17 Dezembro 2021
"A relação indígena com água é muito importante, mitologicamente desde do início, por que diz que nós viemos da água, água para nós representa como uma vida, com a água dialogamos, por que água é gente, é o sagrado que está aí", escreve Mary Nelys Silva de Almeida, formada em Serviço Social, atua como Analista Social do Serviço de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental da Amazônia (SARES).
Manaus é lugar tradicional de muitos povos indígenas que buscam melhores condições de vida. Contudo, nos últimos 50 anos essa presença foi incrementada com migrantes que deixaram suas origens e terras para o bem viver na cidade. Paradoxalmente perderam o amparo do Estado e, consequentemente, o direito de ser indígena, por causa do imaginário que se institui com uma interpretação equivocada e fixa que os índios devem viver nus, afastados dos centros urbanos, ou talvez por causa da política indigenista que tinha por objetivo trazer os indígenas para a civilização ocidental, emancipando-os para que deixassem essa vida de selvageria nas matas.
Iniciou esse parágrafo citando o 1º sonho da Querida Amazônia “Sonho com uma Amazônia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade promovida” (Francisco,2020, p.08) pois este sonho é de todos e todas dos povos da Amazônia que desejam viver plenamente. Sendo manauense fico indignada de ver meu povo sofrendo por um liquido tão precioso. Em Manaus atuo como Analista Social no Serviço Amazônico de Ação e Reflexão Educação Socioambiental – SARES, uma obra jesuíta que hoje na perspectiva socioambiental tem sua missão na defesa e garantia de direitos e na promoção da justiça socioambiental, através desse serviços: animamos, articulamos os movimentos sociais, lideranças comunitárias, na cidade de Manaus, e por meio dele o coletivo chamado FÓRUM DAS ÁGUAS, que é formado por várias lideranças que defendem a água como direito humano, este espaço de debates são compartilhados às problemáticas da privatização que sofre o povo de Manaus há 21 anos.
Como é citado na Carta Encíclica Laudato Sí, o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, por que determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para todos os direitos ” (Francisco.2015. p. 25). A cidade de Manaus, apesar de ser rodeada pelo grande rio, tanto em volume d'água quanto em comprimento (6.992,06 km de extensão), ainda sofre com o descaso de seus governantes.
A população de Manaus passa por problemas, sobretudo a parte menos favorecida, referente ao acesso à água tratada e ao saneamento básico. É constrangedor o fato de vivermos numa região tão rica em recursos hídricos, mas ao mesmo tempo nos depararmos com graves problemas no acesso à água potável e nos serviços de esgoto, estando sujeitos às doenças de variadas espécies. Lamentamos saber que as empresas privadas que assumem tais serviços, ao visarem à maximização dos seus lucros, dificilmente contemplarão adequadamente as populações de baixo ou nenhum rendimento.
A cidade de Manaus, capital de estado do Amazonas, localiza-se no centro geográfico da Amazônia, na sub-região Rio Negro/Solimões, norte do Brasil. Com uma área de 11.458,50 km2, de. Nasceu em 1669, com a construção do Forte de São José do Rio Negro. Manaus passou por reformas urbanísticas, com a construção de prédios majestosos, instalações portuárias modernas, (para atender as demandas do mercado externo), instalação de redes elétricas de energia, serviço de transporte público (bondes), instalações de sistemas de abastecimentos de água e esgoto. Por outro lado, os padrões da nova cidade escondiam ou expulsavam para o subúrbio os menos favorecidos. Com a crise da economia houve um crescimento da miséria por causa da falência das firmas locais e a transferência de empresas estrangeiras gerando uma imensa massa de desempregados na cidade amazônica. No final da década de 40 se deu a retomada da produção da borracha em virtude da demanda exigida pela segunda guerra mundial. Novamente o progresso impulsionado pela indústria extrativista fez com que, o município de Manaus apresentasse aumento da migração, o que representou novo inchaço urbano. (Almeida. 2013)
A cidade cresceu para todos os lados. A falta de recursos financeiros e de planejamento municipal levou a desorganização espacial da área urbana, que se desenvolveu sem nenhum acompanhamento, tendo como diretrizes básicas o imediatismo, soluções emergenciais para problemas de infra-estrutura e serviços básicos realizados em tempos de eleição. A cidade foi delimitada pelas zonas norte, sul, leste e oeste, centro-sul e centro com objetivo de controlar a urbanização considerando suas necessidades, classificadas e respeitadas conforme o tipo de ocupação. Manaus é hoje dividido em 63 bairros oficiais e centenas de comunidades, conjuntos e núcleos habitacionais pertencentes a tais bairros. Manaus possui atualmente 2, 02 milhões de habitantes, a cidade é cortada 9 bacias hidrográficas, que são área fisiográfica drenada por um curso ou cursos de água conectados, que convergem direta ou indiretamente para um leito ou espelho d’água, mais a maioria destas bacias, compostas por igarapés não estão em condições para consumo humano, devido a poluição e outros rejeitos. (Almeida. 2013)
Dentre as Organizações que acompanhamos nesse tempo de trabalho no SARES, convém trazer algumas entrevistas feitas por lideranças indígenas e dados especiais. Em entrevista 24 de outubro de 2020, em Manaus, Marcivana do povo Saterê, da Coordenação dos Povos Indígenas em Manaus e Entorno (COPIME), afirmou que o censo de 2020 (IBGE) fez um georreferenciamento para saber onde estavam os indígenas em Manaus. O objetivo era para que entrassem no censo como áreas de atenção mais especial e foram detectados 47 povos em várias localidades. Mesmo com as restrições por conta da covid-19, mais de 100 organizações na cidade de Manaus foram identificadas. A partir desses documentos foi levantado um quantitativo que chega a 18 mil indígenas vivendo em Manaus.
Em Manaus várias lideranças se articulam em prol de suas causas, na defesa de seus territórios e na busca do bem viver. Um caso digno de notar é da liderança indígena entrevistada no dia 15 de setembro, do Parque das Tribos localizada no bairro Tarumã Açu, zona oeste de Manaus, Vanda Ortega do povo Witoto, segundo ela:
O Parque das tribos existe há 7 anos, possui 30 povos indígenas, atualmente a comunidade tem água potável, foi uma grande luta, esse ano que chegou em sua casa, antes eles bebiam água do poço, construída pela comunidade, e que nos anos anteriores bebiam água do rio Tarumã Açu, hoje uma grande parte dessa bacia hidrográfica está contaminada. (Ortega, 2021)
Vanda narra em sua entrevista, que toda grandeza representada pelas florestas, rios, e diversidade de povos que aqui vivem.
Também é a região com maior índice de falta de água para as populações mais pobres, a realidade das comunidades indígenas em Manaus e aldeia são entrementes precárias, e principalmente de saneamento básicos e de receber água potável.
As nossas aldeias não recebem água tratada, temos maior taxa de mortalidade por diarreia em nossas aldeias. A maioria tem que cavar poços para beber ou aparar água da chuva e nem do rio podem beber, por conta da poluição. Hoje a privatização gera um grande problema para as populações indígenas e os mais pobres, uma vez que as taxas são elevadas. Até quando esse estado por negar um direito básico que é a vida? Que é água? Um elemento sagrado que não deveria ser cobrado, até quando o estado será negligente com os nossos povos?
Nossa outra entrevistada foi a liderança Hellen Greicy Kokama da comunidade indígena Nova Vida, que fica localizado na zona norte de Manaus, bairro Cidade Nova. Hellen Greicy tem 30 anos, é natural de Tefé da etnia kokama mora na comunidade há 3 anos. Disse em sua entrevista que antes de vim para a comunidade, morava alugado. É vice coordenadora da igreja católica da comunidade, que já tem 3 anos de existência (agosto de 2018).
Os indígenas entraram com 47 família indígena de várias etnias, com o tempo a liderança permitiram que os brancos entrasse, e hoje nossa comunidade é composta por ruas, quadras e duas entradas de acesso. Na última atualização que as lideranças fizeram deu por volta de 980 famílias morando na comunidade Nova Vida. Antes o acesso da água era em uma cacimba (poço), essa água era para lavar, tomar banho apenas, e não para beber, para isso era necessário comprar água. Eu sendo indígena do povo Kokama vejo que os órgãos não estão dando valor para quem mora em uma comunidade feita recentemente. Pois cada morador que mora necessita de saneamento básico e o principal é a água, pois dela fazemos muitas coisas. Meu sentimento é de indignação, pois a prefeitura e o governo só procuram a comunidade em tempo de eleição. E não precisamos de promessa e sim ações e atitudes. Com a comunidade crescendo, os comunitários compraram canos para distribuir para as casas, hoje continuamos usando água clandestina, alguns moradores passam mal com água, e quem pode, compra água, outros coam água. (Barbosa, 2021)
Isso demonstra que a Privatização não é a solução, pois com a pandemia na cidade de Manaus, acabou acelerando o desemprego e a miséria, afetando às famílias de baixa renda, que não tem condições de pagar as contas com aumentos abusivos, como relata o Cacique Domingos Vieira do Povo Dessana, do Assentamento Povo Indígena Sol Nascente, que fica localizado na zona norte de Manaus, bairro Francisca Mendes 2, que surgiu em 2013, segundo o Cacique, eles ficaram 5 anos sem receber água tratada, e em junho de 2019, foi feita a instalação da água,
Mas segundo o Cacique Domingo, nem todos os dias tem água na torneira, a empresa não avisa, e acabam ficando de 4 a 5 horas sem água. E uma parte do assentamento com 50 casas sem abastecimento, usa água clandestina, e foi com muita luta das lideranças do Assentamento, conseguiram para as famílias de baixa renda, descontos da água que é chamado de tarifa social. (Vieira, 2021)
Na Amazônia, as mulheres têm uma relação ancestral, transcendental e mística com água, por sermos filhas das florestas, água para os Povos indígenas é sagrada como diz a pedagoga Clarice Gama do Povo Tukano, da Terra Indígena do Alto Rio Negro.
A relação indígena com água é muito importante, mitologicamente desde do início, por que diz que nós viemos da água, água para nós representa como uma vida, com a água dialogamos, por que água é gente, é o sagrado que está aí, nós humanos precisamos dialogar, como dialogam os ? Por meio dos pajés, quando vamos entrar nos rios, tomar banho, temos que pedir licença, dizer que somos do povo, dizer vim te visitar... que somos mulheres, com todo respeito, conversar com água, é conversar com a mãe terra, Clarice acredita que todos os povos tem uma relação água. (Gama, 2021)
Em todo o país, a natureza está sendo dragada por madeireiras, mineradoras, garimpeiros, grileiros pelo latifúndio, e por empresas privadas que enxerga água como mercadoria, mas a cobiça é ainda mais explícita sobre a Amazônia. E na cidade de Manaus não é diferente, e mesmo havendo um grande número de indígenas morando na cidade, de certa forma esses acabam se tornando invisíveis para a sociedade. Água e a Terra dessa região nutrem e sustentam a natureza, a vida e as culturas de centenas de comunidades indígenas. A busca dos povos indígenas amazônicos por vida em abundancia é concretizada no que eles chamam de “buen vivir’’
Como diz a citação da exortação apostólica pós sinodal Querida Amazônia, “Esse sonho é feito de água; rios e córregos lembram veias, e toda a forma de vida brota dela. (Francisco, 2020. P.26)
Como dizia Berta Carcere “Dar la vida por la defensa de los rios, es dar la vida por el bien de la humanidade y este planeta”.
Almeida. Mary. 2013. O protagonismo dos Movimentos Sociais na luta pela implementação do Saneamento Básico em Manaus. Manaus, Artigo: Sares;
Almeida e Pacine. Aloir (2020). Amazônia indígena em contexto das cidades. Manaus, Artigo; Unisinos
Barbosa. Helen (2021). Como é abastecimento de agua na comunidade Vida Nova. Manaus. Entrevista.
Francisco, Papa (2020). Querida Amazônia: ao povo de Deus e a todas as pessoas de boa vontade. São Paulo: Ed. Paulus.
Francisco, Papa (2015). Carta Enciclica: Laudato Si. São Paulo: Ed. Paulus.
Gama. Clarice (2021). A relação dos Povos Indigenas e Água. Manaus. Entrevista.
Saterê. Marcivana (2020). Georreferenciación. Manaus, Entrevista.
Ortega. Vanda (2021). Como é abastecimento da água no Parque das Tribos. Manaus. Entrevista.
Vieira. Domingos (2021). Como é o abastecimento de agua no Assentamento Sol Nascente. Manaus. Entrevista.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Direitos das Comunidades Indígenas sobre a água - Instituto Humanitas Unisinos - IHU