29 Abril 2024
"Tenho 32 anos, e desde os meus 10 anos de idade escuto que 'é preciso trazer a juventude, é preciso envolver as/os jovens, é preciso metodologias de trabalho com juventudes'. É preciso de jovens para aprender e fazer juntos ou para dominá-los, direcionando-os a fim de que levem adiante a mesma e única forma de fazer, de escrever, de rezar e de lutar politicamente? Ir até as juventudes ou 'trazê-las' para nossos espaços, sem que sejam levadas a sério em suas experiências, reflexões político-pastorais e de mundo, não vai mudar em nada o que tão bem descreveu Frei Betto, seja no Encontro de Fé e Política ou em outros processos", escreve Leon Patrick, participando nos debates desencadeados pelo artigo “Cabelos brancos” de Frei Betto, publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Leon Patrick Afonso de Souza, antropólogo e diretor de Campanhas na Casa Galileia. O texto foi postado no Portal das CEBs em 25-04-2024.
No dia 22 de abril, li com alguma esperança o artigo “Cabelos brancos”, de Frei Betto, publicado pelo portal Instituto Humanitas Unisinos – IHU. No texto incrível, com convite à autocrítica por parte da esquerda, dos militantes de pastorais e movimentos sociais, um trecho me abraçou porque é justamente um dos pontos que tenho refletido há algum tempo com amigas e amigos, jovens e de outras gerações. Diz Frei Betto: “Não semeamos a safra de novos militantes com medo de que eles se destacassem e ocupassem as nossas instâncias de poder”.
Quando li esse trecho, lembrei de uma situação (e poderia citar muitas outras ao longo de minha trajetória) que aconteceu no início de 2023, quando participava de uma assembleia com outro amigo. Lá estavam grandes referências (de cabelos brancos) das pastorais e movimentos sociais, e num momento de conversa, nos colocamos à disposição para ajudar na articulação de um projeto e a pensar junto como poderiam acontecer as formações e parcerias. No mesmo instante, fomos repreendidos porque “estávamos chegando agora e queríamos sentar na janela”, ou seja: à minha geração, com menos de 40 anos, restaria acatar as decisões e executar de acordo com definições dos que se veem como os únicos e mais capazes articuladores/as e gestores/as. Semanas depois, a mesma pessoa que não nos deixou sentar na janela, divulgou uma imagem num outro evento, ladeada por outras incríveis pessoas de cabelos brancos, e a legenda: “conclamamos a juventude para fazer parte de nosso projeto!” Meu amigo e eu trocamos a imagem, imediatamente, com risos e mais uma ladainha de reflexões: qual juventude? Para fazer o quê? Se não podemos nos sentar com vocês na janela, qual é o nosso lugar?
Tenho 32 anos, e desde os meus 10 anos de idade escuto que “é preciso trazer a juventude, é preciso envolver as/os jovens, é preciso metodologias de trabalho com juventudes”. É preciso de jovens para aprender e fazer juntos ou para dominá-los, direcionando-os a fim de que levem adiante a mesma e única forma de fazer, de escrever, de rezar e de lutar politicamente? Ir até as juventudes ou “trazê-las” para nossos espaços, sem que sejam levadas a sério em suas experiências, reflexões político-pastorais e de mundo, não vai mudar em nada o que tão bem descreveu Frei Betto, seja no Encontro de Fé e Política ou em outros processos.
Não queremos tomar os espaços e nem fazer sozinhos. Sei que há muitos jovens que cansaram de ser apenas os figurantes nas mesas de congressos e encontros, que são chamados apenas para compor a cota de jovem e, assim, justificar o financiamento dos projetos. E sou solidário aos que desistiram porque não foram jamais reconhecidos, escutados, levados a sério. Não se trata, portanto, de “jovens” versus “cabelos brancos”, pelo menos da parte de pessoas do meu círculo de comunidade, pastoral e militância. Nós, que ainda estamos, e outras pessoas das gerações mais jovens que chegarão, sempre estaremos dispostos a aprender com vocês, a trabalhar com vocês, e a construir em diálogo.
Levar a sério as juventudes e outras gerações de mulheres, LGBTQIA+, negras e negros, indígenas implica envolvê-las na gestão de nossas pastorais e organizações, incluindo em suas estruturas de direção, planejamento e avaliação.
Levar a sério implica considerar que essas juventudes têm aluguel para pagar, alimentos para comprar e outras tantas despesas essenciais para suprir. Portanto, assim como são remunerados os trabalhos das gerações de cabelos brancos, a juventude e outras gerações têm o direito de trabalharem com dignidade em nossos espaços.
Levar a sério gerações mais jovens implica, por fim, estar disposto a aprender e reconhecer a produção acadêmica, teológica e política que tem sido produzida por jovens, mulheres, negras/os, indígenas, LGBTQIA+. Tudo isso, acreditem, fazemos em diálogo com tudo que os de “cabelos brancos” estão construindo, incorporando reflexões próprias de nossas experiências e histórias, e sempre que possível, ousando além dos conhecimentos e práticas que vocês estão forjando. Nós levamos a sério a história e a luta política e eclesial de cada um de vocês.
Obrigado ao Frei Betto que ousadamente nos provocou a termos essa conversa séria.
Obrigado a tantas pessoas, jovens e de cabelos brancos, que estão dispostas a conversar, porque sabemos que o que nos engaja coletivamente é a luta por uma democracia fortalecida, uma Igreja sinodal e uma sociedade que respeite as diferenças.
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Levar a sério as juventudes e outras gerações. Artigo de Leon Patrick Afonso de Souza - Instituto Humanitas Unisinos - IHU