13 Dezembro 2022
"A Pastoral Urbana, onde está contida a maior concentração de todas as pastorais não deve buscar a pretensão de querer mudar as pessoas, a princípio nossa tarefa, consiste em acolhê-las e permitir que as pessoas sejam aquilo que são", escreve Leônidas Inácio Felix, licenciado em Filosofia pela Faculdade São Bento da Bahia, bacharelando do 4° Ano em Teologia pelo Centro Universitário Católico de Quixadá, CE e Pós-graduando (Latu Senso) em Teologia Pastoral pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, em Belo Horizonte.
Ao considerar que o mundo urbano tem muitos desafios, escolhemos abordar a respeito da interioridade a partir do âmbito pastoral. Aqui é importante notar que este caminho da busca interior precisa acontecer no campo pastoral de forma mais respeitosa. Atualmente enfrentamos a vida sobrevoando o terreno da incerteza, ainda assim o ser humano necessita fazer as suas escolhas, inclusive quando esta exige decisões definitivas. Neste sentido, cada indivíduo, apesar dos contratempos que a vida oferece, necessita construir uma identidade interior.
No século XXI, percebe-se cotidianamente a velocidade das coisas, parece que as notícias chegam antes do que os acontecimentos, onde o mundo físico se mistura ao mundo digital, às vezes, somos inclinados aproximar quem está distante e nos distanciamos daquele que está ao nosso redor. Em contrapartida, é neste espaço digital, onde uma grande parte dos seres humanos habitam, aprendem, partilham e convivem. Um lugar que aparentemente não poderia oferecer conviviabilidade, agora torna-se um ambiente oportuno, no qual cada um de nós expressa aquilo que naturalmente consegue ser.
Neste desafio chamado interioridade sofremos em determinados ambientes, a cada dia, sentimos que falta apoio, às vezes, até da nossa família, dos amigos e, em geral, tudo se mostra difícil. Neste dilema, vemos claramente uma lacuna, um vazio na Igreja. Vivemos alicerçados em crendices mediante determinadas ilusões. Diante deste contexto, a Pastoral precisa descobrir o que de fato o povo precisa e, ainda mais, uma das grandes dificuldades consiste em que não sabemos o que oferecer, logo, a nossa oferta está fracassada. Faz-se necessário recuperar a dimensão mistagógica: conduzir o outro para dentro do mistério.
A tarefa a ser implantada na Pastoral deve-se fundamentar no exemplo do próprio Cristo. A bíblia narra que Jesus toma a iniciativa de ir à casa de Mateus. Um simples cobrador de impostos, seu trabalho resumia-se a prestar serviços a um opressor. Dessa maneira, era comum um cobrador de impostos cobrar além daquilo que era estabelecido, uma espécie de propina, na linguagem de hoje. Naquele ambiente onde parecia impossível chegar a graça santificadora, o Senhor expressa: “Hoje eu devo ficar na tua casa” (Lc 19,5b). Fica evidente, que Jesus se prontifica a estar na casa de um pecador, procura participar da vida dele do jeito que ele é. Vale notar que segundo o texto Jesus apenas chega a sua casa, não exige absolutamente nada da sua parte. Por outro lado, ao sentir-se amado e acolhido pelo próprio Senhor, Zaqueu toma a decisão de partilhar os seus bens com os pobres. Como consequência, sua atitude é reconhecida pelo Mestre: “Hoje aconteceu a salvação para esta casa” (Lc 19,9). Fica evidente, que ao acolher o outro sem nenhuma pretensão, apenas reconhecemos que mediante a sua pessoa também a graça de Deus pode atuar, logo, a proposta do Evangelho ocorre de forma espontânea, não mediante uma imposição, pelo contrário, é preciso apresentar a beleza que se tem mediante a Boa Nova e, a partir daí, deixar que a pessoa tome a iniciativa para acolhê-La.
A Pastoral Urbana, onde está contida a maior concentração de todas as pastorais, uma vez que esta envolve a Pastoral dos Sacramentos, Pastoral da Juventude, Pastoral da Criança e tantas outras, não deve buscar a pretensão de querer mudar as pessoas, a princípio nossa tarefa, consiste em acolhê-las e permitir que as pessoas sejam aquilo que são. Em seguida, precisamos apresentar a proposta evangélica mediante a pessoa de Jesus de Nazaré. Daí decorre que pela força do Espírito Santo, naturalmente cada um também precisa abrir-se a graça de Deus, a fim de que à luz da Palavra divina, possa atingir cada coração e transformá-lo cada crente a tal ponto de conformar-se com o Evangelho. Naturalmente que este esforço deve ser acompanhado de nosso testemunho de vida, o qual necessita estar em plena sintonia com a vida e os atos de Jesus Cristo.
A vida de cada cristão precisa ecoar o rosto de Cristo pobre, crucificado e ressuscitado. Com este entusiasmo faz-se necessário que nossos movimentos pastorais trabalhem a importância da Pastoral da acolhida, como também a Pastoral da Escuta. Para exemplificar este passo que trata da acolhida, vale ressaltar a experiência de Agostinho de Hipona. Sentindo-se inquieto e atraído pela Beleza Suprema, que é o próprio Deus, reconhece que foi a iluminação divina que o trouxe para vivenciar o autêntico sentido de sua vida, em suas palavras: “Aconselhado voltar a mim mesmo, recolhi-me ao coração, conduzido por Vós. Pude fazê-lo, porque Vos tornastes meu auxílio” (CONFISSÕES, VII, 10). Em outras palavras, é o próprio Senhor que nos conduz para estar ao seu lado, aliás, Ele mesmo nos interpela para caminhar, basta simplesmente que estejamos atentos à sua voz.
Todas as vezes que fazemos pastoral é preciso tomar consciência que o condutor é sempre o Espírito de Deus, nós apenas somos instrumentos em suas mãos. Diante dos desafios que a pastoral nos interpela ou se o nosso jeito de evangelizar não estar atraindo nem motivando os demais, estar na hora de rever o nosso jeito de evangelizar, inclusive repensar o caminho da interioridade. Este lugar que não vincula-se a uma realidade concreta, pelo contrário, o lugar que necessita ser cuidado consiste no ser de cada pessoa, o caminho interior trilhado por Agostinho, conforme mencionamos, a via escolhida por Francisco de Assis, Madre Teresa de Calcutá e tantos outros que são modelos de santidade para nós. Tal percurso onde a pessoa possa ir ao encontro de si mesma e descobrir-se importante, um ser que importa e, de fato, este ser merece respeito e dignidade.
A pessoa perante Deus é o que é ou aquilo que ela consegue ser, uma vez que diante do Pai misericordioso nada se esconde aos seus olhos. Em nenhum momento a proposta evangelizadora de Jesus aparece como um ato de imposição. Nas suas andanças pela Palestina sempre mostrou que seu projeto de vida vai além de uma condição humana. Quando não há clima, ela usa de estratégias para ir ao encontro da pessoa e inclusive trabalha para curar os corações feridos, caso seja necessário. É diante da pessoa de Jesus de Nazaré que cada pessoa consegue emendar a sua vida e, naturalmente, quando este irmão coloca-se a disposição para reconstruir o seu caminho da interioridade, estar buscando encontrar o próprio Senhor que habita em nós.
AGOSTINHO, Santo. Confissões. Trad. J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina. 28ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes: Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2015 (Coleção Pensamento Humano).
___________O Mestre. Trad. Agustinho Belmonte. São Paulo: Paulus, 2008. Páginas 353-415 (Coleção Patrística; 24).
BÍBLIA SAGRADA. Tradução da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Edições CNBB: Brasília, DF, 2011.
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A busca da interioridade no campo pastoral - Instituto Humanitas Unisinos - IHU