"Nos momentos mais difíceis da vida, eles percebem que a consolação e a coragem para seguir em frente só podem ser encontradas no amor de Deus e no amor ao próximo", escreve Filomena Fabri, teóloga italiana, especialista em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma. A tradução é de Janaildes Maria dos Santos.
Prezados irmãos e irmãs em Cristo,
O tempo da Quaresma apresenta-se sempre como um momento forte para a vida cristã. Acolhamos este tempo de graça que começou no dia das cinzas sagradas por meio do sinal especial nas nossas cabeças acompanhado das palavras do sacerdote: "Convertei-vos e credes no Evangelho".
A liturgia nos convida a erguer o olhar para Deus e a abandonar a lógica de que não há mais esperança para mudarmos de vida. Somos convidados a aprofundar a beleza contida no dom que Cristo fez de Si mesmo para deixar que a Sua salvação tocasse realmente as nossas vidas, tantas vezes aprisionada pelo peso das nossas culpas.
Queremos, portanto, viver juntos este tempo de luz, fazendo nossa a proposta das bem-aventuranças, para que elas nos lembrem que é possível alcançar uma vida mais bela junto ao Senhor.
Aqueles que choram. A bem-aventurança das lágrimas é uma referência a Isaías 61,1-3, onde se associa a categoria dos pobres e a dos que sofrem:
O espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu. Enviou-me para levar a boa nova aos pobres, para curar os de coração quebrantado, proclamar aos cativos a libertação, aos encarcerados a liberdade; para proclamar o ano do agrado do Senhor, o dia da vingança para o nosso Deus; para consolar todos os que estão tristes, para levar aos que choram em Sião uma coroa em vez de cinzas, óleo de alegria em vez de roupas de luto.
O anúncio de Isaías é relido como promessa a favor de quem chora por todo tipo de situação e espera a consolação de Deus.
Eles serão consolados. A consolação divina consiste no poder que Deus tem de transformar a condição de tristeza em alegria. Jesus revela a compaixão de um Deus que não é indiferente às lágrimas dos seus filhos, mas se envolve, enxuga as lágrimas dos seus rostos com sua presença. Torna-se também visível no rosto de quem se deixa transpassar o coração pela dor alheia e não lhe fica indiferente. Num mundo onde o choro é rejeitado porque preferimos ignorar todas as situações dolorosas, o Evangelho recorda-nos a realidade da vida. É indispensável ver as coisas como realmente são, porque a dor atinge inevitavelmente a vida.
São muitas as lágrimas no mundo, mas nenhuma delas é esquecida por Deus, e por aqueles que acreditam no seu amor! Nas profundezas de uma lágrima, diferentes emoções e sentimentos podem ser encontrados. Quem tem fé, no momento das lágrimas pode recuperar a capacidade de entrar no coração e encontrar a consolação de Deus. O coração humano, de fato, se cobre de beleza até nas lágrimas! Os cristãos conhecem bem esta condição: nos momentos mais difíceis da vida, eles percebem que a consolação e a coragem para seguir em frente só podem ser encontradas no amor de Deus e no amor ao próximo.
Os mansos. Este anúncio das bem-aventuranças, que tem como protagonistas os mansos, remete ao Salmo 36,11 na versão da LXX: "Os mansos herdarão a terra e gozarão de grande paz". A bem-aventurança da mansidão invoca uma qualidade semelhante à dos pobres de espírito. É outra expressão da pobreza interior, pois reflete a beleza de dar espaço a Deus na própria vida e acolher também o próximo. A mansidão caracteriza a personalidade do próprio Jesus, que se declara manso: "Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração" (Mt 11,29). Em Jerusalém, onde será traído e morto, Jesus apresenta uma realeza que não se manifesta no sinal do poder, mas da mansidão (cf. Mt 21,5). São Paulo, na Carta aos Gálatas, afirma que a mansidão é fruto do Espírito Santo: "O fruto do Espírito, porém, é: amor, alegria, paz, a paciência, amabilidade, bondade, lealdade, mansidão, domínio próprio" (Gal 5,22).
Eles herdarão a terra. Manso é aquela pessoa capaz de uma aceitação madura, porque sabe relacionar-se com os outros com serenidade e simplicidade. Uma espécie de "ímã humano" a pessoa mansa, sua herança é a terra! Mas há mais. A pessoa mansa tem coragem de se posicionar diante dos acontecimentos de sua vida: sua batalha é proteger o bem! Com efeito, no Salmo 45 lemos: "Carruagem em defesa da verdade, da mansidão e da justiça" (Salmo 45,5). O manso está sempre em busca da experiência da misericórdia de Deus Pai que liberta o coração da necessidade de se defender dos outros e o impulsiona a dar a outra face: não participa do mal com mais mal! Manso, então, é aquele que não escolhe o embate com os outros, mas prefere a linguagem do amor que se faz no diálogo, mesmo quando essa ação lhe exija mais esforço. A mansidão é a garantia da paz que se guarda a partir do coração! Um legado não indiferente ao de uma pessoa mansa, porque centrado no que é verdadeiramente precioso para a vida de todos: preservar e aumentar a paz no seio das relações humanas.
Aqueles que têm fome e sede de justiça. Um tema central no Evangelho de Mateus é precisamente o da justiça. Não só equivale à justiça social, mas diz respeito a um atributo divino: a misericórdia. Deus é justo e espera misericórdia do homem, mas muitas vezes testemunha a opressão e a violência. Jesus declara bem-aventurados os que vivem a paixão pela justiça entendida como amor pela verdade. A expressão “fome e sede de justiça” evoca as necessidades primárias da vida humana, aquelas ligadas ao instinto de sobrevivência. Jesus diz que ficarão satisfeitos, porque a sua fome e sede de justiça é expressão daquilo que mais desejam no seu coração: a verdadeira comunhão com Deus e com o próximo.
Eles serão saciados. Este é o objetivo que esses famintos por Deus procuram alcançar de todo o coração. Trata-se, portanto, de colocar tudo nas mãos de Deus, inclusive as injustiças sofridas. Trata-se de estar sempre do lado dos mais fracos, dos oprimidos, dos perseguidos por causa da justiça. A bem-aventurança destas pessoas está ligada à confiança na intervenção de Deus que se inclina sobre elas para saciar esta fome ardente de justiça que resulta no crescimento da comunhão fraterna. Trata-se, portanto, de uma justiça que supera aquela que o mundo busca, porque não busca seus próprios interesses e não se deixa manipular pela corrupção. A justiça de que fala o Evangelho começa a realizar-se quando se é justo nas próprias decisões e escolhas. Bem-aventurados os que procuram esta justiça, felizes por se encontrarem na fidelidade de Deus em todas as circunstâncias da vida.
Os misericordiosos. A misericórdia tem dois aspectos e são eles que o evangelista Mateus sintetiza citando estas palavras de Jesus: "Tudo, pois, quanto quereis que os outros vos façam, fazei-o, vós também, a eles" (Mt 7,12). Dar e perdoar, dois verbos que recordam a perfeição de Deus, que dá e perdoa sem limites. Com efeito, no Evangelho de Lucas, lemos: "Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso. Não julgueis, e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados, perdoai e sereis perdoados. Dai e vos será dado: uma medida boa, calcada, sacudida e transbordante será colocada no vosso colo, pois com a medida com que medirdes, será medido para vós" (Lc 6,36-38). Uma medida que não estabelece um limite, mas que de fato usamos para entender até que ponto indecifrável Deus ama e perdoa.
Eles encontrarão misericórdia. Os misericordiosos são aqueles que encontram no amor o único caminho para a verdadeira vida. Ao descobrir a atenção ao outro, o misericordioso excede-se na proximidade que atinge o ápice de seu esplendor no perdão. Abrir-se ao outro na dimensão do perdão é oferecer-lhe a possibilidade de uma vida nova. Isto aos olhos de Deus é mais precioso do que muitos gestos de observância religiosa! A misericórdia é o atributo divino que a Escritura conjuga com a justiça e celebra sem fim os seus louvores porque Deus não se cansa de intervir concretamente a favor do seu povo, como lemos no Salmo 118 e no Salmo 136. Os misericordiosos têm apenas um interesse: promover os outros para revesti-los do amor fraterno, aquele mesmo amor recebido do Pai. A pessoa misericordiosa traz dentro de si o sorriso de Deus e manifesta este coração sorridente de Deus através dos seus olhos brilhantes e do seu coração palpitante de ternura.
Os puros de coração. Jesus não se refere às leis de pureza ligadas ao culto judaico, mas a um traço interior da vida humana, espiritual. Os puros de coração não são os que vivem buscando a pureza externa, mas os que cuidam da esfera dos sentimentos. O coração não é apenas um órgão que serve para garantir o batimento da vida biológica do homem, mas é também o lugar onde nascem todas as resoluções do homem, como lemos no Evangelho de Mateus: O que sai da boca, porém, vem do coração, e isso é que torna alguém impuro. É do coração que saem as más intenções: homicídios, adultérios, fornicações, roubos, falsos testemunhos, blasfêmias" (Mt 15,18-19). Um coração que não abriga ambiguidades e duplicidades, mas que acolhe a verdade e, portanto, vive sua vida com transparência e coerência, é um coração que pode ver Deus.
Eles verão a Deus. Não se trata de uma promessa feita apenas para o futuro, mas algo que diz respeito principalmente ao presente. Um coração puro já pode desfrutar da beleza da amizade com Deus na terra, porque pode vê-la em tudo que vive além da esfera física. Um coração puro sabe amar e não permite nada em sua existência que ameace o amor que tem seu fundamento em Deus. não é verdadeiro e autêntico. Nas intenções do coração, portanto, se originam os desejos e as decisões mais importantes da vida. Manter o coração puro é deixar que o coração não se contamine com mentiras, mas brilhe na luz transparente da verdade.
Os pacificadores. São aqueles que trabalham concretamente pela paz "sujando as mãos" para minar as estruturas de poder que se alimentam da adversidade e aumentam os conflitos de todo tipo. A paz não é apenas um dom divino, como lemos nas páginas do livro de Números 6,26, mas também uma responsabilidade humana! Através do seu empenho, o homem pode criar as condições para fomentar a paz e conservá-la. De fato, um pacificador usa o tempo de que dispõe para semear sempre o bem.
Eles serão chamados filhos de Deus. Quem investe seu tempo e energia pela paz é chamado de "filho de Deus", prerrogativa daqueles que também amam seus inimigos e rezam por seus perseguidores. A paz encontra então o seu lugar entre a justiça e o perdão. Só quem está vestido de paz age com justiça e pode perdoar, evite dizer tantas maldades que só geram julgamentos destrutivos que não edificam nada nem ninguém. Pacificadores são promotores da paz! Vivem profundamente a sua dimensão de filhos de Deus porque se reconhecem irmãos de todos os que encontram no mundo! Reconhecemos um pacificador quando vemos seu empenho em criar unidade, em sua capacidade de fazer amizade também com aqueles que estão distantes da fé. Muitas vezes não é fácil construir a paz ou mesmo mantê-la, porque se deparam com tantas dificuldades que exigem uma constante abertura da mente e do coração. No entanto, um artesão da paz não desanima, porque a paz não está apenas perto do seu coração, mas é parte integrante da sua pessoa! Uma pessoa cheia de paz é serena, criativa, sensível e pronta para ativar processos contínuos de bem na sociedade.
Os perseguidos por justiça. Uma bem-aventurança com o tema da justiça em um contexto de perseguição. A busca por justiça esbarra inevitavelmente na perseguição, que assume o papel de oposição violenta. Os perseguidos por causa da justiça sempre encontram aqueles que são hostis à lei de Deus e se opõem a ela. A perseguição, então, é uma constante na vida daqueles que servem de todo o coração e buscam a justiça. Os perseguidos são aqueles que não se entregam ao dinheiro, não caem na armadilha da corrupção mafiosa, não cedem a todas aquelas formas de poder que querem suprimir a justiça. Perseguidos porque se dedicam à construção de um mundo melhor, para que o egoísmo não prevaleça e a luz da verdade não se apague, a harmonia das relações humanas não sofra a desordem da injustiça.
Deles é o reino dos céus. A caminhada evangélica vai contra a maré, porque é formada por pessoas que com suas vidas questionam a sociedade com suas escolhas. As apostas são altas: salvar a vida de uma mediocridade obscura, preferir o Evangelho no tecido da própria existência, a alegria do reino dos céus já da varanda terrena. As perseguições não dizem respeito apenas a uma realidade do passado, porque também hoje existem muitos mártires que são falsamente caluniados e perseguidos apenas porque sua posição firme à escolha do Reino os leva a serem inconvenientes para os assuntos do mundo. No entanto, Jesus afirma que há bem-aventurança precisamente quando "mentindo, disserem todo mal contra vós por causa de mim" (Mt 5,11). Acolher o caminho do Evangelho todos os dias, apesar de nos causar problemas, não é só bem-aventurança e, portanto, alegria, mas também santidade!