23 Dezembro 2022
“Esses momentos de crises e catástrofes também podem ser oportunidades para transformar nossos corações. Deus pode estar nos chamando para um relacionamento novo e mais profundo com nossos vizinhos, a terra e com Deus mesmo que ainda não entendemos. O novo pode ser assustador. Em minha própria jornada, tenho lutado para confiar em Deus quando a vida está uma bagunça, quando a estrada parece desconhecida. Por isso precisamos cuidar uns dos outros”, escreve o frei franciscano Tyler Grudi, jornalista e estudante de Teologia, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 21-12-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Comecei a fazer jardinagem no noviciado como forma de passar o tempo durante a pandemia. Eu morava em Old Mission Santa Barbara e, no sul da Califórnia, onde é possível cultivar o ano todo. Comecei com feijões sem saber bem no que estava me metendo. Vagens secas pendiam de vinhas velhas por toda a propriedade, e decidi debulhá-las e plantar as sementes roxas salpicadas encontradas dentro.
Eu não sabia muito sobre como começar um jardim, então pedi conselho a um irmão “green thumb” (“polegar verde”, em tradução literal, mas que se refere a um “bom jardineiro”). O irmão Franklin, um botânico especialista em sua aposentadoria, disse-me: “Não se esqueça de regar as sementes quando as plantar pela primeira vez. Você deve dar-lhes muita atenção no início. Afinal, você está pedindo muito deles”.
“O que você quer dizer?”. Eu respondi com um sorriso confuso. Franklin sorriu segurando as grandes sementes na mão e disse: “Quando você planta uma semente, está pedindo a ela que desista de sua vida como semente! Isso é uma grande coisa para se perguntar”.
Nunca pensei em jardinagem dessa maneira. A jardinagem sempre pareceu serena e de baixo risco. Mas, como logo aprendi, cultivar plantas a partir de sementes nem sempre sai do jeito que você deseja. Das seis sementes que plantei originalmente, apenas três brotaram e dessas três plantas apenas uma floresceu.
Fiquei estressado com a responsabilidade de manter essas plantas vivas, de honrar o sacrifício das sementes: a mudança dramática que a forcei a passar. Muita coisa pode acontecer com uma semente quando ela é plantada pela primeira vez. Pode ser arrastado por fortes chuvas. Os animais podem vir e decidir roubá-lo para um lanche rápido. Algumas sementes nunca se tornam plantas.
A jardinagem não estava se tornando o passatempo tranquilo que eu pensava que seria. Subestimei o cuidado e a perseverança necessários para cuidar de um pequeno jardim.
E se as sementes precisam ser nutridas para crescer, o que dizer das pessoas? As leituras da quarta semana do Advento recordam-nos que o caminho para Belém nem sempre foi tranquilo.
A solteira Maria volta para casa depois de visitar sua prima e está grávida. Não querendo envergonhá-la, José silenciosamente se divorcia dela. Tenho certeza de que na pequena cidade de Nazaré as pessoas poderiam estar sussurrando todo tipo de fofoca sobre a mãe solteira. O que Maria deve ter sentido naqueles momentos, sendo julgada e isolada em sua própria comunidade, por seu noivo? Tendo que cuidar desse novo bebê sozinha? Imagino que esse período de mudança na vida de Maria possa ter sido pesado e assustador.
José deve ter ficado chateado e frustrado a princípio com essa reviravolta. Ele provavelmente não esperava que sua esposa voltasse grávida antes do dia do casamento. Apesar do desconforto e da ansiedade, Deus usa esse momento para transformar o coração de José. Por meio de um anjo, Deus assegura a José a presença do Espírito Santo mesmo em meio à turbulência. A resposta de José ao cuidar de Maria é imediata.
Em nossos tempos, enfrentamos inúmeras crises: incêndios florestais, furacões, desastres naturais e provocados pelo homem. É fácil ficar sobrecarregado com as catástrofes ou desafios inesperados que muitos de nós enfrentamos. A mudança, especialmente quando drástica e fora de nosso controle, pode ser como uma pequena morte.
Mas esses momentos também podem ser oportunidades para transformar nossos corações. Deus pode estar nos chamando para um relacionamento novo e mais profundo com nossos vizinhos, a terra e com Deus mesmo que ainda não entendemos. O novo pode ser assustador. Em minha própria jornada, tenho lutado para confiar em Deus quando a vida está uma bagunça, quando a estrada parece desconhecida. Por isso precisamos cuidar uns dos outros.
Nenhum de nós ganha vida com um roteiro. Ganhamos vida como meus feijões, saindo de sua concha confortável, encontrando terreno desconhecido, lutando para alcançar a luz.
A Boa-Nova é que Deus já esteve aqui antes também. Deus vem até nós nesta época de promessa como um bebezinho, uma criança muito pequena e frágil para cuidar de si mesma. E nosso Evangelho nos assegura que, mesmo em meio às marés mutáveis e fardos pesados da vida, Deus é “Emanuel” – Deus está conosco.
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Um jardineiro reflete sobre a promessa do Advento: Deus está conosco, mesmo quando a vida está confusa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU