09 Mai 2023
"Por ter proclamado o ano da libertação na sinagoga do seu país, Jesus arriscou-se a ser jogado de uma montanha e, por ter proclamado 'o ano da graça do Senhor', foi posto à morte por quem sabia muito bem o que deveria significar", escreve Marinella Perroni, biblista e fundadora da Coordenação de Teólogas Italianas, em artigo publicado por Donne Chiesa Mondo, maio de 2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Por muito tempo nos perguntamos até que ponto Jesus de Nazaré e o movimento dos discípulos que o seguiam se relacionavam com a ordem estabelecida de forma semelhante a outros grupos marginais e subversivos da época, que representavam uma das possíveis reações à situação de injustiça e sofrimento a que o jogo de insanas alianças entre grupos judeus dominantes e ocupantes romanos condenava o povo de Israel. Afinal, seus seguidores mais próximos incluíam um ou talvez até mais "zelotas", defensores da independência política do Reino de Judá, que os romanos consideravam terroristas ou criminosos comuns.
Uma sequência do musical Jesus Cristo Superstar teve o mérito de expressar melhor a questão. Em um diálogo imaginário com Jesus, já encaminhado rumo à sua paixão, Judas grita, com dor e raiva, toda a sua perplexidade porque ele passará à história como o traidor, mas, na realidade, é ele quem foi traído. Não foi justamente Jesus quem se apresentou como aquele que teria cumprido as expectativas messiânicas, restituído a paz e a liberdade a Israel, restaurado finalmente a justiça?
E as bem-aventuranças não deram esperança de que o Deus do Reino finalmente reconstituiria o povo na justiça? Quando vi o musical em sua versão cinematográfica os espectadores na sala acompanharam o final do desesperado monólogo de Judas com um longo e libertador aplauso. Não resulta claro dos Evangelhos se o próprio Jesus tenha entendido e vivido a sua missão também como um projeto político, mas também é verdade que foram escritos quando a fé no Ressuscitado já se difundia como uma instância essencialmente religiosa.
Não há dúvida, no entanto, que Jesus é condenado à morte sob a acusação de subversão e sobre sua cruz está uma tábua na qual Pilatos escreveu uma sentença de morte que é nitidamente política. E não é por acaso que, sempre que intervém em questões de relevância social, Francisco deve se defender contra acusações de pretenso "marxismo": em todas as épocas a anunciação do Evangelho também teve implicações políticas.
Para nos orientarmos em uma questão que sempre foi disputada, devemos voltar à cena que, segundo o evangelista Lucas, representa o início do ministério público de Jesus. Quando, na sinagoga de sua aldeia, Nazaré, Jesus atribui a si mesmo as palavras com as quais o profeta Isaías havia descrito o advento da era messiânica: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor" (Lucas 4,18-19; cf. Isaías 61,1-2).
Como Jesus pode afirmar “Hoje se cumpriu essa Escritura que vocês ouviram" se depois, efetivamente, depois de sua morte mesmo aqueles que creram nele vivem na mesma situação de antes, os pobres, os doentes e os oprimidos continuam a ser e o único prisioneiro que foi libertado é somente Barrabás? Qual é o valor de termos como liberdade-libertação? Em suma: aquele "Reino" cuja vinda iminente Jesus anunciou com força, não é apenas uma piedosa aspiração desprovida de repercussões sobre a vida social e política do seu povo?
A questão da libertação dos presos, além disso, só pode deixar perplexos: afinal, na longa tradição cristã as intervenções sobre os pobres, os doentes, os oprimidos encontraram sua própria tradução moral naquelas que foram chamadas de “obras de misericórdia corporal”, mas não é um caso que, no que diz respeito aos presos, a transposição soa como “visitar os presos”, com certeza não os libertar!
O oráculo do profeta Isaías confere perspectiva messiânica a duas instituições com as quais Israel tentou conter o aumento da pobreza e do encarceramento de devedores inadimplentes, aumento devido à passagem da época das tribos em que a igualdade social reinava, para aquelas posteriores dominadas por uma crescente desigualdade: o ano sabático e o ano jubilar. Cada sétimo e cada quinquagésimo ano devia ser caracterizado, pelo menos idealmente, por um descanso da terra, cujos frutos deveriam ser deixados para os pobres, e por uma anistia que comportava a libertação dos prisioneiros escravizados por dívidas.
Assim como o sábado devia lembrar que o tempo e, portanto, a criação, pertence a Deus, assim o ano sabático devia reconduzir Israel ao fundamento de sua fé, isto é, ao reconhecimento de que a terra pertence a Deus e libertar o povo das escórias da história. Para o profeta Isaías, essa idealidade finalmente teria sua plena realização com o advento da era messiânica e para Jesus precisamente a sua pregação do Reino principiava o início do grande e definitivo jubileu.
Desde a Idade Média, a tradição cristã retomou o costume dos jubileus transpondo, porém, as práticas para o plano da conversão interior e dos empenhos devocionais. É discutido se e em que medida Israel tenha alguma vez respeitado a instituição jubilar. Certamente quando, por ocasião do grande jubileu do ano 2000, João Paulo II repetidamente pediu aos países ricos que perdoassem a dívida que impede a libertação dos países pobres da escravidão, ninguém quis ouvir. Por outro lado, por ter proclamado o ano da libertação na sinagoga do seu país, Jesus arriscou-se a ser jogado de uma montanha e, por ter proclamado "o ano da graça do Senhor", foi posto à morte por quem sabia muito bem o que deveria significar.
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Libertação e liberdade. As palavras messiânicas de Isaías, Jesus, os Jubileus. E o Papa Francisco. Artigo de Marinella Perroni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU