25 Junho 2008
2008 foi marcado pela Primeira Conferência do Movimento Homossexual, conclamada pela presidência da República do Brasil. Nenhum outro país, até hoje, havia tido a coragem de ter o seu próprio governo responsável por um evento nesta área. “Nós esperamos que todas as centenas de propostas afirmativas feitas pelo movimento homossexual ao governo federal saiam do papel e em breve se tornem realidade, diminuindo o preconceito que ainda é muito forte no Brasil contra a população GLBT”, relatou o professor Luiz Mott, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line. Embora o país seja o “campeão mundial” em assassinatos de homossexuais, a Conferência demonstra interesse de o governo contribuir para que os direitos destes cidadãos sejam tão efetivos quantos os direitos de qualquer outro cidadão, homossexual ou não.
Mott fala ainda sobre da importância do Estado ter organizado esta conferência e do que isso significou para o movimento. Além disso, destacou a mudança da sigla e sua posição contrária à decisão e analisou a posição do presidente Lula perante o movimento. “O presidente Lula evoluiu positivamente ao longo desses 30 anos em sua opinião sobre a homossexualidade”, disse.
Luiz Mott tem 62 anos e é antropólogo. É professor aposentado da Universidade Federal da Bahia. Há 30 anos luta pelos direitos humanos. Fundou o Grupo Gay da Bahia, o Centro Baiano Anti-Aids, o Grupo Lésbico e Associação de Travestis de Salvador. É co-fundador da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais (ABGLT).
De Luiz Mott, há os Cadernos IHU Idéias no. 38, intitulado Rosa egipcíaca: uma santa africana no Brasil Colonial. O texto está disponível nesta página para download.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a sua análise da 1ª Conferência do Movimento LGBT?
Luiz Mott – O movimento homossexual brasileiro tem 1978 como ano oficial de seu início com o nascimento do Grupo Somos. Em 1980, eu fundei o Grupo Gay da Bahia, que, atualmente, é o mais antigo em continuidade no Brasil e na América Latina. Nesses 30 anos de existência do movimento, nós já conseguimos algumas vitórias importantes, como, por exemplo, em 1980, a retirada da palavra homossexualismo da lista de nacional de doenças. Essa foi uma decisão do Conselho Federal de Medicina. 1996 é outra data importante, pois o presidente Fernando Henrique Cardoso escreveu, pela primeira vez, num documento oficial do país, a palavra homossexual, considerando que os gays, lésbicas e transgêneros constituíam um seguimento muito discriminado. Em 2002, foi a primeira vez que um presidente da República falou em público a palavra homossexual, defendendo a união entre pessoas do mesmo sexo. E agora, em 2008, se realizou a Primeira Conferência Nacional GLBT, a primeira no planeta convocada por um presidente da República. O próprio presidente Lula participou da abertura, se disse contra a hipocrisia e defendeu os direitos de cidadania dos homossexuais, de modo que nós esperamos que todas as centenas de propostas afirmativas feitas pelo movimento homossexual ao governo federal saiam do papel e em breve se tornem realidade, diminuindo o preconceito que ainda é muito forte no Brasil contra a população GLBT.
IHU On-Line – Qual é a influência que tem para o movimento o fato de o Estado ter convocado a conferência?
Luiz Mott – É a primeira vez, segundo pesquisa realizada na internet, que um governo convoca uma Conferência Nacional de gays, lésbicas, travestis e bissexuais. As conferências nacionais dos idosos, dos negros, das mulheres, das crianças, já estão sendo realizadas há bastante tempo. Eu considero a conferência uma iniciativa importante que demonstra boa vontade do governo em dialogar com as bases dos homossexuais que representam mais de 10% da população. Porém, como movimento da sociedade civil, nós lutamos para manter nossa independência, nossa autonomia, de modo que ao dialogar, ao participar dessa conferência realizada pelo governo, nós discutimos, apresentamos propostas afirmativas, mas não abdicamos do direito de decidirmos os rumos do nosso movimento.
IHU On-Line - O que você tem a dizer da proposta de mudança da sigla?
Luiz Mott – Uma das decisões dessa conferência foi que seria, a partir de agora, precedida da letra L a sigla e não mais de G, pois tradicionalmente ela significava Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, e agora passaria a significar Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Eu, pessoalmente, sou contra. Primeiro porque foi votada por um pequeno contingente, que não representa a maioria da população homossexual no Brasil. Também porque historicamente, tanto no exterior quanto no Brasil, foram os gays que iniciaram o movimento de libertação homossexual. Os gays continuam sendo o grupo mais significativo numericamente dentro do movimento. O pretexto de que isso daria mais visibilidade às lésbicas, por serem mais oprimidas, contradiz o fato de que as travestis e bissexuais são de fato as mais vitimizadas pela sociedade homofóbicas. Eu continuarei usando a forma mais antiga, ou seja, continuarei falando GLBT.
IHU On-Line – Como o senhor analisa o posicionamento do presidente junto ao movimento? O que achou do discurso dele durante a Conferência?
Luiz Mott – O presidente Lula evoluiu positivamente ao longo desses 30 anos em sua opinião sobre a homossexualidade, desde as suas primeiras declarações, quando ainda era um simples líder sindical, dizendo que não havia homossexuais na classe operária ou falando de uma forma preconceituosa contra feministas, e depois, quando fundou o PT, cujo regimento trazia a defesa dos direitos dos homossexuais. Esses não deveriam ser tratados nem como caso de polícia nem como doença. Isso quer dizer que, a partir da posição oficial do partido, Lula precisou se adaptar, dialogando com lideranças homossexuais, e lendo, sendo informado pelos ideólogos do partido. Assim, ele fez várias afirmações positivas em várias campanhas eleitorais. Teve um tropeço grave no Rio Grande do Sul quando, em 2002, em Pelotas, disse que a cidade era um pólo exportador de “veados”, o que foi deplorável da boca de um candidato a presidente. Na conferência deste ano, ele foi o presidente que aprovou um importante programa chamado Brasil sem Homofobia, mas ainda não havia, publicamente, defendido os direitos dos homossexuais, de modo que nessa conferência o seu discurso foi a glória, extremamente positivo, ele aceitou carregar a bandeira do arco-íris com as cores do movimento homossexual. Nós esperamos que toda essa encenação e essa falação tão positivas resultem em ações concretas para que o Brasil deixe de ser o campeão mundial de assassinato de homossexuais. Em 2007, foram 122 crimes documentados, e no primeiro semestre de 2008 já são 75 assassinatos de gays, travestis e lésbicas. Portanto, esperamos que essas boas intenções do presidente Lula se tornem ações efetivas para se erradicar essa situação vergonhosa.
IHU On-Line – As políticas públicas que envolvem os direitos dos homossexuais no Brasil estão de acordo com os anseios do movimento gay?
Luiz Mott – O movimento homossexual brasileiro tem, há muitos anos, apresentado ao governo mais de uma centena de propostas de ações afirmativas, visando a erradicar a homofobia e garantir a igualdade de direitos à população GLBT. São 37 direitos que são negados aos homossexuais, entre os quais declarar imposto de renda, herdar, poder casar etc. Por isso, nós propomos essas ações afirmativas para erradicar toda essa legislação e institucionalização da homofobia. De modo que nossas propostas abrangem todas as áreas, como a saúde, a educação, o turismo, a segurança pública, os direitos humanos. Tenho certeza de que, se ao menos a metade delas fosse implementada, o Brasil viveria algo como uma segunda Lei Áurea para os homossexuais, garantindo os direitos elementares para todos os cidadãos que hoje são impedidos de exercê-los, porque as instituições ainda são dominadas pela homofobia.
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Autonomia e diálogo. 1ª Conferência do Movimento Homossexual. Entrevista especial com Luiz Mott - Instituto Humanitas Unisinos - IHU