28 Fevereiro 2008
Crise internacional, fim da CPMF e valorização da moeda são algumas das questões que fizeram o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ser alvo de questionamentos pouco mais de um ano depois do seu lançamento. No início, o governo o exaltava como o plano que contribuiria para o pleno desenvolvimento infra-estrutural do país, mas as contrapartidas econômicas de 2007 fizeram com que ele fosse deixado um pouco de lado. “O que sabemos é que muito dos investimentos programados acabaram não sendo realizados”, disse a professora e economista Leda Paulani. E completou: “O PAC não se constitui num plano efetivo de desenvolvimento, num projeto para a economia do país. Um exemplo disso é que, quando houve aquele ciclo de crises das bolsas que aconteceu no ano passado, uma das primeiras coisas sobre as quais se falou é que alguns dos investimentos do PAC precisariam ser cortados”.
Em entrevista à IHU On-Line, realizada por telefone, Leda avaliou este primeiro ano do programa que pretende desenvolver e aumentar o crescimento industrial brasileiro. Leda falou também sobre outros programas anteriores ao PAC implementados no país e sobre suas perspectivas em relação ao projeto para este ano. “O governo Lula já fez uma opção conservadora desde o primeiro mandato e agora não há muito o que fazer além do PAC”, afirmou.
Leda Paulani é doutora em Teoria Econômica, pelo Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (USP). Obteve livre docência pela mesma universidade e é presidente da Sociedade Brasileira de Economia Política, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Econômicas e professora da USP, além de ser autora de obras como Modernidade e discurso econômico (São Paulo: Boitempo Editorial, 2005) e Brasil Delivery: servidão financeira e estado de emergência econômico (São Paulo: Boitempo Editorial, 2008).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é sua avaliação deste primeiro ano do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), implementado pelo governo Lula?
Leda Paulani – Muitos dos investimentos programados no PAC acabaram não sendo realizados, mas creio que isso é o menos importante, porque esse tipo de atraso sempre ocorre nesses planos. Mas o que eu vejo como mais importante é que, de fato, o PAC não se constitui num plano efetivo de desenvolvimento, num projeto para a economia do país. Um exemplo disso é que, quando houve aquele ciclo de crises das bolsas, ocorrido no ano passado, uma das primeiras coisas sobre as quais se falou é que alguns dos investimentos do PAC precisariam ser cortados. Ou seja, se ele fosse uma questão fundamental para o país, se fizesse parte de um projeto realmente, não estaria tão vulnerável.
IHU On-Line – Este é um programa inédito no Brasil? Pode ser comparado com outros programas que já se tentou implementar no país?
Leda Paulani – Não, de modo algum: a natureza dele não é nada inédita. Houve outros momentos vividos pelo país, nos quais se decidiu que o Estado investiria em áreas estratégicas, em áreas de infra-estrutura. Um exemplo disso é o 2o. Plano Nacional de Desenvolvimento, ainda no governo militar de Geisel. No entanto, estes modelos anteriores eram muitíssimos mais ambiciosos do que o PAC. O PAC é muito pequeno em relação ao que já se fez, em termos de programas de desenvolvimento industrial.
Numa comparação, podemos pegar, por exemplo, o Plano de Metas, de 1955, durante o governo do Juscelino, e o 2o. Programa Nacional de Desenvolvimento, do governo Geisel. E, antes disso, podemos ver que o segundo governo Vargas se caracterizou justamente por ter levado a frente um pacote de projetos no setor de infra-estrutura. O governo Vargas possibilitou o desenvolvimento industrial do país. No caso do Juscelino, houve um esforço para a industrialização efetiva do país, aproveitando-se a disposição dos capitais multinacionais de virem para cá. O Geisel, por sua vez, impulsionou esse projeto, fazendo investimentos e planejando esse processo. Agora, o que é possível de comparar, mais proximamente, com o PAC é o 2o.Programa Nacional de Desenvolvimento do Geisel, pois ele foi pensado e planejado logo após o primeiro choque do petróleo, em 1974. O objetivo era tornar o país menos dependente de determinados produtos essenciais e, portanto, tornar a economia brasileira menos vulnerável. Então, com isso, o Estado implantou um pacote enorme de projetos na área de bens de capital, de insumos básicos, entre outros. O PAC, portanto, não tem nada de novo; ele é apenas muito tímido perto do que já se fez no país.
IHU On-Line – Quais são as suas perspectivas para o PAC em 2008?
Leda Paulani – Eu penso que o sinal já foi dado em 2007, com a crise internacional e a derrota do governo em relação à CPMF. Quando o governo foi derrotado na questão da CPMF, uma das primeiras reações foi dizer que não era possível continuar com o PAC. Depois, quando aconteceram as crises internacionais, de bolsas, isso se repetiu. Se a situação piorar, toda essa pretensão de investimentos ficará de lado.
IHU On-Line – Já podemos perceber algumas manifestações no PAC, depois do fim da CPMF?
Leda Paulani – O fim da CPMF foi muito controvertido, porque, na realidade, o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, teve uma reação ruim, quando disse que geraria problemas para o desenvolvimento do PAC. Logo em seguida, por sua vez, o presidente disse que não era nada disso. O fato é que não sabemos exatamente como é que vão se adequar essas despesas previstas no PAC com a ausência da CPMF e, eventualmente, com o agravamento da crise internacional. Ou seja, não há como prever. Se você perguntar para qualquer pessoa do governo, eles vão dizer que não, que será tudo feito. Mas sabemos que não é assim.
IHU On-Line – Como a senhora analisa projetos, dentro do PAC, como a transposição do Rio São Francisco?
Leda Paulani – Essa questão da transposição do Rio São Francisco é tão polêmica, com posições tão diversas, pontos tão problemáticos, discutíveis, que eu acho que não se devia levar em frente esse projeto. Em relação àqueles que dizem que ela é fundamental se contrapõem aqueles que dizem que o projeto é voltado apenas para a grande agricultura e que a população não será beneficiada. Então, creio que esse projeto precisaria de tempo na sociedade para que fosse discutido. Acredito que saber se ele irá à frente ou não depende muito da força e dos interesses que estão por trás de quem está no comando desse projeto.
IHU On-Line – Que conseqüências já podemos perceber, ou já podemos prever, na economia brasileira a partir da crise financeira estadunidense?
Leda Paulani – Depende da gravidade dela. Uma conseqüência imediata que tem para um país como o Brasil sempre é uma retirada de chamados investimentos de portfólio, que entram e saem muito facilmente do país. Eles saem do país porque, por um lado, há necessidade de moeda forte e os compromissos exteriores aumentam com o aprofundamento da crise. Por outro lado, porque os papéis brasileiros são muito atraentes por causa das taxas de juros que pagam, o que causa perspectiva de valorização da moeda. Com essa crise internacional, apesar de fortalecer a moeda, a economia torna-se muito arriscada. Então, há quem saia do país porque precisa da moeda forte e há quem saia porque acha que ficou muito arriscado. Mas a tendência é que o dólar volte a se valorizar com relação ao real e se desvalorize em relação a outras moedas, como o euro e moedas asiáticas. Com isso, cai essa valorização excessiva da moeda brasileira e a médio prazo é bom para as exportações e para a indústria nacional.
IHU On-Line - Nessa atual onda neoliberal e de globalização, qual é o papel do Estado?
Leda Paulani – É difícil responder em poucas palavras. Eu posso te responder como se vê a alçada dentro dessa perspectiva. Um Estado que se enxerga sendo ideal é um Estado mínimo e seu papel é garantir as regras para que os negócios se dêem sem grandes problemas e garantir o ordenamento jurídico disso, garantir segurança pública – interna e externa. No mais, o mercado teria que dar conta.
IHU On-Line - Aparentemente, na América Latina, as políticas econômicas de esquerda e direita não apresentam grandes diferenças. Exemplos disso são Lula no Brasil, Vázquez no Uruguai e Bachelet no Chile. O que aconteceu com a esquerda?
Leda Paulani – Existem aí grandes fatores: o objetivo passa por uma transformação que se opera em nível mundial e que torna os interesses financeiros muito fortes para predominar em todos os espaços econômicos e, por isso, os governos já estavam todos se submetendo a esses imperativos. E, como isso é muito facilmente vendido como algo que é uma expressão da seriedade, da responsabilidade com a coisa pública, então, com muita facilidade, os governos ditos de esquerda, que chegam ao poder a partir de partidos de esquerda, acabam fazendo uma política conservadora porque essas políticas liberais são facilmente lidas como responsáveis, de governos que fazem o que tem que ser feito. Por um lado, você tem esse fato objetivo, essa pressão muito forte que acaba levando esses governos. Por outro, existe também um fator que se determinou como uma completa imposição, e aí não há o que fazer. Então, é preciso, de certa forma, explicar, justificar e legitimar tudo o que esse governo está fazendo. O que eu vejo como ruim, porque se, ao mesmo tempo você tem limitações que vem de fora, existe um grau de liberdade para agir de outra maneira. Então, existe um pouco das duas coisas, um pouco de imposição e de submissão voluntária por parte desses governos.
IHU On-Line - Que outras propostas o governo poderia adotar, considerando-se a caminhada que já traçou?
Leda Paulani – O governo Lula já fez uma opção conservadora desde o primeiro mandato e agora não há muito o que fazer além do PAC. Para ele, mudar agora radicalmente de política econômica traria um custo muito elevado.
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"O PAC não se constitui num projeto para a economia do país". Entrevista especial com Leda Paulani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU