25 Outubro 2010
“As igrejas são instituições que tentam, na medida do possível, comunicar, transmitir as ‘mensagens’ das diferentes religiões. Mas as igrejas são apenas ‘embalagens’, e nenhuma ‘embalagem’ dá conta de transmitir toda a mensagem”, diz Pedrinho Guareschi. Em entrevista à IHU On-Line, realizada por e-mail, o professor analisou o entrelaçamento que tem se dado entre religiões e política neste segundo turno das eleições presidenciais. Ele também reflete sobre como a mídia está tratando essa questão e afirmou: “Numa sociedade democrática e pluralista, que se costuma chamar de laica, todos devem ter o direito de dizer sua palavra, expressar sua opinião, manifestar seu pensamento, inclusive as igrejas. Outra coisa bem diferente é as igrejas quererem arvorar-se em donas também do político, querendo obrigar a todos a seguirem seus princípios e crenças. Elas devem servir e orientar seus fiéis com humildade e respeito”.
Pedrinho Guareschi é graduado em Teologia pelo Instituto de Estudos Superiores de São Paulo. Também possui graduação em Letras, pela Universidade de Passo Fundo e em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Imaculada Conceição. Na PUCRS fez especialização em Sociologia. É mestre em Psicologia Social pela Marquette University Milwaudee. Na mesma área fez doutorado pela University Of Wisconsin At Madison. Atualmente, é professor da Fundação Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É autor de Mídia e Democracia (Porto Alegre: Evangraf, 2005), Os construtores da informação: meios de comunicação, ideologia e ética (Petrópolis: Vozes, 2000), entre outros.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor analisa a dimensão que a religião está tomando nesse debate para o segundo turno?
Pedrinho Guareschi – Começaria sugerindo que se tenha clara uma distinção, que é mais ou menos pacífica, entre religião e igrejas. As igrejas são instituições históricas e, por isso mesmo, carregam consigo todas as limitações de sua historicidade: incompletude, contradições, mudanças, etc. Ao passo que as religiões são inspirações, conjuntos de mensagens, tentativas de resposta a problemas vivenciais do ser humano, tentativas de dar sentido às aspirações transcendentes de toda pessoa.
A partir daí, podemos dizer que as igrejas são instituições que tentam, na medida do possível, comunicar, transmitir as “mensagens” das diferentes religiões. Mas as igrejas são apenas “embalagens”, e nenhuma “embalagem” dá conta de transmitir toda a mensagem. A mensagem faz explodir qualquer embalagem. Só mesmo um fundamentalista (e são muitos!) para dizer que sua embalagem contém toda a mensagem e que essa é a única verdade.
IHU On-Line – A mídia, tanto tradicional quanto alternativa, tem poder sobre a formação de opinião ou decisão de voto?
Pedrinho Guareschi – Aqui se apresenta outra distinção fundamental: as “mensagens” são atingidas pela fé, pela crença. Não há maneira de você querer obrigar alguém a “acreditar” através de processos científicos. Isso seria ir além de suas possibilidades. A ciência (sociologia, psicologia social, antropologia etc.) pode ter algo a dizer sobre determinadas instituições, mas devem calar quando se fala de crença e fé.
IHU On-Line – Muitos dos padres que têm “saído em campanha” neste pleito são jovens formados recentemente. O que o senhor pode nos dizer sobre a formação atual do clero?
Pedrinho Guareschi – Aqui chegamos a um problema extremamente delicado: as ciências podem ter algo a dizer quando as crenças são claramente manipuladas a serviço de determinadas instituições. Como diz, com argúcia, o sociólogo Peter Berger, deve-se começar a desconfiar quando há uma correlação altíssima entre “acreditar na Santíssima Trindade” e a distribuição de renda das pessoas; só chegam a acreditar os que recebem determinada quantia. Alguma coisa estranha estaria acontecendo.
IHU On-Line – Tanto a Canção Nova quanto os programas do pastor Silas Malafaia tem sido usado para abrir o voto e defender Serra. Que papel essas mídias têm na opção do voto dos fiéis?
Pedrinho Guareschi – Há, pois, um campo específico que é o da fé e da crença, isto é, o da religião. A dimensão religiosa fica sendo a janela aberta ao transcendente. Ela não pode ser trancada e a busca por essa transcendência não pode ser impedida. Que deveriam fazer, então, as igrejas (instituições religiosas)? Elas deveriam ser as que levam à frente, as que impulsionam os seres humanos em busca dessa transcendência. Elas deveriam se ocupar desse espaço transcendente, místico, religioso afinal.
Mais um passo: A política é uma ciência que trata da organização da sociedade. Esse é seu campo específico. E deve trabalhar através da reflexão, da pesquisa, da busca das melhores estratégias para poder servir melhor à população.
IHU On-Line – Analisando essa relação entre religião e política, para o senhor, o está acontecendo hoje no Brasil?
Pedrinho Guareschi – Começando pela política. Percebe-se, e essa é uma prática desonesta e inaceitável, que alguns políticos e partidos tentam fazer uso desse espaço transcendente para conseguir seus intentos: eleger candidatos, impor determinados sistemas etc. Querem fazer uso da fé e da crença das pessoas para proveito próprio. Deve-se, então, repudiar, com veemência, a manipulação e instrumentalização eleitoral que se faz da religião, de modo oportunista, com a clara intenção de confundir as pessoas.
E é igualmente desonesto e inaceitável quando igrejas (ou seus responsáveis institucionais), que deveriam ocupar-se da promoção desse espaço transcendente, explicitando os valores éticos e os princípios que retiram da “mensagem”, começam a fazer uso dessa dimensão para eleger, controlar determinados candidatos e condenar determinados partidos. Estão extrapolando de seu papel. As igrejas podem, com toda humildade, como “servidoras”, lembrar aos fiéis que a elas aderem através de uma fé livre e esclarecida, esses princípios e orientações. Ao mesmo tempo essas igrejas deveriam repudiar a manipulação e a instrumentalização eleitoral da “religião” com a clara intenção de confundir, iludir e tirar proveito de pessoas menos esclarecidas.
Numa sociedade democrática e pluralista, que se costuma chamar de laica, todos devem ter o direito de dizer sua palavra, expressar sua opinião, manifestar seu pensamento, inclusive as igrejas. Outra coisa bem diferente é as igrejas quererem arvorar-se em donas também do político, querendo obrigar a todos a seguirem seus princípios e crenças. Elas devem servir e orientar seus fiéis com humildade e respeito.
E os partidos e candidatos deveriam saber que a dimensão da crença, da fé, é sagrada e não pode ser manipulada para proveito político. Como o povo brasileiro se guia mais pelo coração que pela razão, e a religião se situa nessa dimensão do afeto e da crença, é uma grande desonestidade aproveitar-se disso tanto para rebaixar outros candidatos como para tirar vantagem política.
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Mídia, política e religião: possibilidades e limites. Entrevista especial com Pedrinho Guareschi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU