14 Junho 2023
"Do ponto de vista da fé cristã, a fome é uma agressão aos irmãos e irmãs, é uma falta de amor ao próximo que está sofrendo, é um pecado ecológico. Podemos chamar isso de pecado socioambiental, já que afeta a vida dos que cuidam da terra, bem como a vida do meio ambiente", escreve Adriano Luís Hahn, S.J., membro do Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental - SARES.
Conforme a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), são quatro as principais causas da fome no mundo: “conflitos armados, choques climáticos, choques econômicos e choques sanitários”, que funcionam de forma interligada em várias regiões do mundo, formando uma espécie de “tempestade perfeita” (GlobalVoices, 2022).
No Brasil, são 61,3 milhões de pessoas sobrevivendo com algum grau de insegurança alimentar. Isto significa que o direito à alimentação está sendo violado. Pois de acordo com a definição da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), Lei n. 11.346, de 15 de setembro de 2006, segurança alimentar é:
“Realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis”. (LOSAN, 2006).
As recentes notícias da situação dos Yanomami é um caso emblemático, pois reflete parte ou muitas das dificuldades vividas por diversos povos indígenas no Brasil. No caso específico dos Yanomamis, a tragédia humanitária salta aos olhos: morreram de fome – ou em decorrência do mercúrio usado pelo garimpo ilegal -, nos últimos quatro anos, cerca de 570 crianças. Além disso, mais de 5000 (cinco mil) passam fome ou estão subnutridas (Radioagencianacional, 2023).
A fome e a desnutrição indígena está relacionada com o processo histórico de seus territórios e na inter-relação de diferentes fatores e causas. Se em outras épocas não havia fome, algo aconteceu para que se chegasse à situação recente.
As lideranças indígenas apontam como causa central de tudo o que está ocorrendo no território Yanomami o garimpo ilegal - que busca ouro e cassiterita - com suas diversas consequências (CNBB, 2023).
Houve uma progressiva invasão dos territórios indígenas por grupos externos, principalmente garimpeiros, em várias áreas da Amazônia. Só em 2021 ocorreram 305 casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio”, afetando 226 terras indígenas no Brasil (CIMI, 2022).
Essa ocupação impactou negativamente diferentes aspectos da vida dos indígenas, entre os quais, a diminuição das áreas de cultivo de alimento.
Com menos território e a ocupação do espaço por invasores, a capacidade de produzir alimentos foi diminuindo. Além disso, o controle do território por agentes vindos de fora, em grande medida, afetou a livre circulação para outras áreas, antes usada pelos indígenas. As práticas do garimpo, como pode ser visto em diversas reportagens e imagens, amplamente divulgadas pela mídia, deixaram um lastro de destruição ambiental imenso, afetando o conjunto da vida dos indígenas, entre as quais a segurança alimentar.
A demora de uma ação efetiva por parte do Estado, no sentido de agir para expulsar os invasores, garantindo o direito indígena sobre o território, é outro aspecto a ser aprofundado. Sobre a vigilância do Ibama – principal órgão do governo para combater crimes ambientais -, dados mostram uma diminuição significativa de 55% de fiscais ao longo de dez anos: em 2010 eram 1311 fiscais; em 2020 eram apenas 591 fiscais em atuação (Estadão, 2020).
Do ponto de vista da fé cristã, a fome é uma agressão aos irmãos e irmãs, é uma falta de amor ao próximo que está sofrendo, é um pecado ecológico. Podemos chamar isso de pecado socioambiental, já que afeta a vida dos que cuidam da terra, bem como a vida do meio ambiente. É uma relação enferma do ser humano com a natureza e com seus irmãos, pois o ouro jamais está acima da vida dos seres humanos.
A alimentação é um direito social, estabelecido na Constituição brasileira (Art. 6), bem como na Declaração Universal dos Direitos Humanos (Art. 25). O direito formal não basta por si mesmo se não há práticas concretas para enfrentar a questão.
Os resultados positivos no combate à fome e à miséria através de políticas públicas no Brasil, conforme indicadores que abrangem os anos 2004 a 2013 – reduzindo a fome de 9,5% para 4,2% -, mostram a importância do comprometimento do Estado e do governo nessa luta e no enfrentamento de outras carências sociais. (GlobalVoices, 2022).
Para o caso específico dos povos indígenas, as políticas públicas são fundamentais. É preciso garantir alimentação suficiente, mas também segurança e proteção dos territórios indígenas contra invasões futuras. Só no caso do território Yanomami foram mais de 20.000 (vinte mil) garimpeiros levando “doenças, violência e fome” aos indígenas, resultando numa grave crise humanitária (Diário do Comércio, 2023).
Neste sentido, a fiscalização contínua e a ação imediata dos órgãos do Estado são importantes para que o direito ao alimento, à saúde, à inviolabilidade do território dos indígenas sejam assegurados.
Brasil de volta ao mapa da fome
Relatório Violência contr os povos indígenas 2021 - Cimi
Cinco mil indígenas passam fome
Governo prepara força tarefa para expulsar garimpeiros
Segurança alimentar e nutricional
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A fome de nossos irmãos e irmãs povos indígenas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU