18 Outubro 2022
"Precisamos redefinir o conceito de segurança alimentar, deslocando a atenção do alimento em si como mercadoria para o território onde é cultivado e produzido. É uma perspectiva diferente que se coloca no centro a estrutura social, seus vínculos culturais com a terra e as paisagens habitadas, e que redefine os parâmetros alimentares ao abandonar os dados quantitativos de importação-exportação", escreve Edward Mukiibi, Presidente do Slow Food, em artigo publicado por La Stampa, 16-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em um ano marcado por conflitos, pandemias, crise climática, é particularmente significativo o tema que a FAO quis adotar para Dia Mundial da Alimentação: “Não deixar ninguém para trás”. Está muito próximo da minha sensibilidade como africano, como agrônomo, como ativista educador e – há alguns meses – como presidente do Slow Food.
Nos muitos debates sobre segurança alimentar em que participei, especialmente aqui na África, a voz dos agricultores não é ouvida. Nos planejamentos e nas políticas, as decisões são tomadas pelos vértices do poder administrativo e econômico, enquanto os protagonistas do sistema alimentar, os pequenos produtores, são considerados objeto passivo de decisões tomadas sobre seu trabalho.
No entanto, segundo a própria FAO, a agricultura familiar, que é o conjunto de empresas agrícolas com menos de dois hectares de terra, produz um terço dos alimentos do mundo.
"Não deixar ninguém para trás" para mim significa reconhecer e ajudar os agricultores que aplicam técnicas tradicionais baseadas na agroecologia e na abordagem regenerativa da terra e dos ecossistemas. Os governos muitas vezes os ignoram, argumentando que o sistema tradicional é arcaico. Muitos agricultores orgânicos não são convidados nas reuniões de planejamento porque as autoridades pensam que são contra o progresso. Mas de que modernidade estamos falando?
Pude vivenciar diretamente o desastre causado por uma semente híbrida de milho selecionada e patenteada por uma multinacional, lançada no ecossistema, convencendo os produtores com falsas promessas de resultados prodigiosos. Muitas vezes acontece: eles não têm conhecimento prévio do produto, mas os técnicos os pressionam e, ao fazê-lo, colocam em risco a segurança alimentar de muitas comunidades, que teriam suas sementes nativas, resilientes, selecionadas em um circuito de livre comércio democrático. Muitas novas sementes híbridas, produzidas na Holanda, Espanha, África do Sul, são vendidas nos países africanos para aqueles poucos agricultores que podem se permitir gerir as monoculturas, mas contribuem para criar uma situação muito frágil.
Muitos países africanos são importadores de alimentos: o continente gasta cerca de 65 bilhões de dólares com isso. Ainda assim, muitos governos adotam políticas centradas na agricultura industrial comercial de exportação na tentativa de aumentar a contribuição do setor para o PIB e compensar o balanço de pagamentos. A maioria dessas políticas, guiadas por investimentos estrangeiros diretos, apoia uma produção industrial em larga escala que se concentra em matérias-primas para a exportação e para as indústrias manufatureiras. Essas políticas criminalizaram a produção de subsistência e desmoralizaram muitas pequenas empresas agrícolas familiares, empurrando-as para fora do mercado.
Precisamos redefinir o conceito de segurança alimentar, deslocando a atenção do alimento em si como mercadoria para o território onde é cultivado e produzido. É uma perspectiva diferente que se coloca no centro a estrutura social, seus vínculos culturais com a terra e as paisagens habitadas, e que redefine os parâmetros alimentares ao abandonar os dados quantitativos de importação-exportação. Não podemos alimentar a população africana, onde está a maioria das pessoas que sofrem a fome, se não começarmos a trabalhar a partir do nível da comunidade local.
Um exemplo concreto é o trabalho desenvolvido com os produtores de café nas terras altas do Monte Elgon, na área sudeste de Uganda: o governo pretendia distribuir subsídios e fertilizantes químicos. Juntamente com os membros do Slow Food Presidium, montamos um comitê para contatar o escritório distrital de agricultura e fizemos nossos pedidos alternativos: instalações para a produção de compostagem, fertilizantes orgânicos certificados, formação para a gestão integrada das pragas.
Os produtores fizeram ouvir suas vozes sobre o tipo de sistema agrícola que desejam preservar nas encostas das montanhas para salvaguardar a qualidade de seu café e também a integridade ecológica. Eles sabem perfeitamente que caso se opte pelo orgânico e não se usarem insumos sintéticos, o seu café também será melhor pago.
Em suma, se os governos querem preservar a segurança alimentar e "não deixar ninguém para trás", devem ouvir as vozes das comunidades locais para que possam continuar a praticar uma agricultura ecológica que preserva o meio ambiente e o clima e, ao mesmo tempo, nutre e garante às famílias o acesso a uma dieta variada e nutritiva.
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Agricultores contra a fome: “Uma em cada 6 pessoas não come devido à grave seca”. Artigo de Edward Mukiibi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU