Breves do Facebook

Imagem de desmatamento em Lábrea, município do sul do Amazonas, captada em setembro de 2021 (Foto: Victor Moriyama/Amazônia em Chamas/Divulgação Greenpeace)

07 Dezembro 2021

 

Faustino Teixeira

 

Curió, Heleno e Bolsonaro

O buraco que ficou em Serra Pelada é a metáfora perfeita do Brasil que deixa gente, terra, meio ambiente e Amazônia aniquilados para o proveito de poucos.

Cristina Serra
6.dez.2021 às 19h30
EDIÇÃO IMPRESSA
FSP

Quem é mais velho lembra, quem não lembra basta digitar "Serra Pelada" para encontrar imagens do que um dia foi o maior garimpo a céu aberto do mundo, nos anos 1980, no sul do Pará. Fotografias de Sebastião Salgado mostram homens cobertos de lama, arqueados sob o peso dos detritos que tiravam das entranhas da terra, na esperança de enriquecer.

Pouquíssimos ficaram ricos com o ouro. A maioria morreu de doenças, tiro, faca ou foi soterrada. No lugar, restou uma imensa cratera e um lago de mercúrio. Esse inferno foi controlado com mão de ferro por um militar do Exército, o Major Curió, que participara da repressão à Guerrilha do Araguaia, nos anos 1970. Em denúncias do Ministério Público Federal, Curió é acusado de tortura e assassinato. Não por acaso, é amigo de quem? Sim, Bolsonaro.

Lembrei de tudo isso ao ler a reportagem de Vinicius Sassine, nesta Folha, mostrando a rapidez do ministro da Segurança Institucional, general Augusto Heleno, o decrépito, em autorizar projetos de pesquisa de ouro, em São Gabriel da Cachoeira, no oeste da Amazônia.

Alguns dos empresários beneficiados são infratores ambientais, com histórico de problemas com o Ibama. E é a primeira vez que empresas recebem autorizações para pesquisar ouro nessa região, bem preservada e com várias terras indígenas. O buraco que ficou em Serra Pelada é a metáfora perfeita do Brasil que une na mesma linha do tempo Curió, Bolsonaro e Heleno. Gente, terra, meio ambiente, Amazônia, tudo aniquilado para o proveito de poucos.

Bolsonaro sabe que 2022 será seu último ano no poder, então vai correr para fazer (ou desfazer) tudo que não conseguiu até agora. Movimentos do Executivo e do Congresso andam juntos. A Câmara pode dar um "liberou geral" para as mineradoras se aprovar o novo Código de Mineração. Ficaria faltando o projeto que permite mineração em terras indígenas. Por enquanto, tal vilania encontrou resistência. A sensação é de que o Brasil só sai do lugar se for para dar um passo atrás.

 

Rudá Guedes Ricci

 

Guilherme Caetano sugere que o Telegram estaria sendo usado pelos bolsonaristas como plataforma de lançamento no Youtube. Afirma que foram identificados 4 milhões de mensagens de 150 chats de extrema-direita no Telegram e identificaram o YouTube como base de difusão.

 

Paulo Artaxo

 

Ótima matéria da Revista Fapesp sobre as políticas climáticas globais. Está andando, embora a passos de tartaruga. Neste andar da carruagem, talvez tenhamos políticas adequadas em 2040 ou 2050, quando os países em desenvolvimento hoje terão impactos negativos enormes em seus países.

Alberto Aggio

 

Os petistas ou filopetistas estão horrorizados com o afaire Lula/Alckmin. Alguns mais exaltados chamam Alckmin de tudo quanto é coisa. Não sei o que fariam na situação chilena. O ex-líder de "Patria y Libertad", Roberto Thieme, movimento criado para derrubar Salvador Allende e que dirigiu o levante de junho de 1973, apelidado de Tanquetazo, declarou seu apoio a Boric (esquerda), contra Kast, representante da extrema-direita. Diga-se que esse apoio não é coisa nova. Roberto, depois de algum tempo fez oposição a Pinochet, exilou-se (casou-se com a filha de Pinochet) e no regresso ao Chile, na eleição anterior (2017), já havia prestado apoio à candidata da Frente Ampla. Que voltas que a história dá, não é mesmo? Os petistas deveriam refletir melhor.

 

Faustino Teixeira

Estamos perdendo a mágica que nos faz seres transcendentes. Entristecer o mundo parece que é a vontade do capital.

Ailton Krenak

 

Domingos Roberto Todero

 

Teresa Lucena

Vai, Chile, vai e vence - Vladimir Safatle

O que está em jogo no Chile não é apenas uma eleição, que flerta com um novo Bolsonaro. É a capacidade de terminar com uma história de derrotas e abrir uma nova sequência de lutas, com novos sujeitos políticos.

Peço licença para escrever pela primeira vez na primeira pessoa do singular, peço desculpas sem saber muito bem porque esse procedimento se impôs no assunto em questão. Mas chega um momento da vida que se começa a confiar no que não se tem clareza, um pouco como quem aceita esse espírito que um dia Pascal descreveu como uma mistura de incapacidade de, ao mesmo tempo, provar totalmente e abandonar completamente algo.

Eu nasci no Chile, meses antes do golpe de estado que derrubaria Salvador Allende e implementaria não apenas uma das ditaduras mais sanguinárias em um continente onde nunca faltou sangue correndo nas ruas, mas o primeiro laboratório mundial para um conjunto de políticas econômicas, conhecidas como neoliberalismo, que trariam concentração de renda e morte econômica para populações em todo o globo. Esse modo de gestão social, que se vende como defensor de liberdades e da autonomia individual, começou com golpe de estado, desaparecimento de cadáveres, mãos cortadas e estupro. O que diz algo a respeito de sua verdadeira essência autoritária.

Minha mãe costumava dizer que nos meses em que ela começava a se descobrir como uma jovem mãe de 24 anos, era comum ouvir bombas explodindo e tiros nas ruas. Eram os últimos meses do governo de Salvador Allende. Meu pai, que tinha a mesma idade, havia participado da luta armada contra a ditadura brasileira no grupo de Marighella e havia preferido tentar ajudar, de qualquer forma que fosse, a experiência socialista de Allende a aceitar a proposta de sua família e terminar os estudos na Inglaterra. Impotentes, como escoteiros que observam uma floresta em chamas, eles começavam suas vidas adultas com um filho e uma catástrofe.

O governo Allende era apunhalado por todos lados. Vítima de lockouts financiados por Nixon e seu macabro braço direito Henry Kissinger, depois louvado como “grande estrategista” por ter conseguido um aperto de mão entre seu presidente e Mao-Tse Tung enquanto mandava o povo chileno para um inferno de 25 anos, Allende parecia uma figura trágica grega. Se o Chile desse certo, o único país na história em que um programa marxista de transformação social havia sido implementado pelo voto e respeitando as regras da democracia liberal mostraria uma via irresistível em um momento histórico no qual estudantes e operários lideravam insurreições em vários países centrais do capitalismo global. O Chile era o ponto frágil da Guerra Fria, pois ensaiava um futuro que havia sido negado em várias outras ocasiões. Nele se tentava pela primeira vez um socialismo radical que recusava a via da militarização do processo político.

Em agosto de 1973 as ruas do Chile viram o primeiro ensaio do golpe que viria em 11 de setembro. Allende pede poderes especiais ao Congresso para debelar a crise. O Congresso recusa. Eles queriam o golpe. Já nas eleições de março de 1973, quando esperava-se que a direita tivesse 2/3 para derrubar o presidente, o contrário aconteceu, a Unidade Popular havia crescido e alcançado 44%. A única saída seria o golpe e minha mãe continuaria a ouvir bombas e tiros vindos das ruas até o último dia que estivesse no Chile.

Então veio o golpe e fugimos do país. Durante trinta anos, não tive coragem de voltar. Em casa, havia um livro com a foto do Palacio de la Moneda em chamas. Cresci com aquela foto acompanhando-me, como se ela anunciasse que, por mais que tentássemos, as bombas voltariam. Como se nosso futuro fosse nos bater contra uma força brutal, com a idade do fogo que queimava aldeias indígenas colonizadas e que termina em discursos de presidentes prestes a morrer que ainda encontram força para nos lembrar que um dia haveria grandes alamedas na qual veríamos mulheres e homens enfim rompendo as correntes de sua própria espoliação. Assim, quando no Brasil, os mesmos contra os quais tínhamos lutados voltaram, nada daquilo realmente me surpreendia.

Como disse, acabei por voltar trinta anos depois. A primeira coisa que fiz foi ir a nossa antiga casa, na calle Monseñor Eyzaguirre. Quando cheguei, a casa havia sido demolida três meses antes. Havia apenas ruínas. Durante duas horas eu fiquei parado olhando as ruínas. Não lembro mais o que pensei, nem lembro se efetivamente pensei em algo. Poderia falar agora alguma bobagem sobre Walter Benjamin, ruínas, história mas seria intelectualmente desonesto e gostaria de, ao menos nesse momento, mesmo sendo professor de filosofia, ter certa decência de pensamento. Só lembro da paralisia, do silêncio e do vento.

Mas depois desse momento, achei uma maneira de fazer amigos nas universidades e começar a ser convidado para voltar. Em uma dessas voltas, o ano era 2006, lembro de perguntar se eles acreditavam que alguma coisa podiam acontecer no Chile. A resposta era taxativa: não. A ditadura havia naturalizado de forma tal os princípios de empreendedorismo, individualismo e concorrência que aquela geração sequer lembrava do que “Chile” um dia havia representado para o resto do mundo. O assassinato havia sido perfeito e as explicações faziam sentido.

Bem, dois meses depois 500.000 estudantes estavam nas ruas, naquilo que ficou conhecido como “A revolta dos pinguins”. Os estudantes lutavam bravamente contra os “pacos” pelo fim do neoliberalismo e seu discurso hipócrita de meritocracia, de liberdade como direto de escolher a melhor maneira de ser espoliado e exigiam o retorno de educação universal e gratuita. Como sempre ocorre, o que realmente conta nos pega de surpresa.

Anos depois, em 2011, um tunisiano se imolou em uma pequena cidade da Tunísia e desencadeou um série de revoltas que entrou para a história como a Primavera Árabe. Para mim, era claro. Algo recomeçava e não era o fogo das bombas que caiam sobre La Moneda. Era o fogo de quem prefere ver seu corpo queimando a se submeter novamente à servidão. Eu fui para a Tunísia, para o Egito e voltei entendendo que seria extinto e aceso ainda muitas vezes. O que não faria diferença alguma. Nós não nos desmobilizaríamos mais diante de sua primeira extinção porque nosso tempo não é composto de instantes, mas de durações.

Então, em 2019, ele começou novamente a queimar o Chile. Enquanto o governo atirava contra sua própria população, matando mais de 40 pessoas, e cegando de ao menos uma vista mais de 300, enquanto os carabineros tentavam parar a raiva de um povo que havia sido o objeto mundial das piores experiências econômicas e políticas, o fogo queimava, as estátuas de antigos conquistadores queimavam.

E, contra tudo o que está escrito nos livros e que nos é ensinados nos jornais, nós vencemos. Contra os que procuram nos inocular o veneno da descrença, nós vencemos. O governo Sebastián Piñera fora obrigado a dobrar seus joelhos diante da soberania popular em fúria. Ele precisava convocar uma nova Assembleia Constituinte. Aquela loucura tipicamente chilena de quebrar as estruturas respeitando as regras havia produzido uma das mais improváveis vitórias políticas que uma sublevação popular havia conseguido na história recente do mundo. Eles conseguiram implantar um processo constitucional que entraria para a história como o primeiro processo paritário e presidido por alguém que abriu os trabalhos constitucionais falando a língua de quem havia sido historicamente destruído e dizimado pelos colonizadores, a saber, os mapuches.

Bem, mas nessa horas de entusiasmo alguém também deveria lembrar do 18 de brumário, de Marx. Com os olhos na revolução de 1848, Marx queria entender como uma revolução proletária acabava por terminar em uma reinstauração da monarquia. Com quase um século de avanço, Marx fornecia as bases de uma teoria do fascismo como o último freio de mão do liberalismo. Pois ele insistia que toda insurreição popular é acompanhada da emergência de uma força de regressão social. Há quem não se sente mais concernido pelas formas de reprodução social da vida até agora hegemônica, mas há quem entenderá que o retorno à “paz e à segurança” exige uma outra forma de ruptura com o presente, essa que reinstaura as mesmas forças no poder em sua versão mais abertamente violenta. Sempre lá onde uma revolução molecular se desenha, há uma contrarrevolução molecular à espreita. Quem abre as portas da indeterminação deve saber lidar com todas as figuras da negação.

E no meio do processo constitucional havia uma eleição presidencial na qual, no primeiro turno, ganhou um candidato fascista. Esse termo foi tão usado que esquecemos quando ele é analiticamente adequado. José Antonio Kast é analiticamente um fascista, como Bolsonaro. É claro que sempre haverá aqueles que, animados por um discurso pretensamente desapaixonado, dirão: “Não se trata de um fascista, mas de um conservador”, “ele às vezes passa dos limites, mas pode ser controlado”, “Sim, ele disse algumas coisas inaceitáveis, mas depois ele recua”. Claro, porque o recuo é só uma maneira de acostumar a sociedade com as “coisas inaceitáveis”, até elas começarem a parecer parte da paisagem e serem aceitas.

Em um continente onde Prêmios Nobel de Literatura não veem problema algum em apoiar filhas de ditadores que, mais uma vez, conspiram contra governos eleitos, sempre haverá alguém a dizer: “veja bem, não é bem assim”. Hoje, no Chile, todo o dia aparece algum “analista” para sair com alguma descrição “técnica” sobre como Kast não representa o fascismo. Nós vimos a mesma coisa com Bolsonaro. Fomos ridicularizados por “analistas” durante anos quando dizíamos que tecnicamente, alguém cujo discurso é marcado pelo culto da violência, pelo militarismo, pela indiferença absoluta em relação a grupos vulneráveis, por uma concepção paranóica de Estado que mobiliza a imigração e a identidade com fenômeno de angústia social, alguém que desrecalca o passado criminoso de ditaduras militares, que visa paralisar o processo de institucionalização da soberania popular só tem um nome: fascista. E contra ele, as sociedades não têm o direito a contemporização.
O programa de Kast é um programa de guerra, como o de Bolsonaro. Trata-se de puxar o freio de mão do liberalismo econômico e desrecalcar todas as forças que podem modificar os corpos até fazê-los glorificarem ditaduras. Kast foi o primeiro líder estrangeiro a parabenizar Bolsonaro por sua vitória. Se Kast ganhar, constitui-se um eixo latino-americano cujos polos são o Chile e o Brasil. Esse eixo reforça as posições reacionárias como nunca antes.

Quando Bolsonaro venceu, podíamos ouvir sempre aqueles que diziam que o poder iria “civilizá-lo”, que tudo aquilo era “discurso eleitoral”, que a realidade do governo era outra, com suas negociações incessantes. O que mais me impressiona é como essas pessoas conseguem preservar seus empregos. Ou melhor, não, nada disso efetivamente me impressiona há tempos. Fake news sempre foi a regra. Quem reclama hoje, na verdade reclama da perda de um monopólio de produção, não mais que isso.

Por toda a história que ressoa neste momento presente, não é difícil perceber que o que está em jogo no Chile não é apenas uma eleição. É a capacidade de terminar com uma história de derrotas e abrir uma nova sequência de lutas, com novos sujeitos políticos. Quando, em 1780, José Gabriel Condorcanqui liderou a maior revolta indígena que este continente conheceu, sua inteligência lhe fez compreender que a primeira condição para a vitória era livrar o passado de sua melancolia.

Ao liderar a revolta que atravessou o que hoje é o Peru e a Bolívia, ele se chamou Tupac Amaru II não por “messianismo” ou por qualquer coisa que acadêmicos gostam de usar para desqualificar a força popular da revolta. Ele fez isso por entender que as verdadeiras lutas começam por inverter as derrotas do passado, que seria necessário trazer o nome do rei inca que havia sido morto pelos espanhóis no momento em que se inaugurava a servidão. Tirar esse nome da sombra traumática da derrota. Seria necessário recolocá-lo na frente de batalha para calar as lágrimas diante da destruição. “Voltarei e serei milhões”, como dizia Tupac Amaru. Pois a possibilidade da repetição histórica é o que transforma o desamparo em coragem. Coragem para vencer, o que parece que a esquerda na maior parte dos lugares simplesmente perdeu. Quando nas ruas de Santiago, em 2019, voltavam a tocar as músicas revolucionárias dos anos 70 que lembravam que há de se ficar “de pé, a cantar, pois vamos triunfar”, a mesma inteligência havia retornado à cena política.

Por isso, todo este artigo era para dizer algo simples: Chile, vá em frente. Vá e vença, desta vez com Gabriel Boric. Isso não é apenas uma eleição. No Chile real, há certas eleições que não são apenas eleições. Há quase 50 anos esperamos este momento, sabendo que ele retornaria. Ele voltou, e desta vez não haverá mais bombas que consigam nos parar.

Vladimir Safatle é professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo.

 

José Luis Oreiro

 

Minhas propostas de política econômica para o próximo governo.

Inflação e desemprego devem ser pautas centrais das eleições em 2022.

 

André Vallias

 

General Heleno autoriza avanço de garimpo em áreas preservadas na Amazônia

VINICIUS SASSINE

O general Augusto Heleno, ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da Presidência, autorizou o avanço de sete projetos de exploração de ouro numa região praticamente intocada da Amazônia, gesto inédito do Conselho de Defesa Nacional nos últimos dez anos.

Heleno, que despacha no Palácio do Planalto e que se coloca como um dos principais conselheiros de Jair Bolsonaro, é secretário-executivo do Conselho de Defesa, órgão que aconselha o presidente em assuntos de soberania e defesa.

Cabe ao ministro do GSI dar aval ou o não a projetos de mineração na faixa de fronteira, numa largura de 150 km.

Com base em projetos encaminhados pela ANM (Agência Nacional de Mineração), o general autorizou em 2021 sete projetos de pesquisa de ouro na região de São Gabriel da Cachoeira (AM). O lugar é conhecido como Cabeça do Cachorro e está no extremo noroeste do Amazonas, na fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela.

Na região estão 23 etnias indígenas . São Gabriel da Cachoeira é a cidade mais indígena do Brasil. A Cabeça do Cachorro é uma das áreas mais preservadas da Amazônia e uma das últimas fronteiras sem atividades que resultam em desmatamento elevado .

A Folha analisou os extratos de 2.004 atos de assentimento prévio, como são chamadas as autorizações dadas pelo Conselho de Defesa Nacional para a faixa de fronteira, publicados nos últimos dez anos. Para isso, usou a base de dados mantida pelo próprio GSI. Os extratos são publicados no Diário Oficial da União.

As primeiras autorizações para empresas e empresários pesquisarem ouro na região de São Gabriel da Cachoeira foram dadas em 2021, levando-se em conta o levantamento feito nos atos dos últimos dez anos.

Questionada pela Folha, a ANM não respondeu se já houve autorização para pesquisa de ouro na Cabeça do Cachorro antes. Os dados públicos indicam que não.

Uma autorização de pesquisa permite "atividades de análise e estudo da área em que se pretende lavrar", conforme a ANM. São os trabalhos necessários para se definir uma jazida de um minério.

O levantamento feito pela reportagem mostra que Heleno concedeu 81 autorizações de mineração na Amazônia desde 2019, entre permissões de pesquisa e de lavra de minérios. A maior quantidade foi em 2021: 45, conforme atos publicados até o último dia 2, sendo essa a maior quantidade num ano desde 2013. O número pode aumentar, pois pode haver novos atos em dezembro.

Os assentimentos prévios no governo Bolsonaro, incentivador do garimpo em terras da União, envolvem área de 587 mil hectares, quase quatro vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Apenas os sete projetos na região de São Gabriel da Cachoeira englobam 12,7 mil hectares.

Os registros da ANM mostram que 6 dos 7 empreendimentos ocorrem em "terrenos da União". Os documentos não detalham que terrenos são esses, numa região onde estão o Parque Nacional do Pico da Neblina e terras indígenas.

O GSI afirmou, em nota, que há atos de assentimento em toda a região amazônica, voltados a pesquisa ou exploração de "diversos minerais considerados estratégicos para o Brasil nas últimas décadas". Os processos são instruídos pela ANM, segundo o GSI.

"A concessão de assentimento prévio para pesquisa ou lavra de ouro na região amazônica segue os mesmos ritos procedimentais que qualquer outro mineral, independente da região da faixa de fronteira em que se localiza, sob pena de causar prejuízos à União, estados e municípios caso houvesse qualquer tipo de favorecimento de uma região para outra", diz a nota.

A passagem pelo Conselho de Defesa mantém o controle e monitoramento de atividades em áreas sensíveis e disponibiliza informações importantes para tomada de decisões pelo presidente, de acordo com o GSI. "Não se evidenciou impedimento legal à solicitação dos interessados para o secretário-executivo assinar os atos de assentimento."

A Folha consultou dois documentos do GSI que orientaram os assentimentos prévios, com base em processos e pareceres favoráveis enviados pela ANM. Os outros cinco são mantidos em sigilo.
Heleno permitiu que Avemar Roberto Rocha pesquise ouro numa área de 553 hectares em São Gabriel da Cachoeira e Santa Isabel do Rio Negro, conforme decisão em 26 de julho de 2021. O documento do GSI mostra que a área da União está entre duas terras indígenas e um pouco abaixo do parque do Parque Nacional do Pico da Neblina.

Roniely Oldenburg Barbosa ganhou aval do GSI para prospectar ouro em 66 hectares em São Gabriel da Cachoeira e Japurá, de acordo com ato do general Heleno de 7 de abril de 2021. A área no primeiro município está entre uma terra indígena e o Rio Negro.

A reportagem não localizou Rocha. Barbosa não respondeu a contatos em rede social.

As autorizações dadas têm duas empresas como beneficiárias. Uma delas, a SF Paim, com sede em São Gabriel da Cachoeira, poderá pesquisar ouro em 1.110 hectares.

A empresa teve contrato assinado no fim de 2020 com a coordenação regional do Rio Negro da Funai (Fundação Nacional do Índio). O valor foi de R$ 679 mil, para serviços de engenharia. Em agosto de 2021, o GSI permitiu que a empresa pesquise ouro na faixa de fronteira da Cabeça do Cachorro.

A reportagem não conseguiu contato no telefone informado pela própria SF Paim.

Já a Amazonrios Navegação, empresa de transporte em balsas em diferentes estados na Amazônia, poderá pesquisar ouro, nióbio e tântalo em área de 9.676 hectares. O ato do general Heleno é do último dia 2. Segundo o informado à ANM, trata-se de "propriedade de terceiros". Também não foi possível contato pelos números informados.

O casal Fernando Mondini e Jerusa Coelho Mondini, sócios de empresa de construção e reparação de embarcações e de aluguel de máquinas para extração de minério, conseguiu cada um autorizações do GSI.

A área dele, de 215 hectares, envolve o município de Santa Isabel do Rio Negro. A dela, de 764 hectares, fica em São Gabriel da Cachoeira. O empresário planeja gastar R$ 150 mil com "sondagem por draga e coleta de amostras por tapete".

Outros R$ 150 mil devem ser para "teste de beneficiamento". E mais R$ 150 mil com levantamentos geoquímicos. O projeto da sócia também envolve dragagem, orçado em R$ 800 mil.
Ao telefone, Jerusa disse que o marido retornaria a ligação, o que não ocorreu.

Em nota, a ANM afirmou que requerimentos de mineração só podem incidir em áreas livres e desoneradas. "A ANM não aprovará o requerimento de qualquer título minerário se este incidir em área onerada ou em área com qualquer outro bloqueio legal, a exemplo de terras indígenas ou unidades de conservação de proteção integral."

FSP 5.12.2021

 

Cesar Benjamin

 

Que falta faz um Robespierre!

 

Faustino Teixeira

 

Minha visão de cartografia é aquela visão fantástica do astronauta olhando para a Terra e dizendo que a Terra é azul.

Ailton Krenak

 

André Vallias

 

Macbeth berra declarações de Bolsonaro que parecem de Shakespeare em peça / Segundo tomo da trilogia do horror de Christiane Jatahy mistura clássico sobre o tirano à voz do líder indígena Davi Kopenawa

Kopenawa (Foto: Claudia Andujar)

PAULO BIO DE TOLEDO

No saguão de entrada do Pfauenbühne da Schauspielhaus, em Zurique, o xamã yanomami Davi Kopenawa aguardava o início do espetáculo "Before the Sky Falls", ou antes que o céu caia. A presença do indígena ali há cerca de um mês criava um tipo de estranhamento e antagonizava com todo o frisson da estreia naquele que é um dos mais prestigiados teatros suíços da atualidade.

O choque entre esses mundos é também o fundamento do novo espetáculo dirigido pela encenadora brasileira Christiane Jatahy, com produção da Schauspielhaus. Segunda parte de sua trilogia do horror, ele mistura "Macbeth", o clássico de William Shakespeare, com a voz de Davi Kopenawa, registrada no livro "A Queda do Céu" pelo antropólogo francês Bruce Albert.

"Macbeth" já habita o imaginário de Jatahy há algum tempo. Em 2015, ela criou a videoinstalação "A Floresta que Anda", inspirada também na tragédia. Lá, contudo, a figura de Macbeth não tinha um rosto definido. Segundo a diretora, era uma presença sem forma fixa, um risco de tirania que pairava no ar, "quase como se fosse um presságio de tudo isso que estava para acontecer".

Seis anos depois, é como se tivéssemos ido mais adiante na tragédia. "A questão já não é mais uma iminência de alguma coisa", diz Jatahy. Segundo ela, a relação com a peça agora se aprofunda e se intensifica. Se antes a ameaça estava no ar, "agora ela está na carne, ela está no sangue".

O tirano Macbeth, então, se torna o centro do espetáculo. O ambiente é moderno. Tudo se passa num salão luxuoso, de decoração aristocrática, onde um grupo de homens de terno bebe champanhe e comemora o sucesso de alguma operação financeira bilionária.

Segundo a diretora, a camarilha de homens ébrios de poder é uma imagem de um capitalismo destrutivo, um "banquete sem fim que esses homens vivem, querendo devorar tudo o que têm à volta".

Macbeth personifica ainda as formas extremadas do sistema, o "fascismo associado ao sistema capitalista", que vai surgindo de maneira silenciosa e imperceptível até se corporificar de forma monstruosa, diante de nossos olhos.

O Macbeth da peça tem, portanto, uma série de equivalentes contemporâneos. O mais emblemático é Jair Bolsonaro. Declarações do presidente são inseridas no discurso do regicida escocês e parecem ter sido escritas por Shakespeare. É o caso do momento em que Macbeth tem um rompante e grita "tenho somente três alternativas, ser preso, morto ou a vitória". A frase é de Bolsonaro, mas cabe espantosamente no andamento do texto de Shakespeare e na boca do tirano.

Mas Macbeth não está sozinho na peça. Ele aparece cercado por uma gangue de homens, que manipulam sua insanidade segundo os seus interesses. Personificam, assim, um sistema cujo coração bate bem perto da Schauspielhaus em Zurique, onde estreou o espetáculo.

Jatahy termina "Antes que o Céu Caia" lembrando que um dos maiores compradores de ouro do Brasil é a Suíça — o país importa, de fato, quase um quinto de todo o metal que deixa o Brasil e responde pelo refino de quase 70% do ouro que circula pelo mundo.

De acordo com um relatório de julho deste ano do Instituto Escolhas, do total das exportações brasileiras do metal é estimado que 17% sejam de minério extraído ilegalmente, sobretudo da região amazônica — ocasionando largas faixas de desmatamento, poluição das águas e conflitos violentos com indígenas.

O espetáculo faz lembrar que o ouro dos garimpos ilegais, misturado ao sangue dos yanomamis, também brilha nas vitrines da Bahnhofstrasse em Zurique. É nesse sentido que a cenografia da peça põe um grande espelho no fundo do palco. Na Suíça, aquela desprezível camarilha não é bem um outro distante.

Davi Kopenawa, que nunca tinha assistido a um espetáculo de teatro, subiu no palco para os aplausos finais e saiu feliz. "Eu aprendi mais", disse ele, porque a peça "mostrou como funciona o capitalismo" e que "isso tudo começou aqui".

Segundo o xamã e líder yanomami, o espetáculo "mostrou o barulho da queda do céu". "Foi muito impressionante, foi como se tivesse quebrado o céu lá em cima. E isso se apresentou no teatro para nós e também para os não indígenas, para eles aprenderem e acreditarem."

A fala de Kopenawa assinala a imagem da tragédia que pulsa da montagem, mas também a força de resistência que emana dali. As formas violentas do capitalismo são contestadas, no espetáculo, pela voz yanomami. Textos de "A Queda do Céu" substituem a fala premonitória das bruxas e dos espíritos na tragédia de Shakespeare e criam um contraponto para os acontecimentos, além de envolverem o início e o final da montagem.

Também as mulheres, que aparecem no começo como quadros fixos projetados nos cenários, rompem aos poucos aquela moldura. O corpo da dançarina negra Titilayo Adebayo, por exemplo, é projetado por todo o teatro em um forte contraste com o modo violento dos homens se movendo no centro do palco. São várias as imagens da resistência convivendo com o horror.

Segundo a diretora Christiane Jatahy, "não é uma peça sobre um fatalismo irrevogável, inegável. É uma peça sobre o horror, mas também sobre a urgência de acabar com esse horror".

O espetáculo é a segunda parte da trilogia que começou com "Entre Chien et Loup", ou entre cão e lobo, inspirada no filme "Dogville", de Lars von Trier, e que fala sobre a forma silenciosa como o fascismo reaparece nas formas de sociabilidade contemporânea.

A última parte será desenvolvida no Brasil, a partir de dezembro. "Depois do Silêncio" será sobre as formas modernas da escravidão e terá como material de base o celebrado romance "Torto Arado", de Itamar Vieira Junior, colunista deste jornal. A estreia está prevista para junho do ano que vem, também na Europa.

FSP 6.12.2021

Antes que o céu caia

 

 

Faustino Teixeira

 

Um MAL que se irradia, também no Brasil

No Estadão de hoje, 07/12/2021

Mosteiro de São Bento muda regra de visita de menores e vê saída de noviços após denúncias de abuso

Gonçalo Junior, O Estado de S. Paulo

07 de dezembro de 2021 | 05h00

As denúncias de assédio sexual contra quatro religiosos do Mosteiro de São Bento motivaram, após a intervenção do Vaticano, mudanças de regras na instituição. Adolescentes que têm vocação religiosa e desejam conhecer o local, por exemplo, agora só podem entrar acompanhados dos pais ou responsáveis. Em meio à crise, o local vê ainda a saída de noviços – 8 de 12 jovens religiosos deixaram o mosteiro desde 2019.

As acusações, como mostrou o Fantástico, são feitas por dois jovens, que teriam sofrido assédio sexual de religiosos quando ainda eram menores de idade. Os crimes teriam ocorrido entre 2016 e 2018. Os suspeitos foram ouvidos pela polícia e negam as acusações. Três deles foram afastados do mosteiro e um morreu de covid-19 no ano passado.

Em 2019, os 32 religiosos do Mosteiro foram surpreendidos com a notificação judicial por causa das denúncias. Em seguida, a entidade recebeu uma visita apostólica – um grupo de monges brasileiros designados pelo Vaticano se instalou no local. Com a pandemia, a intervenção, de fato, começou só em abril deste ano.

“Não foi um inquérito, mas todos foram ouvidos”, disse ao Estadão o monge Hildebrando Brito, membro da direção espiritual do Mosteiro. Ele acompanha desde o início a ação dos interventores chefiados pelo Frei Evaldo Xavier, da Ordem dos Carmelitas. “O mosteiro ficou congelado desde o início da visita. Todas as áreas têm de passar suas informações. Estamos seguindo com fidelidade as orientações propostas pelo Vaticano.”

Embora não sejam tão frequentes, principalmente na pandemia, as visitas estão controladas em um protocolo trazido pelo interventor. Além de irem acompanhados dos pais, agora os jovens são recebidos por um monge específico, designado para recebê-los. Antes, podiam ser recebidos por diferentes religiosos. Houve também mudanças na hierarquia e trocas de cargo.

Já a rotina dos monges, segundo Brito, pouco mudou. Ele diz também que os casos de assédio são “pontuais" e destaca que as saídas dos noviços foram por vários motivos. “Alguns pensaram que a investigação ia demorar muito, por exemplo. Mas todas aconteceram nesse período de visita apostólica e intervenção”, disse. “As pessoas não podem confundir o Mosteiro de São Bento, em sua totalidade, com os acusados”, defendeu. “Vamos ficar com essa ferida, um corte, que vai cicatrizar, mas o corpo está saudável. Não existe erro de vivência na casa.”

Pandemia atrasou investigação, diz monge Brito afirma também que a crise da covid-19 atrasou a investigação e eventual punição. “As pessoas podem achar que demorou muito, mas nós não estávamos enrolando, como diz a linguagem popular. A pandemia atrasou o processo.” Mesmo assim, ele diz que novos casos, se ocorrerem, serão tratados com mais rapidez. "Se acontecer de novo, seremos mais rápidos", disse o monge. ]

“Além disso, precisamos olhar sempre para as vítimas”, continuou.