01 Novembro 2022
Quando o Papa Francisco se tornar o primeiro pontífice a pisar no Bahrein durante sua próxima visita de 3 a 6 de novembro ao reino do Golfo Pérsico, de muitas maneiras, será uma jornada que começou não em Roma, mas cinco anos atrás, com sua visita ao Egito.
Foi lá, em uma conferência internacional de paz organizada por Al-Azhar – no que é considerado a instituição teológica de maior autoridade no islamismo sunita – que Francisco cimentou sua amizade com seu grande imã, Sheikh Ahmad al-Tayyeb.
A reportagem é de Christopher White, publicada por National Catholic Reporter, 01-11-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Uma foto dos dois homens abraçados se tornou viral no Oriente Médio como um “ícone de esperança”. Dois anos depois, em fevereiro de 2019, Francisco se tornou o primeiro papa a viajar para a Península Arábica, onde ele e al-Tayyeb assinaram um documento sobre “Fraternidade Humana pela Paz Mundial e Viver Juntos”, que foi amplamente anunciado como um grande avanço na relação da Igreja Católica com o mundo muçulmano.
Em setembro, Francisco foi acompanhado por al-Tayyeb para uma reunião de líderes inter-religiosos no Cazaquistão que adotou o documento “Fraternidade Humana”. Agora, menos de dois meses depois, a dupla se reunirá novamente no “Fórum do Bahrein para o Diálogo: Oriente e Ocidente para a Coexistência Humana”, onde Francisco fará o discurso de encerramento em 4 de novembro para os cerca de 200 líderes inter-religiosos reunidos na capital bahreinita, Manama.
“O fato de uma simples amizade estar no centro de suas grandes iniciativas é muito profundo e é um modelo para o resto de nós”, disse Jordan Denari Duffner, um pesquisador das relações muçulmanas-cristãs.
“O diálogo inter-religioso e a coexistência de diversas comunidades religiosas são construídos na amizade”, disse Duffner. “A amizade de Francisco com o grande imã nos mostra como deve ser o diálogo inter-religioso”, afirmou o autor dos livros “Finding Jesus Among Muslims: How Loving Islam Makes Me a Better Catholic” (“Encontrar Jesus entre os muçulmanos: como amar o islã me fez um católico melhor”, em tradução livre) e “Islamophobia: What Christians Should Know (and Do) about Anti-Muslim Discrimination” (“Islamofobia: o que cristãos devem saber (e fazer) a respeito da discriminação anti-muçulamana”, em tradução livre).
No centro do documento “Fraternidade Humana”, que nasceu da amizade entre Francisco e al-Tayyeb, está a condenação da instrumentalização da religião para o terrorismo ou a violência e um apelo para trabalharmos juntos em questões práticas, como a cuidado com o meio ambiente.
“É um documento muito prático que descreve um bom número de coisas onde muçulmanos e cristãos podem discutir e esperar fazer coisas juntos”, disse o cardeal Michael Fitzgerald ao NCR.
Fitzgerald, especialista britânico em relações muçulmanas-cristãs e ex-chefe do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso do Vaticano, disse que, embora o documento tenha sido aceito em muitos lugares, alguns muçulmanos o veem como “um documento egípcio” ou “documento de Al-Azhar” e mais um documento político do que um documento de diálogo.
A estratégia de Francisco para expandir as relações muçulmanas-cristãs, disse ele, não é apenas através do escritório do Vaticano responsável pelo trabalho inter-religioso, mas através da “presença pessoal” do papa.
“Isso é algo novo”, disse Fitzgerald, descrevendo a disposição do papa de comparecer e participar de reuniões organizadas por outras religiões.
O pequeno Reino do Bahrein, que marcará a 39ª viagem de Francisco para fora da Itália desde que se tornou papa em 2013, abriga 1,8 milhão de pessoas. Estima-se que 70% do país seja muçulmano, cerca de dois terços dos quais são xiitas. O convite de Francisco ao país vem do rei Hamad, do Bahrein, que é muçulmano sunita e endossou oficialmente o documento “Fraternidade Humana”.
Até o momento, a maior parte do envolvimento de Francisco no mundo muçulmano tem sido com sunitas, e sua visita a um país de maioria xiita dará ao pontífice uma oportunidade de promover seu alcance islâmico.
Quando o papa viajou para o Iraque em 2021, havia especulações de que o reverenciado clérigo xiita, o grande aiatolá Ali al-Sistani, assinaria o documento “Fraternidade Humana” após seu encontro com Francisco, mas no final, ele não o fez.
Agora, no Bahrein, tanto Francisco quanto al-Tayyeb terão a oportunidade de divulgar o documento e sua mensagem para outro público xiita, embora já existam tensões subjacentes que podem complicar a visita.
O Departamento de Estado dos EUA e organizações como Human Rights Watch e Americans for Democracy and Human Rights in Bahrein criticaram duramente o governo por sua discriminação contra os muçulmanos xiitas. O governo do Bahrein negou tais críticas, afirmando que sua constituição garante a todos o direito de praticar livremente sua fé.
Em uma coletiva de imprensa em 28 de outubro, o porta-voz do Vaticano Matteo Bruni se recusou a comentar se o papa abordaria diretamente as questões de discriminação, inclusive como um possível tópico quando ele realizar uma reunião com o Conselho Muçulmano de Anciãos em 4 de novembro, mas enfatizou a “posição da Santa Sé e do papa em relação à liberdade religiosa e à liberdade é clara e conhecida”.
Bruni disse que tanto o documento “Fraternidade Humana” quanto a encíclica Fratelli Tutti do Papa Francisco (“Somos todos irmãos”, de 2020) moldará as mensagens do papa na viagem, acrescentando que o último documento menciona a palavra “diálogo” 44 vezes.
Embora os esforços inter-religiosos do papa possam ser o fator motivador da viagem, o bispo Paul Hinder – que trabalha na região há mais de 20 anos e é o atual administrador do território da Igreja Católica que inclui o Bahrein – disse que a visita também ajudará a fornecer uma dose de esperança para os estimados 80 mil católicos do país, servidos por apenas 20 padres.
Historicamente, disse ele, os católicos da região “se sentem um pouco esquecidos”.
“Mas ter uma segunda visita do Santo Padre em um período de três anos é um grande incentivo para eles”, disse ele ao NCR, referindo-se à visita de Francisco em 2019 aos Emirados Árabes Unidos.
Durante seu segundo dia no país, Francisco visitará a recém-consagrada Catedral de Nossa Senhora da Arábia, que hoje é a maior catedral católica do Golfo Pérsico, para um culto ecumênico de oração. Em 5 de novembro, Francisco celebrará uma missa para cerca de 20 mil participantes no Estádio Nacional do Bahrein.
Embora o país tenha uma pequena população local de católicos, a grande maioria dos católicos vem de outros países que residem no Bahrein para trabalhar, especialmente os do Sri Lanka, Índia, Filipinas e outros países vizinhos do Oriente Médio.
Hinder disse que, além de se sentirem esquecidos ou “espirituosos”, muitos desses católicos se sentem inseguros, “se perguntando se no próximo ano ainda estarei aqui ou terei que procurar outro futuro?”.
Ele espera que a visita seja mais uma ocasião para o papa lembrar aos católicos e muçulmanos que todas as suas vidas melhoram ao viver lado a lado em amizade compartilhada.
“Isso não é ter uma mistura de religiões”, disse Hinder, “mas ter uma certa base de ação comum quando há a questão de como lidar com questões importantes do futuro da humanidade”.
“O Papa Francisco tem uma visão e quer que ela seja realizada”, acrescentou.
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Papa Francisco pregará a mensagem da ‘fraternidade humana’ no Bahrein, país de maioria xiita - Instituto Humanitas Unisinos - IHU