A crise gerada pela renúncia de Jânio Quadros culminou na formação de um governo provisório liderado pelo então vice-presidente João Goulart, cuja posse foi inicialmente contestada por setores conservadores da sociedade, e desaguou no Golpe de 1964.
A história de Jânio Quadros é repleta de intrigas políticas e reviravoltas que ecoam até os dias atuais na política brasileira. Sua ascensão ao poder em 1960 marcou um momento de mudança no cenário político do Brasil, trazendo consigo uma promessa de renovação e uma perspectiva de combate à corrupção e aos interesses tradicionais da política brasileira, que não se concretizaram.
O artigo é de Marcelo Zanotti, historiador e membro da equipe do IHU.
A ascensão de Jânio Quadros à presidência em 1960 foi marcada por uma campanha eleitoral carismática e populista, que conquistou o apoio de uma parte significativa da população brasileira. Sua vitória representou uma ruptura com a política tradicional da época, dominada por oligarquias regionais e interesses econômicos específicos. Sua gestão foi caracterizada por medidas polêmicas e decisões inesperadas, como a proibição do uso do biquíni nas praias e a tentativa de combate à inflação através da emissão de uma nova moeda.
No entanto, o ponto mais marcante de sua presidência foi, sem dúvida, sua renúncia abrupta em agosto de 1961, apenas sete meses após assumir o cargo. Este ato surpreendente e aparentemente irracional deixou o país perplexo e desencadeou uma crise política sem precedentes. A renúncia de Jânio Quadros foi um evento de grande importância histórica, pois abriu caminho para uma série de acontecimentos que moldaram profundamente o destino político do Brasil nas décadas seguintes.
A renúncia de Jânio Quadros abriu espaço para uma crise institucional, uma vez que a Constituição da época não previa com clareza os procedimentos para casos de vacância presidencial. Isso levou a uma disputa política intensa entre diferentes facções políticas e militares sobre quem deveria assumir o poder. A crise culminou na formação de um governo provisório liderado pelo então vice-presidente João Goulart, cuja posse foi inicialmente contestada por setores conservadores da sociedade.
Nos recônditos da pequena cidade de Campo Grande, localizada no então estado de Mato Grosso (desde 1979 Campo Grande é capital do atual estado do Mato Grosso do Sul), nascia em 25 de janeiro de 1917 um dos personagens mais marcantes da política brasileira do século XX: Jânio da Silva Quadros. Seu nascimento não prenunciava o futuro político conturbado que o aguardava, mas desde cedo, mostrou-se um jovem com ambições e convicções que o levariam a desbravar os caminhos da vida pública.
Filho de comerciantes de origem humilde, Jânio Quadros cresceu em meio às agruras e desafios típicos da vida no interior. Sua infância foi permeada pela simplicidade, mas também pela inquietude de quem almejava mais do que as circunstâncias pareciam oferecer. Desde cedo, demonstrou uma inteligência aguçada e uma determinação incomum para alguém de sua idade.
Os primeiros passos de Jânio na política foram dados ainda na juventude, quando ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Lá, envolveu-se em movimentos estudantis e começou a desenvolver suas habilidades retóricas e argumentativas, características que mais tarde seriam fundamentais em sua carreira política.
Após concluir seus estudos, Jânio Quadros iniciou sua carreira como advogado, mas logo percebeu que seu destino estava além das paredes de um escritório de advocacia. Sua vocação para a política o impulsionava a buscar maneiras de fazer a diferença na sociedade em que vivia.
Em 1947, aos 30 anos, deu seus primeiros passos na política ao ser eleito vereador pela cidade de São Paulo, pelo Partido Democrata Cristão (PDC). Sua atuação como vereador chamou a atenção pela combatividade e pela defesa dos interesses dos mais desfavorecidos. Sua postura firme e seu discurso inflamado lhe renderam a alcunha de "varredor de corruptos", um apelido que o acompanharia ao longo de toda sua trajetória política.
O sucesso como vereador impulsionou sua ascensão política, e em 1951, foi eleito deputado estadual. Durante seu mandato, destacou-se pela defesa de medidas de combate à corrupção e pela fiscalização rigorosa dos gastos públicos. Sua atuação firme e independente conquistou admiradores, mas também lhe granjeou inimigos entre as elites políticas tradicionais.
Em 1953, Jânio Quadros deu um salto em sua carreira política ao ser eleito prefeito de São Paulo, a maior cidade do Brasil na época e, em 1955, já era governador do estado. Sua gestão como prefeito e governador foi marcada por uma série de medidas polêmicas e populistas, como a proibição dos jogos de azar e a fiscalização rigorosa dos prostíbulos da cidade. Sua imagem de político incorruptível e defensor dos interesses do povo o transformou em uma figura popular e carismática.
O sucesso como prefeito e governador de São Paulo impulsionou sua candidatura à presidência da República em 1960. Apesar de encontrar apoio das elites políticas e econômicas do país, Jânio Quadros soube capitalizar seu apelo popular e carisma pessoal para conquistar a vitória nas urnas, derrotando seus adversários e se tornando o 22º presidente do Brasil.
Assim, a vassoura que Jânio Quadros começara a trançar desde seus primeiros passos na política brasileira culminou em sua eleição como presidente, marcando o início de uma nova era na política nacional. Sua ascensão ao mais alto cargo do país representava não apenas uma mudança de liderança, mas também a promessa de uma nova forma de fazer política, baseada na ética, na moralidade e no combate à corrupção. No entanto, os desafios que Jânio Quadros enfrentaria como presidente seriam ainda maiores do que os que enfrentara até então, colocando à prova sua determinação e sua capacidade de liderança.
A eleição presidencial de 1960 foi um marco na história política do Brasil, marcada por intensas disputas e reviravoltas que ecoaram por décadas. No centro desse embate estavam duas figuras de destaque: Jânio Quadros, representando uma onda de renovação e mudança, mas com um discurso totalmente guiado pelo conservadorismo, e Marechal Henrique Teixeira Lott, um dos líderes militares mais influentes da época.
Jânio Quadros, com sua imagem de "varredor de corruptos" e sua retórica carismática, conquistou o apoio popular e uma ampla coalizão de partidos políticos, que viam nele a esperança de um Brasil mais ético e moral. Por outro lado, Marechal Lott, com seu prestígio no meio militar e sua experiência como Ministro da Guerra, representava a estabilidade e a continuidade das instituições, solidificadas durante o governo JK, do qual fez parte.
A campanha eleitoral foi acirrada, com ambos os candidatos buscando angariar o máximo de apoio possível. Jânio Quadros percorreu o país de ponta a ponta, conquistando eleitores com seu discurso anti-establishment e suas promessas de combate à corrupção. Enquanto isso, Marechal Lott contava com o apoio das esquerdar e movimentos sociais, além de uma base sólida no meio militar.
No entanto, um elemento inesperado acabou por mudar o rumo da eleição: a escolha do candidato a vice-presidente. Enquanto Jânio Quadros escolheu o desconhecido deputado federal Milton Campos como seu companheiro de chapa, Marechal Lott optou por João Goulart, um político influente e controverso que representava a ala mais à esquerda do espectro político.
A escolha de João Goulart como candidato a vice-presidente foi estratégica, visando atrair os votos da esquerda e garantir uma base mais ampla de apoio. Apesar de pertencer a outra chapa, Goulart foi eleito vice-presidente junto com Jânio Quadros, em uma demonstração do peso político que sua figura representava na época.
A vitória de Jânio Quadros nas eleições de 1960 marcou o início de uma nova era na política brasileira, trazendo consigo a promessa de mudança e renovação. No entanto, os desafios que ele enfrentaria como presidente seriam imensos, testando sua capacidade de liderança e sua habilidade para lidar com as complexidades da política nacional.
O ano de 1960 foi marcado por uma efervescência política sem precedentes no Brasil. Com o país ainda se recuperando dos traumas do suicídio de Getúlio Vargas e da crise política que se seguiu, as eleições presidenciais representavam uma oportunidade de renovação e esperança para milhões de brasileiros.
Jânio Quadros, o varredor de corruptos, emergiu como uma figura carismática e populista, capaz de capturar o sentimento de mudança que permeava a sociedade brasileira. Seu estilo franco e direto, aliado a uma retórica combativa e moralista, conquistou o coração de muitos eleitores, especialmente os das classes mais populares.
A campanha eleitoral de Jânio Quadros foi marcada por comícios tumultuados e discursos inflamados, nos quais prometia varrer a corrupção e os vícios da política brasileira. Sua famosa imagem segurando uma vassoura tornou-se o símbolo de sua campanha, representando a promessa de limpar o país de suas mazelas e injustiças.
Enquanto isso, seus adversários políticos, representantes das elites tradicionais, tentavam desqualificá-lo, retratando-o como um populista irresponsável e um demagogo perigoso. No entanto, a mensagem de Jânio Quadros ressoou entre a população, que via nele um líder capaz de enfrentar os poderosos e lutar pelos interesses do povo.
Em outubro de 1960, Jânio Quadros alcançou a vitória nas urnas, derrotando seus adversários e conquistando a presidência da República com uma margem confortável de votos. Sua eleição foi recebida com entusiasmo por grande parte da população, que via nele a esperança de um Brasil melhor e mais justo.
No entanto, a euforia da vitória logo seria substituída pela incerteza e pela perplexidade. A gestão de Jânio Quadros como presidente foi marcada por uma série de medidas polêmicas e decisões controversas, que dividiram a opinião pública e criaram atritos com setores importantes da sociedade.
Exemplos desses atos:
Fidel Castro, Jânio Quadros e Che Guevara (Foto: Biblioteca Nacional)
Em agosto de 1961, menos de sete meses após assumir o cargo, Jânio Quadros pegou o país de surpresa ao anunciar sua renúncia à presidência. Sua renúncia abrupta e aparentemente irracional deixou o país em estado de choque, desencadeando uma crise política sem precedentes.
As razões por trás da renúncia de Jânio Quadros permaneceram obscuras e objeto de especulação por décadas. Alguns acreditavam que ele renunciara em um gesto de protesto contra a oposição que enfrentava no Congresso Nacional, enquanto outros sugeriam que sua decisão fora motivada por pressões e ameaças externas.
Independentemente das razões, a renúncia de Jânio Quadros mergulhou o país em uma crise institucional sem precedentes, com consequências imprevisíveis para o futuro da nação. Seu ato de renúncia deixou um vácuo de poder que seria preenchido apenas após intensas negociações e disputas políticas, culminando na posse do vice-presidente João Goulart e no início de uma das épocas mais conturbadas da história do Brasil: os anos que antecederam o golpe militar de 1964.
Assim, a curta presidência de Jânio Quadros e seu repentino ato de renúncia deixaram um legado de incertezas e questionamentos que ecoariam na política brasileira por muitos anos. Sua vassoura, que prometia varrer a corrupção e os vícios da política, acabou por deixar um rastro de perplexidade e instabilidade, lançando o país em um período de turbulência e incertezas.
Carta renúncia de Jânio Quadros (Foto: Arquivo Nacional)
Após sua renúncia abrupta e controversa à presidência da República em 1961, Jânio Quadros mergulhou em um período de relativo ostracismo político, marcado por uma série de tentativas fracassadas de retornar ao cenário político nacional. Sua saída abrupta do poder deixou um vácuo de liderança e uma sensação de decepção entre seus apoiadores, que esperavam mais de seu mandato presidencial.
Nos anos que se seguiram, Jânio Quadros flertou com diferentes partidos e movimentos políticos, tentando sem sucesso reconstruir sua base de apoio e retomar sua carreira política. No entanto, suas tentativas foram frustradas pela desconfiança e pelo descrédito que sua renúncia havia gerado entre os eleitores e os líderes políticos.
Foi somente décadas mais tarde, em 1985, que Jânio Quadros conseguiu retornar à política de maneira significativa, ao ser eleito prefeito da cidade de São Paulo. Sua eleição foi vista como uma surpresa e um sinal de que seu carisma e sua popularidade ainda tinham algum apelo entre os eleitores paulistanos.
No entanto, seu segundo mandato como prefeito de São Paulo não foi marcado pelo mesmo entusiasmo e pela mesma efervescência que sua gestão anterior. Jânio Quadros enfrentou uma série de desafios e críticas durante seu mandato, incluindo problemas de gestão, escândalos de corrupção e conflitos com setores importantes da sociedade.
Além disso, sua postura autoritária e seu estilo de governar peculiar alienaram muitos de seus aliados políticos e contribuíram para sua crescente impopularidade entre os paulistanos. Seu mandato foi marcado por polêmicas e controvérsias, e sua incapacidade de lidar eficazmente com os problemas da cidade acabou minando sua credibilidade e sua base de apoio.
Em 16 de fevereiro de 1992, aos 75 anos de idade, Jânio Quadros faleceu em São Paulo, encerrando assim uma trajetória política marcada por altos e baixos, polêmicas e controvérsias. Sua morte foi recebida com relativa indiferença pela opinião pública, refletindo o distanciamento gradual entre o político e o povo que um dia o elegera como presidente e prefeito.
Jânio Quadros na prefeitura de São Paulo, 1986 (Foto: Prefeitura de São Paulo)
A ascensão de João Goulart ao poder foi um ponto de inflexão na história brasileira, pois representou uma ameaça aos interesses das elites políticas e econômicas do país. A polarização política que se seguiu à sua posse contribuiu para a instabilidade social e econômica, criando um ambiente propício para o golpe militar de 1964. Nesse contexto, a renúncia de Jânio Quadros pode ser vista como um dos fatores desencadeantes do golpe, embora não tenha sido a única causa.
O golpe militar de 1964 marcou o início de um período sombrio na história do Brasil, caracterizado por uma ditadura repressiva que durou mais de duas décadas. Durante esse período, os direitos civis foram violados, a liberdade de expressão foi reprimida e a oposição política foi silenciada à força. O regime militar deixou um legado de repressão e violência que ainda reverbera na sociedade brasileira, afetando profundamente as instituições democráticas do país.
Em resumo, a história de Jânio Quadros é um reflexo das complexidades e contradições da política brasileira. Sua renúncia teve consequências profundas e duradouras, contribuindo para desencadear uma crise política que culminou no golpe militar de 1964. Seu legado é um lembrete dos perigos do autoritarismo e da instabilidade política, bem como da importância de uma liderança responsável e comprometida com os princípios democráticos.
Em última análise, a história de Jânio Quadros é um lembrete das complexidades e contradições da política brasileira, bem como das consequências imprevisíveis de escolhas políticas e atos controversos. Sua vida e sua carreira política são um testemunho das dificuldades enfrentadas por aqueles que buscam o poder, através de bravatas e conchavos, e da efemeridade do sucesso político.
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