17 Setembro 2008
O problema do transporte e da poluição já não faz mais parte exclusivamente dos pesquisadores do trânsito e do dia-a-dia daqueles que estão presos num metrô lotado, esperando um ônibus ou numa fila quilométrica de carros nos grandes centros urbanos. As principais promessas dos candidatos a prefeitos de algumas das maiores cidades do Brasil incluem tal problema. Todos querem ter o nome marcado pela melhoria no trânsito brasileiro, principalmente em relação à implementação de mais linhas de metrôs. Segundo o professor Jaime Waisman, “os prefeitos provavelmente poderão fazer muito pouco nessa área, pois terão de contar com a ajuda do governo do estado e do governo federal. Caso contrário, realmente não haverá sucesso nessa proposta”. Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, Waisman fala sobre o panorama atual do trânsito no país e aponta algumas soluções que precisam ser adotadas não apenas através de políticas públicas, mas principalmente pelos próprios cidadãos. O professor diz que a imagem atual do automóvel é muito positiva, mas que “precisamos fazer com o carro aquilo que fazemos com a bebida: não necessariamente abandoná-lo, mas usá-lo com moderação”.
Jaime Waisman é graduado em Engenharia Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Obteve o título de mestre nessa mesma área, pela University of Califórnia, nos Estados Unidos. É doutor em Engenharia de Transportes pela Universidade de São Paulo, onde é, atualmente, professor. É também diretor da Sistran Engenharia.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – São Paulo tem o pior panorama no trânsito, mas o problema também pode ser visto nas grandes capitais brasileiras. A situação financeira dos brasileiros vem melhorando bastante desde 2004 e um dos sonhos das famílias é adquirir um carro. Porém, o senhor diz que nas próximas décadas a imagem do carro vai piorar assim como aconteceu com a do cigarro. Como essa reeducação deve começar?
Jaime Waisman – Hoje, o automóvel tem uma imagem extremamente positiva e é, antes de tudo, um símbolo de liberdade. Você pode, com o automóvel, se deslocar para qualquer local, para onde quiser e na hora que quiser. Aqui no Brasil, essa aceitação é reforçada pelo fato de que o sistema de transporte público é muito deficiente. Então, por falta de alternativas, o automóvel acaba sendo a melhor forma se deslocar e tem uma imagem bastante positiva, apesar dos problemas de congestionamento, que são crescentes e existem principalmente em São Paulo, mas também em outras grandes cidades.
Todas as políticas públicas colocadas em prática, tanto no Brasil como no resto do mundo, têm a tendência de impor restrições de utilização do automóvel, através de rodízios, de pedágio urbano, de estacionamento na via, do aumento de preços no estacionamento, portanto essa é uma tendência mundial. E é provável que, nos próximos anos, o automóvel seja transformado no grande vilão das cidades, pois causa congestionamento e emite maior quantidade de poluentes. Então, existem pessoas que começam a acreditar que, na próxima década e nos próximos anos, ele passe a receber um tratamento semelhante àquele que o cigarro recebe hoje. Talvez, com isso, ele comece a ser banido de certas áreas, ter restrições quanto ao uso e a própria população comece a enxergá-lo como um elemento perturbador da boa qualidade de vida nas cidades.
Uma questão muito importante é o comportamento das pessoas que hoje usam o automóvel de uma forma imoderada. Isso porque ele é utilizado até para se ir à padaria a dois quarteirões de casa. As pessoas terão de se reeducar, se preparar para um futuro onde o seu uso será moderado, seja por causa da poluição, seja porque consome um combustível que será cada vez mais caro. A conscientização da população de que, embora não totalmente, precisa abrir mão do automóvel, em favor de um transporte público de qualidade, de melhores condições de vida, precisa ser melhor trabalhado. Ou seja, as pessoas precisam ser convencidas, através de campanhas públicas, de que o uso abusivo do automóvel faz mal tanto para o seu bolso das pessoas quanto para a saúde das cidades. Por isso, temos de fazer com o carro aquilo que fazemos com a bebida: não necessariamente abandoná-lo, mas usá-lo com moderação.
IHU On-Line – Uma das principais promessas dos candidatos das maiores capitais do Brasil é a construção de metrôs para diminuir o trânsito e a poluição. Como o senhor analisa esse tipo de projeto?
Jaime Waisman – A proposta é muito boa, mas está relacionada ainda a outros problemas. Não se constrói o metrô num estalar de dedos; é algo que precisa ser planejado e construído ao longo do tempo. Veja: uma linha de 12 quilômetros de metrô demora, no mínimo, cinco anos para ser construída. As cidades que hoje têm grandes redes de metrô estão construindo esses sistemas há 50, 70 anos. O processo é relativamente lento e uma solução cara. Você tem hoje um quilômetro de metrô custando na faixa de 500 a 600 milhões, por isso nem todos os municípios têm os recursos necessários para programá-lo. Os prefeitos provavelmente poderão fazer muito pouco nessa área, pois terão de contar com a ajuda do governo do estado e do governo federal. Caso contrário, não haverá sucesso nessa proposta. Sem dúvida, nas grandes cidades, o metrô é uma solução para os grandes corredores. No entanto, isso não descarta a propostas de mais alternativas, além do metrô. Ou seja, ele por si só não resolve o problema porque não há nem espaço nem dinheiro para construí-lo em todos os cantos e locais da cidade. O que você precisa é uma rede integrada de vários modos de transporte que se complementem e atendam à população de uma forma adequada, com boa qualidade de serviço.
IHU On-Line – Qual a sua opinião sobre o sistema de rodízio de carros?
Jaime Waisman – O sistema de rodízio tem um efeito de curto prazo. Veja o caso de São Paulo: durante alguns anos, ele funcionou, contribuiu e realmente melhorou as condições de circulação da cidade. Porém, passado algum tempo, a chapa cresce novamente, a economia se aquece e o efeito do rodízio vai embora. Ou seja, o rodízio é uma solução paliativa. Sozinho, pode atenuar o problema, mas não o resolve.
IHU On-Line - Como o senhor analisa as pesquisas que estão sendo feitas no Brasil sobre transporte sustentável e combustível limpo?
Jaime Waisman – Hoje, as grandes cidades brasileiras praticamente não têm mais problema de poluição industrial. Em primeiro lugar, porque houve uma dispersão das grandes indústrias. Elas saíram das grandes cidades, como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, e foram para outros municípios da região metropolitana. Em segundo lugar, porque a poluição industrial é pontual, localizada, então é possível fiscalizar e utilizar técnicas, através de filtros e outros processos de tratamento, para evitar a emissão de poluentes. Hoje, nas grandes cidades brasileiras, os veículos automotores são responsáveis por 90% da emissão de poluentes na atmosfera, então os problemas que nós temos nas cidades brasileiras de poluição atmosférica se devem às frotas circulantes.
Portanto, a utilização dos combustíveis limpos é muito bem-vinda. O Sul tem o fenômeno de inversão térmica no inverno e, nesse período, os problemas respiratórios atingem parte da população mais frágil, que são as crianças e os idosos. Isso é causado principalmente pelas condições climáticas, mas também pela má qualidade do ar. Portanto, essa tendência de uso de combustíveis limpos é mundial. Embora esteja chegando tardiamente no Brasil, é muito positiva e deve ficar.
IHU On-Line – Os avanços tecnológicos pressupõem, de maneira geral, um cotidiano marcado pela velocidade. Como pensar esse futuro cada vez mais digital, permitindo grandes deslocamentos dentro da rede, uma mobilidade tecnológica cada vez maior e mais rápida com cada vez menos carros?
Jaime Waisman – Isso é um paradoxo, porque hoje a sociedade moderna tem uma paranóia, que é a velocidade e o tempo. Ninguém tem tempo, todos vivem correndo. Essa busca por uma maior velocidade de deslocamento é geral. Nas grandes cidades, cada vez mais a velocidade de deslocamento cai, apesar de as pessoas terem mais carros, de haver investimentos em transporte público. Então, eu diria que essa é uma situação de conflito que vamos continuar vivendo. Nas cidades muito populosas, será mais difícil, no futuro, existirem deslocamentos rápidos, principalmente na hora do pique. Esse não é um problema exclusivo do Brasil.
IHU On-Line - Como o senhor avalia o valor do tempo para aqueles que hoje são reféns do trânsito caótico das grandes cidades?
Jaime Waisman – Costumo dizer que o tempo tem um valor muito grande, porque, enquanto estão presas no trânsito, as pessoas não produzem. Existe realmente uma perda de tempo, que tem um grande valor. Um estudo do Ministério do Trabalho mostra que as más condições de transporte público determinam uma queda de produtividade do trabalhador de até 15%. Isso porque o cidadão perde horas no trânsito e quando chega ao trabalho já está desgastado. Essa situação de congestionamento e de aprisionamento das pessoas no trânsito tem um custo social muito grande.
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Trânsito brasileiro: por uma reeducação a partir da população. Entrevista especial com Jaime Waisman - Instituto Humanitas Unisinos - IHU