A arte sobre José, o carpinteiro de Nazaré. Artigo de Gianfranco Ravasi

(Foto: Reprodução | antrophistoria)

10 Agosto 2022

 

As imagens dedicadas ao pai legal de Jesus refazem os momentos importantes dessa figura muito famosa, mas pouco mencionada pelos Evangelhos.

 

O comentário é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura. O artigo foi publicado em Il Sole 24 Ore, 07-08-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

Anos atrás, quando publiquei um breve ensaio sobre José, o pai legal de Jesus, o editor não conseguiu resistir à tradicional escolha de confiar a capa à imagem mais popular do santo, o óleo sobre tela que Guido Reni pintou em 1635 e que hoje se encontra no Hermitage. De acordo com uma iconografia codificada, o santo é representado em idade avançada, e o pequeno Jesus acaricia a sua densa barba branca.

 

Óleo sobre tela José de Nazaret de Guido Reni.

Foto: Reprodução | La Paseata

 

François Boespflug, renomado historiador da arte, mas também teólogo, professor emérito da Universidade de Estrasburgo, por sua vez, escolheu para o seu texto-álbum sobre Jesus e José na arte uma pintura original e surpreendente de um pintor “orientalista” não muito celebrado do século XIX (as datas oferecidas no volume, porém, são contraditórias), Benjamin Constant.

 

Livro “Jesus e José na arte”, de François Boespflug

Foto: Divulgação

 

A obra, presente na igreja paroquial de Villers-sur-Mer, na França, aproxima José e o menino Jesus sentados em um muro com as pernas suspensas, “no momento de uma pausa compartilhada entre homens que saíram da taverna, com a serra encostada no muro, com a intenção de desfrutar do descanso juntos ao ar livre”, mas reconhecíveis pelas suas auréolas um pouco extravagantes.

 

Como se sabe, apesar da exígua e silenciosa presença de José nos Evangelhos, a sua figura tem se destacado na tradição popular, a ponto de – pelo menos até algum tempo atrás – parecer que “José” (com todas as variantes diminutivas e afetivas, masculinas e femininas) fosse o nome mais difundido na Itália, tanto que – novamente até algumas décadas atrás – a sua solenidade, em 19 de março, era até feriado civil.

 

Para organizar a sequência iconográfica de José, Boespflug adotou a trama evangélica canônica e apócrifa. Assim, parte-se da atormentada história inicial com a surpresa da noiva grávida e com o posterior nascimento do filho em Belém. Prossegue-se com a aventura ainda mais dramática da fuga para o Egito para libertar a família das suspeitas sanguinárias do rei Herodes e com o retorno a Nazaré, que dá lugar a um capítulo biográfico ausente nos Evangelhos canônicos, mas complementado abundantemente pela apócrifos. Não falta ainda a inserção do evangelista Lucas (2,41-52) com o episódio da maioridade de Jesus aos 12 anos, enquanto dialoga no Templo de Jerusalém com os doutores da Lei.

 

A narrativa chega finalmente a um Jesus terno e trepidante ao lado do leito do moribundo José e à gloriosa coroação do carpinteiro de Nazaré na pátria celeste. Naturalmente, esse duplo resultado de morte e de luz é confiado à apaixonada pena dos escritores cristãos apócrifos. A esse respeito, é difícil resistir à tentação de evocar uma curiosa História de José, o carpinteiro, escrita em grego no Egito no século IV, mas que chegou até nós nas versões árabe e copta, publicadas em 1722 pelo estudioso sueco G. Wallin. É uma deliciosa biografia paterna narrada pelo próprio Jesus.

 

As páginas mais intensas são precisamente aquelas dedicadas à agonia e à morte de José, em cujos lábios aflora esta invocação extrema: “Ó Jesus Nazareno, ó Jesus, meu consolador, Jesus libertador da minha alma, Jesus, meu protetor, Jesus, nome suavíssimo em minha boca e na de todos aqueles que o amam.”

 

Esse apócrifo e a relativa tradição devocional alimentaram justamente a história da arte, como atesta Boespflug por meio de uma rica galeria de pinturas de forte impacto emocional, especialmente na extrema intersecção dos olhares entre o pai agonizante e o filho (são sugestivas as telas de Goya e de Andrea Pozzo).

 

Naturalmente, o volume com os cerca de 120 sujeitos propostos abrange o arco inteiro da história desse téktôn, como os Evangelhos de Marcos (6,3) e de Mateus (13,55) o definem, uma profissão que talvez pudéssemos traduzir com o nosso “artesão”, porque o vocábulo grego usado está em consonância com o grego téchnê, que significa precisamente “arte”, mas evocando também o “ofício”.

 

Nesse sentido, não poderia faltar entre os quadros o célebre “São José carpinteiro”, de Georges de La Tour, exposto no Louvre, com o impressionante contraste claro-escuro, típico desse pintor "caravaggesco" francês do século XVII.

 

São José carpinteiro de Georges de La Tour.

Foto: Reprodução

 

Nessa verdadeira pinacoteca Josefina, seguimos acompanhados pelo autor, um guia extraordinário que não hesitou em nos conduzir, nos vários sujeitos, às representações mais modestas e até contemporâneas. Assim, por exemplo, no apêndice ao volume, entra em cena uma escultura (em nossa opinião, bastante feinha, mas “nacional-popular”) do francês Luc de Moustier (2017), que, em tamanho natural (1,75 m), quis recriar um José “Cristóforo” (isto é, portador de Cristo sobre os ombros). Uma imagem “laicamente” recriada em 2018 por François-Xavier de Boissoudy, artista caro a Boespflug, com um título evocativo, “José “Cristóforo”.

 

Mas mais ingênuo e comovente é o José que carrega sobre os ombros o berço do Jesus recém-nascido adormecido, cuja cortina é aberta pela mamãe Maria, enquanto os dois fogem para o Egito, obra do século XVII de Bartolomeo Castagnola na Pinacoteca de Sassari.

 

Obra de Bartolomeo Castagnola

Foto: Reprodução | Sailko

 

E, como não é possível colocar tudo em uma antologia, acrescentamos livremente um sujeito ainda mais célebre do que o de Reni a partir do qual começamos: o inesquecível Tondo Doni michelangelesco dos Uffizi, com o poderoso José, pai de família.

 

Referências

 

BOESPFLUG, François. Gesù e Giuseppe nell’arte. Jaca Book, 178 páginas.

 

Leia mais