24 Março 2008
O cenário atual da legislação sobre animais submetidos a sistema intensivo de produção é sério. O projeto de lei que regularia a situação desse tipo de animal está aguardando votação do Congresso. Enquanto isso, consumimos a carne de um animal que não sabemos como viveu, foi alojado e transportado. Os produtores que pensam, quando isso acontece, no bem-estar animal, baseiam-se em manuais de boas práticas e algumas leis municipais ou estaduais de sua região. Além disso, devemos levar em conta que o bem-estar do animal que consumimos depende também do trabalhador que o trata. “O trabalhador doente perde o interesse no trabalho e leva a tratar os animais de forma errada tanto nas formas de manejo quanto de transporte”, afirma Raquel Baracat Tosi Rodrigues da Silva.
Em entrevista à IHU On-Line, realizada por e-mail, Raquel fala sobre seu trabalho intitulado “Normas de alojamento de animais submetidos a sistema intensivo de produção: cenário para legislação nacional sobre bem-estar animal”. Para ela, “os desafios são grandes e só existirão bons resultados através de muitos estudos”. Desse modo, “estamos trabalhando há anos para se obter um padrão de bem-estar, descobrir uma forma de medi-lo ou estimá-lo de maneira fácil e coerente”.
Raquel Baracat Tosi Rodrigues da Silva é advogada, socióloga e mestre em Engenharia Agrícola.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é o cenário atual da legislação sobre os animais que são submetidos a sistema intensivo de produção?
Raquel Baracat Tosi Rodrigues da Silva – O atual cenário da legislação brasileira está na aprovação ou não de um Projeto de Lei de número 215/07, em trâmite no Congresso Nacional. Temos também a Lei 9605/98, que é a lei atual de meio ambiente, que trata de assuntos da flora e fauna, mas não fala especificamente no bem-estar animal. Infelizmente, o legislador não tem capacidade técnica de elaborar uma Lei sobre esse assunto. O correto seriam todas as entidades científicas ajudarem o legislador na elaboração de normas a respeito do bem-estar animal. Os produtores se guiam, também, através dos manuais de boas práticas e algumas leis municipais ou estaduais de sua região.
IHU On-Line – Hoje, o que mais se fala, tanto na mídia quanto entre a população em geral, é sobre o bem-estar dos animais domésticos. Qual é a importância, em sua opinião, de se estudar também o bem-estar dos animais que consumimos?
Raquel Baracat Tosi Rodrigues da Silva – A importância é a mesma. Tanto os animais confinados e os domésticos devem ter sua condição ideal de bem-estar, mas há tipos diferentes de bem-estar. Os animais confinados irão para o abate, mas não precisam sofrer, durante o processo produtivo, até mesmo porque animal sem bem-estar leva a uma perda na qualidade da carne, com riscos de doenças etc.
IHU On-Line – Quais são os desafios para os produtores manterem animais próprios para produção?
Raquel Baracat Tosi Rodrigues da Silva – Os desafios são grandes e só existirão bons resultados através de muitos estudos. Estamos trabalhando há anos para se obter um padrão de bem-estar, descobrir uma forma de se medi-lo ou estimá-lo de maneira fácil e coerente. O seu cálculo deve ser estudado com cautela, afinal o animal não consegue dizer especificamente o que dói, onde dói, o que está sentindo, se está com sede. Por isso é uma tarefa mais árdua. Ele emite sinais, e nós estamos estudando para entendê-los.
IHU On-Line – Que normas você propõe na legislação para o alojamento de animais submetidos a sistema intensivo de produção?
Raquel Baracat Tosi Rodrigues da Silva – São muitas as propostas, tantas que estou, na minha tese do doutorado, tentando traçar um cenário, pois o assunto ficou longo somente para a dissertação de mestrado. As normas deveriam ser colocadas em capítulos específicos de manejo, alojamento e transporte para facilitar a leitura e a elaboração das normas com dados numéricos específicos, por exemplo, de qualidade de ar dentro do alojamento, de quantidade de amônia, de temperatura, de ventilação etc.
IHU On-Line – Você tem um artigo que trata da insalubridade do trabalhador rural na produção animal. Qual é a influência desse problema na comida que consumimos?
Raquel Baracat Tosi Rodrigues da Silva – Com relação à insalubridade do trabalhador rural, o problema está relacionado à saúde humana, pois esse trabalhador, ao ficar doente, diminui sua produtividade. Isso pode acarretar em maus tratos aos animais pelo fato de o trabalhador não estar em forma adequada de trabalho. Aqui, então, entra o problema do bem-estar animal. O trabalhador doente perde o interesse no trabalho e leva a tratar os animais de forma errada tanto nas formas de manejo quanto de transporte.
IHU On-Line – Que reflexão você faz acerca da Legislação da Proteção e do Direito dos Animais do Brasil? Como estamos em relação à legislação internacional?
Raquel Baracat Tosi Rodrigues da Silva – Na minha dissertação de mestrado, tracei um cenário das normas e legislações do Brasil, para a produção de suínos, aves e bovinos de leite, comparando com a União Européia, Austrália e Estados Unidos. Verifiquei, através de notas (escores) dadas às normas e legislações, que o Brasil está com as piores notas em relações às suas normas quando comparadas com estes países em questão. O ideal seria que todos os cientistas que trabalham com a questão animal e o legislador se unissem para elaboração de novas leis. O problema que surge em razão da falta de normas está cada vez mais grave, tanto que observamos as notícias em jornais sobre a paralisação de exportação de carne do Brasil para países da comunidade européia, problema advindo da falta de legislação e falta de organização do governo brasileiro para fiscalizar nossos animais, nossas fazendas etc. Não só. Como o Brasil é um dos maiores produtores de carne do mundo, quanto mais os países de fora acharem problemas aqui, melhor será para o comércio deles lá fora. O problema não está só voltado para o bem-estar; ele também é um problema econômico e político.
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O cuidado com os animais. Entrevista especial com Raquel Baracat da Silva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU