06 Abril 2008
Juscelino Kubitschek é considerado um dos grandes nomes da política brasileira. Este presidente construiu em torno de si uma aura de simpatia e confiança entre o povo brasileiro. Responsável pela construção da nova capital federal, Brasília, executou um antigo projeto da mudança da capital, com o intuito de promover o desenvolvimento do interior e a integração do país. Presidente do Brasil entre 1956 e 1961, Juscelino apoio o movimento que impôs a ditadura militar em 1964 e, por este mesmo movimento, teve seu mandato de senador cassado em 1965. Um homem, certamente, que inspirou muitas imagens e, muitas delas, foram analisadas por Maria Leandra Bizello, em sua tese de doutorado Entre fotografias e fotogramas: a construção da imagem pública de Juscelino Kubitschek - 1956-1961.
“A imagem pública de JK é diversa, as revistas ilustradas da época, O Cruzeiro e Manchete e os filmes institucionais do período foram responsáveis por construir e divulgar sua imagem nacionalmente, esse é um primeiro ponto importante, pois JK teve que empreender uma grande campanha para ser conhecido em todo o território nacional para ser eleito presidente”, contou Bizello, em entrevista à IHU On-Line, realizada por e-mail.
Maria Leandra Bizello é formada em História, pela Universidade de Campinas (Unicamp). É mestre e doutora em Multimeios pela mesma universidade. Atualmente, é professora da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Para a senhora qual é a grande diferença entre a imagem que Juscelino apresentou antes, durante e depois de ter exercido a presidência do país?
Maria Leandra Bizello – A minha análise restringe-se ao período da presidência de Juscelino Kubitschek. No entanto, ao se observar principalmente o período anterior, o que existe é a hierarquização das imagens, ou seja, quando JK era, por exemplo, prefeito de Belo Horizonte a sua imagem tinha um alcance local e regional e se subordinava à imagem de Getúlio Vargas (1) e Benedito Valadares (2). Além disso, ele estava no início de sua carreira política. Mesmo como governador, sua imagem não tinha projeção nacional, mas já podemos pensar que alguns aspectos, como a modernidade, já existiam.
IHU On-Line – De que modo as imagens públicas de JK foram construídas e como essas imagens influenciam na democracia brasileira pós-ditadura?
Maria Leandra Bizello – A imagem pública de JK é diversa, as revistas ilustradas da época, O Cruzeiro (3) e Manchete (4) e os filmes institucionais do período foram responsáveis por construir e divulgar sua imagem nacionalmente. Esse é um primeiro ponto importante, pois JK precisou empreender uma grande campanha para ser conhecido em todo o território nacional para ser eleito presidente. Ao tomar posse como presidente e iniciar seu governo esses meios de comunicação, continuaram a apresentá-lo atuando como presidente. Tais revistas podem ser entendidas como palco para a representação da política; é o espetáculo que também existe na esfera política. O político representa papéis como, por exemplo, o do herói ou o do pai. A diversidade de imagens existe em função desses papéis.
Posso dar outro exemplo. Há uma reportagem em O Cruzeiro, de 4 de agosto de 1956 que se chama “JK – o pé de boi”. Nessa foto-reportagem de 10 páginas, o repórter Olavo Drummond (5) e o fotógrafo Eugênio Silva convivem com o presidente JK durante uma semana, acompanhando-o em casa, na vida privada, e no trabalho, na vida pública. Como resultado, temos imagens de JK fazendo a barba, sentado na cama colocando as meias, no trabalho com seus secretários, recebendo políticos, enfim no ritmo de seu cotidiano repleto de trabalho, daí o nome da reportagem que designa o presidente que tem um cotidiano muito pesado, mas que não deixa de lado sua vida privada. Por outro lado, essas imagens são imagens permitidas; não há invasão de privacidade.
Eu não trabalhei com a imagem de JK pós-ditadura, mas posso dizer que a imagem predominante que vemos hoje foi apropriada daquele período pela mídia em alguns importantes momentos de nossa história mais recente.
IHU On-Line – Em relação à recepção dessas imagens, como a senhora a analisa na época e hoje?
Maria Leandra Bizello – As revistas ilustradas com que trabalhei tinham circulação nacional assim como os filmes institucionais que analisei. Dessa maneira, a imagem de JK era conhecida pelas pessoas que compravam as revistas e/ou freqüentavam as salas de cinema, ou seja, um público de classe média urbana.
IHU On-Line – Quais são as diferentes imagens constituídas na personalidade de JK? E como a política e os acontecimentos importantes e próprios da época influenciaram nas diferentes imagens constituídas na personalidade de JK?
Maria Leandra Bizello – A imagem de JK como homem público é múltipla. Há o JK negociador em meio a diversas crises de seu primeiro ano de presidência – e aqui ele não sorri; há o JK político moderno, que utiliza o telefone e o avião para governar; o JK que recebe presidentes e primeiros-ministros, mas que também é visitado por estrelas de cinema e escritores; o homem público, que tem uma família bem constituída, estável e que participa de sua vida política e pública; o presidente que fiscaliza as obras de Brasília. De maneira geral, as revistas nos mostram JK com o semblante sério, grave. O sorriso existe, mas não é o que predomina. Juscelino é representado como um político que conversava; é nesse sentido que é negociador. Tanto Manchete quanto O Cruzeiro nos mostram JK como um político maduro e que enfrentava com equilíbrio as crises econômicas, políticas e militares.
Em relação à construção de Brasília, por exemplo, os cidadãos acompanharam a sua construção através das imagens nessas revistas e por cinejornais que passavam nos cinemas. Esse conjunto de imagens constitui a necessidade que o governo teve em convencer a população da importância da construção de uma nova capital federal. Esse processo de convencimento se dá de diversas maneiras utilizando vários meios de comunicação. A propaganda política estatal aliou a imagem de JK a de Brasília e, ao mesmo tempo, tenta convencer a população da importância e necessidade do projeto. Nesse ponto, a imagem de um homem público dinâmico que JK tem não foi superada. Ele projetou e concretizou uma idéia ou um desejo que existia há muitos anos. Ao liderar essa empreitada, sua imagem é a do herói.
IHU On-Line – A senhora afirma que, embora muitos soubessem dos casos que JK tinha fora do casamento, as imagens que a mídia veiculava era sempre a de um homem tradicional, com família feliz. Esse é o tipo de imagem que se dissemina entre os políticos estadunidenses, por exemplo. Um “desvio” de conduta familiar público, em sua opinião, poderia desencadear a crise que estava nos bastidores do governo JK?
Maria Leandra Bizello – A vida privada que analisei é aquela mostrada nas revistas ilustradas, e, portanto, as imagens de família são imagens permitidas pelo presidente. JK estabelecia uma relação bem próxima com repórteres e fotógrafos das duas revistas analisadas. Isso me fez pensar em imagem permitida e não em imagem oficial. A primeira é negociada entre JK e os fotógrafos dos meios de comunicação; a segunda, produzida pelas agências governamentais, daquele período, no caso, a Agência Nacional. Isso também acontece com os filmes institucionais que analisei. Se Getúlio Vargas, enquanto ditador, tinha o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) como um aparato de propaganda e de construção de sua imagem, JK não tinha um aparato estatal tão forte e se serviu das relações pessoais e políticas para construir sua imagem pública também através dos meios de comunicação de massa privados.
Para mim, não há relação entre sua vida privada e as crises enfrentadas por JK durante sua presidência. A mídia – no caso de meu estudo, as revistas ilustradas – não estabeleciam essa relação. A mídia não invadia de forma agressiva a vida privada dos políticos. Havia um limite dado pelo próprio político, pela mídia e pelos valores da época.
Acho um pouco perigoso fazer comparações entre esse período e os dias de hoje. Devemos levar em consideração que a televisão estava em seu início no Brasil dos anos 1950, e a mídia impressa esbarrava no grande número de analfabetos da época. Hoje, o contexto é muito diferente: a televisão é o meio de comunicação mais importante, e o político deve saber lidar com sua imagem nesse meio que tem uma outra linguagem. Não temos mais revistas ilustradas nos moldes de O Cruzeiro ou Manchete. O fotojornalismo mudou bastante e o que predomina é o texto. Tudo isso é pouco estudado por isso evito fazer as comparações. Outra questão ainda é que lidamos de maneira diferente com a privacidade do político nos dias de hoje; para termos uma dimensão da mudança, nos anos 1950 não havia assessoria de imprensa, o que faz diferença para um político na atualidade e, principalmente, para presidentes e governadores. O controle da informação e, por conseguinte, da imagem, passa por essa relação entre o político, a esfera pública, e os meios de comunicação.
IHU On-Line – Por que, em sua opinião, a mídia fez tanta questão de manter intacta a imagem de JK?
Maria Leandra Bizello - Para mim, a mídia não preservou a imagem de JK. Ela se apropriou de uma determinada imagem e a divulga quando lhe interessa, mas é preciso estudar essa apropriação.
IHU On-Line – Todos os candidatos à presidência da República, especialmente Collor, FHC e até Lula apelaram para a imagem de JK se apresentando como novos "JK". O que significa isso? Elas têm ainda um apelo popular capaz de angariar votos?
Maria Leandra Bizello – Você tem razão. De Collor a Lula, muitos políticos evocaram e evocam a imagem de JK em algum momento, mas eu tenho dúvidas se essa evocação ajuda a angariar votos e tem um apelo popular. Penso que é algo a ser estudado. Como disse acima, em algum momento de nossa história recente, a mídia, de maneira geral, apropriou-se de uma imagem de JK, e é apenas essa que nos é mostrada. Não conhecemos a complexidade da imagem pública de Juscelino Kubitschek no período em que foi presidente da República. Eu sempre me incomodei com essa imagem homogênea de JK. Por isso, resolvi estudar a construção de sua imagem enquanto ele era presidente.
Notas:
(1) Getúlio Dornelles Vargas foi chefe civil da Revolução de 1930, que pôs fim à chamada República Velha, e foi, por duas vezes, presidente da República do Brasil. Ante seus simpatizantes, recebeu o epíteto de "pai dos pobres". Governou o Brasil de 1930 a 1934 no Governo Provisório; de 1934 a 1937 no governo constitucional, eleito pelo Congresso Nacional; de 1937 a 1945 no Estado Novo; e de 1951 a 1954 como presidente eleito pelo voto direto. Sua influência política se estende até hoje. Suicidou-se com um tiro no coração, em seu quarto, no Palácio do Catete, na cidade do Rio de Janeiro, então capital federal.
(2) Benedito Valadares Ribeiro foi um influente homem público na época de Juscelino Kubitschek, vereador de sua cidade natal, e mais tarde governador de Minas Gerais de 1933 a 1945. Conheceu JK durante a Revolução de 32, e a partir daí se tornaram amigos. Valadares chamou Juscelino para ser o chefe da Casa Civil no governo de Minas Gerais. Depois do fim do Estado Novo, ingressou no Partido Social Democrático, sendo eleito deputado federal em 1946 e 1950 e senador em 1954 e 1962. Com a extinção dos partidos políticos em 1965, ingressou na Aliança Renovadora Nacional.
(3) O Cruzeiro foi a principal revista ilustrada brasileira do século XX. Começou a ser publicada em 10 de novembro de 1928 pelos Diários Associados de Assis Chateaubriand. Foi importante na introdução de novos meios gráficos e visuais na imprensa brasileira, citando entre suas inovações o fotojornalismo e a inauguração das duplas repórter-fotógrafo, a mais famosa sendo formada por David Nasser e Jean Manzon que, nos anos 1940 e 1950, fizeram reportagens de grande repercussão. Cobrindo o suicídio de Getúlio Vargas em agosto de 1954 a revista atingiu a impressionante tiragem de 720.000 exemplares – até então, o máximo alcançado fora a marca dos 80.000. Daí adiante, o número se manteve. Nos anos 1960, O Cruzeiro entrou em declínio com o desuso de suas fórmulas e o surgimento de novas publicações, como as Manchete e Fatos & Fotos. O fim da revista aconteceu em julho de 1975, com a consagração definitiva do instantâneo meio televisivo em favor dos impressos e o fim do império dos Diários Associados de Chateaubriand.
(4) Manchete é uma revista brasileira que foi publicada de 1952 a 2000 pela Bloch Editores. O nome da revista foi dada à emissora de televisão, a extinta Rede Manchete. A revista Manchete surgiu na década de 1950, sendo considerada a segunda maior revista brasileira de sua época. Empregando uma concepção moderna, a revista tinha como fonte de inspiração a ilustrada parisiense “Paris Match” e utilizava, como principal forma de linguagem, o fotojornalismo. A Manchete atingiu rápido sucesso e em poucas semanas chegou a ser a revista semanal de circulação nacional mais vendida do país, destituindo a renomada e, até então, hegemônica O Cruzeiro.
(5) Olavo Drummond foi um político, escritor e jornalista brasileiro. Foi redator do serviço de radiodifusão do estado de Minas Gerais, redator do Estado de Minas, redator do Diário da Tarde, e redator da revista O Cruzeiro, do Rio de Janeiro. Foi amigo próximo de inúmeros estadistas, grandes empresários e artistas brasileiros e reconhecido por toda a vida por sua amizade com o presidente Juscelino Kubitschek. Também atuou como membro da Academia Mineira de Letras, onde ocupou a cadeira de número 12, sucedendo a Tancredo Neves.
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As diferentes imagens públicas de JK. Entrevista especial com Maria Leandra Bizello - Instituto Humanitas Unisinos - IHU