasil voltar a ter aumento da pobreza, especialmente por conta da renda, dado o atual cenário, inclusive revertendo os resultados alcançados até então?
Rodolfo Hoffmann - Já não se trata apenas de “riscos”. Aumento do desemprego, redução da renda média, aumento da pobreza e da desigualdade já são fatos observados. Mas não se trata de retrocesso que anule os ganhos e as conquistas obtidas desde 1995. O retrocesso ainda não é tão dramático. Conforme dados da PNAD contínua, entre o 1o trimestre de 2012 e o 1º trimestre de 2016 houve ligeira redução dos rendimentos reais médio e mediano da PEA, e o índice de Gini é praticamente o mesmo nos dois trimestres (0,55).
IHU On-Line - Há possibilidade de adotar alguma medida para reverter esse quadro de desempregos neste momento? O que poderia ser feito?
Rodolfo Hoffmann - A revolução Keynesiana dentro da corrente de pensamento econômico dominante estabeleceu que o governo tem papel fundamental para tirar uma economia capitalista de um processo recessivo. Também foi Keynes que ressaltou a importância da fé dos empresários no futuro para que cresçam os investimentos que promovem o crescimento. Como a desorganização das contas públicas foi o que desencadeou a atual crise econômica no Brasil, o país se encontra em posição particularmente difícil para a aplicação dos remédios Keynesianos.
É um absurdo pensar que o governo pode simplesmente gastar mais para aquecer a economia, pois isso aumenta ainda mais o déficit das contas públicas, leva a prever seu colapso no futuro e inibe ainda mais o crescimento econômico. O atual governo empossou uma equipe econômica competente que conhece os caminhos para reverter a crise a médio prazo. A complicação adicional é a dificuldade política de implementar as medidas necessárias.
IHU On-Line - Hoje no Brasil fala-se muito em ajuste fiscal por conta da atual situação das contas públicas. O senhor sempre foi um defensor dos programas sociais “bem focalizados” como instrumentos de reduzir a pobreza e a desigualdade. Nesse sentido, que análise faz dos programas adotados nos últimos anos? Que perspectiva vislumbra para eles neste novo momento do país? É possível não suprimi-los ou torná-los mais eficientes? O que deveria ser feito nesse sentido e nesse momento?
Rodolfo Hoffmann - É um erro pensar que o ajuste fiscal exige a redução dos programas sociais importantes para reduzir a pobreza e a desigualdade. Embora a maior parte da redução da desigualdade na distribuição da renda no Brasil desde 1995 esteja associada a modificações no rendimento do trabalho, o programa Bolsa Família teve um papel importante e deve ser preservado e até expandido. É claro que ele pode ser aperfeiçoado, inclusive na sua focalização, eliminando os desvios existentes. Mas as transferências do Bolsa Família estão longe de ser uma causa fundamental do déficit público.
Nos dados da PNAD anual de 2014, a estimativa da renda proveniente do Bolsa Família e do Benefício da Prestação Continuada representa cerca de 1,6% da renda total declarada, ao passo que as aposentadorias e pensões pagas pelo governo representam mais de 18%. E o conjunto dessas aposentadorias e pensões, incluindo muitas aposentadorias privilegiadas de funcionários públicos, não contribuem em nada para reduzir a desigualdade da distribuição da renda no Brasil.
Para eliminar o déficit fiscal, há muita coisa que pode e deve ser alterada nas receitas e despesas governamentais (previdência, isenções fiscais, subsídios, salários de alguns funcionários, reforma tributária visando simplificação e maior progressividade etc.). Não tem sentido pensar que o fundamental seja reduzir especificamente as transferências destinadas a reduzir a pobreza.
"Não tem sentido pensar que o fundamental seja reduzir especificamente as transferências destinadas a reduzir a pobreza" |
IHU On-Line - O que seria uma reforma substancial do sistema de previdência hoje?
Rodolfo Hoffmann - É impossível especificar, em poucas palavras, tudo o que teria de ser modificado. Há vários livros sobre o assunto. Um, muito bom, é o de Brian Nicholson, intitulado “A previdência injusta: como o fim dos privilégios pode mudar o Brasil”. Um dos itens é o estabelecimento de uma idade mínima mais elevada. Outro é a eliminação ou, pelo menos, redução da diferença entre tempo de contribuição de mulheres e homens. É claro que as modificações precisam ser discutidas. Mas qualquer grupo que se sinta prejudicado não pode ter poder de veto, pois então a solução é adiada e o problema se agrava. Ainda ontem os jornais noticiaram que uma reunião na presidência não chegou a nenhum consenso e que o encaminhamento de uma proposta talvez fique para depois das eleições municipais desse ano. Não é uma boa notícia.
IHU On-Line - Como reverter a atual crise de desemprego no país neste momento? O senhor tem alguma sugestão do que poderia ser feito de imediato?
Rodolfo Hoffmann - Oxalá eu tivesse a resposta mágica. E mesmo assim, isso não resolveria o problema, pois, da mesma maneira que ocorre com a previdência, o problema maior é a dificuldade política de implementar as medidas, e não o desconhecimento do que deve ser feito. É preciso reduzir o déficit público, mas o governo cede às pressões para aumento dos gastos. A retomada do crescimento econômico, essencial para reduzir o desemprego, vai ser difícil.
Por Patricia Fachin
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'Pensar que o ajuste fiscal exige a redução dos programas sociais é um erro'. Entrevista especial com Rodolfo Hoffmann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU