21 Fevereiro 2024
Operações do governo Tarcísio de vingança em bairros pobres após morte de policiais prosseguem, apesar de denunciadas duas vezes na ONU pelas práticas de execuções e torturas; ‘é uma política de morte, não de segurança’, critica ouvidor das polícias.
A reportagem é de Catarina Duarte, publicada por Ponte, 20-02-2024.
A atual edição da Operação Escudo, do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), na Baixada Santista atingiu a marca de 29 mortes cometidas ao longo de 18 dias, desde o último dia 3. Com isso, a atual operação levou menos da metade do tempo para superar os números da Escudo realizada entre julho e setembro do ano passado, que levou 40 dias para matar 28 pessoas.
As Operações Escudo são ações organizada de vingança instituída pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) para intensificar o policiamento em determinadas regiões após a morte de policiais. Criticadas por moradores de bairros pobres e por ativistas de direitos humanos pelas práticas de execuções, torturas e ameaças, as operações já foram denunciadas duas vezes na Organização das Nações Unidas (ONU) e também na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Na tarde desta terça-feira (20/2), Alex Macedo Paiva, 30 anos, foi morto na comunidade Saboó, em Santos. Um familiar, que pediu para não ser identificado, contou à Ponte que Alex estava sozinho em casa no momento em que os policiais chegaram ao local. Vizinhos teriam relatado que Alex perguntou quem estava ali e se recusou a abrir a porta quando não houve resposta. Os PMs então teriam invadido o local e atirado contra ele.
Alex foi levado pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) a uma unidade de saúde, mas não resistiu. Segundo o familiar, ele vivia de bicos. O último trabalho foi na cozinha da pizzaria de uma parente. O serviço teve de ser interrompido há algumas semanas por uma questão de saúde. Alex estava com bolhas nos pés e mãos, o que dificultava a locomoção.
A Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) sobre a morte de Alex, mas não houve retorno.
Antes disso, policiais militares das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota), força especial da PM paulista, mataram na manhã de segunda-feira (19/2), no Morro do Tetéu, em Santos, litoral de São Paulo, um homem que não teve a identidade divulgada.
Neste caso, como nos demais, a SSP-SP voltou a afirmar que os policiais agiram em legítima defesa. Segundo a nota oficial, os PMs da Rota faziam um patrulhamento no Morro do Tetéu quando viram um homem com uma mochila. Ao ser abordado, ele teria sacado uma arma e entrado em luta corporal com os PMs, que atiraram e o atingiram. O nome dele não foi divulgado. A versão policial é contestada por moradores. Ao g1, duas testemunhas disseram que os policiais já chegaram ao Morro do Tetéu atirando. Na mesma ação, dois funcionários da empresa Geologus, contratada pela prefeitura para fazer serviços no Morro do Tetéu, foram baleados. Segundo a Prefeitura de Santos, as duas vítimas receberam atendimento médico e estão bem.
https://ponte.org/jovens-com-deficiencia-executados-ameacas-invasao-de-hospital-as-novas-denuncias-sobre-a-operacao-escudo/
“A Prefeitura lamenta profundamente que civis tenham sido feridos em operações policiais. O município de Santos continuará oferecendo todo o apoio e inteligência à Secretaria Estadual de Segurança Pública no combate ao crime na Cidade e região”, escreveu a Prefeitura em nota.
Um vídeo obtido pela Ponte registra o momento logo após a ação policial. Uma pessoa diz: “Balearam um talento, balearam dois trabalhadores”.
Para o ouvidor das polícias de São Paulo, Cláudio Aparecido da Silva, a estratégia adotada pelo governo Tarcísio não é uma política de segurança digna do nome. “Nós jamais vamos concordar com uma política de morte, de derramamento de sangue, que nada tem a ver com uma política de segurança pública ou com o conceito de segurança pública, o conceito de proteger e garantir segurança para as pessoas”, disse à Ponte.
“Esse tipo de postura faz exatamente o contrário. Gera insegurança, promove o medo e não colabora para que as pessoas tenham a sua cidadania respeitada e garantida”, afirmou o ouvidor.
A ação no Morro do Tetéu foi celebrada pelo secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite. No X, antigo Twitter, ele escreveu que os policiais reagiram de “maneira proporcional”.
https://ponte.org/operacoes-escudo-apos-mortes-de-pms-nao-protegem-policiais-nem-populacao-dizem-especialistas/
“Olá! Hoje, dia 19 de fevereiro, estou aqui com o comandante da Polícia Militar, Coronel Castro. Mais um dia de operações aqui na Baixada Santista. Uma data em que policiais da Rota infelizmente foram recebidos a tiros em uma comunidade em Santos, Caminhos das Pedras, próximo ao Morro do Tetéu e graças a Deus os policiais reagiram de maneira proporcional, neutralizando um indivíduo que estava com uma pistola glock com carregador estendido, grande quantidade de drogas apreendidas. Mais um combate ao crime organizado”, escreveu Derrite.
Operação Escudo, operação vingança
A primeira edição da Operação Escudo anunciada publicamente ocorreu entre julho e setembro de 2023, quando o soldado da Rota Patrick Bastos Reis, 30 anos, morreu após ser baleado em serviço no Guarujá, na Baixada Santista. Foi essa edição da Escudo que matou 28 pessoas em 40 dias.
As denúncias sobre violações praticadas pela Escudo não bastaram para impedir novas operações nos mesmos moldes. Em janeiro, os latrocínios da soldado Sabrina Freire Romão Franklin, 30 anos, e do tenente aposentado Paulo Marcelo da Silveira, 69, junto a outros três casos de violência contra policiais de folga, motivaram o anúncio pela Secretaria da Segurança Pública de mais quatro edições da Escudo. Uma para cada região onde cada PM foi vítima — em Santo André, na região sul da cidade de São Paulo, em Piracicaba e em Guarulhos.
“A instituição ressalta que as Operações Escudo são deflagradas todas as vezes nas quais criminosos atentam contra o Estado, por meio do ataque a policiais, e têm como objetivo reestabelecer a ordem pública e a sensação de segurança na comunidade local, além de identificar e prender os responsáveis pelas ações criminosas contra os agentes de segurança paulistas”, escreveu a SSP-SP em nota publicada no site da instituição no dia 19 de janeiro.
Contudo, foi a partir da morte do policial Marcelo Augusto da Silva, 28 anos, que a Operação Escudo voltou à Baixada Santista. O PM foi baleado na Rodovia dos Imigrantes, próximo a Cubatão, em 26 de janeiro. Marcelo integrava o 38º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M) de São Paulo, mas estava no litoral para atuar na Operação Verão (um tradicional reforço no policiamento do litoral durante os meses de dezembro, janeiro e fevereiro).
Em 2 de fevereiro, já com a Operação em vigor, o policial da Rota Samuel Wesley Cosmo, 35 anos, morreu após ser baleado em serviço, em Santos. O caso levou o secretário Guilherme Derrite a intensificar a presença policial na região. O gabinete da SSP-SP chegou a ser transferido para Santos em meio à escalada das mortes.
Enquanto a versão da secretaria era de confrontos, a Ponte ouviu familiares darem relatos que apontam para execuções. Em São Vicente, os familiares do catador de latinhas José Marques Nunes da Silva, 45 anos, disseram que ele implorou pela própria vida ao ser encurralado na casa em que vivia.
Já em Santos, os amigos de infância Leonel Andrade Santos, 36, e Jefferson Ramos Miranda, 37 conversavam na rua quando, segundo as famílias, foram mortos por policiais.
No mesmo município, os gritos dos familiares de Hilderbrando Simão Neto, 24, não impediram que ele fosse morto com o amigo Davi Gonçalves Júnior, 20. A dupla estava na casa de Hildebrando quando policiais sem mandado invadiram o local.
A mobilização mais recente pelo fim da Operação Escudo foi levada à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, em conjunto com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a Conectas Direitos Humanos e o Instituto Vladimir Herzog.
As entidades pedem que as organizações internacionais cobrem do Estado brasileiro respostas sobre as mortes e ações na Baixada Santista e que haja responsabilização dos envolvidos.
Derrite tem dito que as mortes atuais são decorrentes não da Escudo, mas da Operação Verão, que acontece tradicionalmente no período de férias no litoral paulista. Porém, em coletiva de imprensa, o secretário admitiu que o modus operandi é o mesmo da Operação Escudo.
A Ponte procurou a SSP-SP com questionamentos sobre a morte ocorrida na segunda-feira (19) e também sobre o balanço da Operação Escudo. Em nota, a secretaria deu uma versão de confronto entre os policiais e a vítima. Já sobre a operação (a qual a SSP chama de Operação Verão), foi confirmado o número de mortos e informado que 706 pessoas foram presas.
Abaixo, a íntegra da nota.
Um foragido da Justiça morreu após entrar em confronto com policiais militares na tarde desta segunda-feira (19), no Morro São Bento, em Santos. Policiais faziam patrulhamento pela região quando viram o suspeito com uma mochila. Ao ser abordado, o suspeito sacou uma arma e entrou em luta corporal com os policiais, que atiraram e o atingiram. Ele foi levado ao pronto-socorro, mas não resistiu. Na mochila que ele carregava havia grande quantidade de entorpecentes, celulares e balança de precisão. A arma que ele usava tinha sido roubada de um policial militar. O homem cumpria pena por tráfico de drogas e estava foragido desde de janeiro de 2022 , após não retornar da saída temporária de fim de ano.
Durante a Operação Verão na Baixada Santista, iniciativa voltada ao combate à criminalidade e a garantia da segurança da população, 706 criminosos foram presos, incluindo 261 procurados pela Justiça. Além disso, foram apreendidos 179,3 quilos de drogas e 81 armas ilegais, incluindo fuzis de uso restrito. Até o momento, 28 pessoas morreram em confronto com a polícia, entre elas o líder de uma facção criminosa envolvida com o tráfico internacional de drogas, lavagem de dinheiro, tribunal do crime e atentado contra agentes públicos.
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Operação Escudo é operação vingança: duas vezes mais mortal, operação supera na Baixada santista marca de mortes da anterior na metade do tempo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU