23 Setembro 2021
"Já não é hegemônica a ideia de que o futuro será melhor do que o presente e do que o passado. As incertezas quanto a crise climática e ambiental estão afetando as decisões reprodutivas da juventude. Consequentemente, afeta a relação intergeracional", escreve José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador em meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 22-09-2021.
O impacto da crise climática e ambiental atingirá essencialmente as crianças e adolescentes atuais mas, principalmente, as novas gerações que ainda vão nascer.
“Os olhos de todas as gerações futuras estão sobre vocês. E se vocês optarem pelo fracasso, eu digo que nunca iremos perdoá-los” Greta Thunberg (Nova York, 23/09/2019)
Uma pesquisa internacional feita com jovens de dez países mostra que os jovens sofrem com ansiedade sobre o futuro do planeta e uma parcela cada vez maior hesita em relação à possibilidade de ter filhos.
Já não é hegemônica a ideia de que o futuro será melhor do que o presente e do que o passado. As incertezas quanto a crise climática e ambiental estão afetando as decisões reprodutivas da juventude. Consequentemente, afeta a relação intergeracional.
Desde a Revolução Industrial e Energética, que teve início no final do século XVIII, as gerações passadas, no longo prazo, tiveram sucesso em promover a transição demográfica (redução das taxas de mortalidade, aumento da esperança de vida e redução das taxas de natalidade), promover a transição urbana (passagem de uma economia rural e agrária para uma economia urbano-industrial e de serviços) e melhorar os níveis de consumo e bem-estar da população mundial. A despeito das desigualdades, a herança civilizacional foi positiva nos últimos 250 anos. Porém, a herança ambiental foi negativa, pois o aquecimento global e perda de biodiversidade podem gerar um colapso ecológico sistêmico, afetando principalmente a novas gerações e as gerações que ainda nem nasceram.
O enriquecimento humano se deu às custas do empobrecimento da natureza e as novas gerações estão percebendo que este caminho é insustentável. Grande defensor do crescimento econômico, o famoso economista John Maynard Keynes (que não teve filhos) dizia: “no longo prazo todos estaremos mortos”. Traduzindo para a situação atual, as gerações mais velhas estarão mortas antes do cenário de colapso ambiental que ajudaram a construir. O drama será vivido pelas jovens gerações atuais e pelas gerações que ainda vão nascer.
Segundo a pesquisa global – Hickman e Marks (The Lancet, 07/09/2021) – realizada com jovens de Brasil, Austrália, EUA, Reino Unido, Índia, Nigéria, Filipinas, Finlândia, Portugal e França:
Segundo reportagem da BBC (14/09/2021), os dados coletados no Brasil mostram que os jovens brasileiros têm um nível de ansiedade em relação ao futuro climático no planeta acima do nível mundial (que já é bastante alto). A maioria dos jovens entrevistados no Brasil sentem que o governo está falhando com eles (79%). A maior parte dos jovens brasileiros ouvidos (92%) também acredita que a humanidade falhou em tomar conta do planeta e acham que o futuro é assustador (86%). Quase metade (48%) dos brasileiros entrevistados disseram que as mudanças climáticas os fazem ficar hesitantes em relação a ter filhos. Essa proporção ficou bem acima da média mundial (39%).
Relatório divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), no dia 20 de agosto de 2021, mostra que metade das crianças e adolescentes do mundo (1 bilhão de pessoas) está extremamente exposta aos impactos da crise climática e as novas gerações serão, proporcionalmente, as mais penalizadas pelas mudanças climáticas.
Utilizando dados geográficos de alta resolução, o relatório da Unicef apresenta novas evidências globais de quantas crianças estão atualmente expostas a uma variedade de perigos climáticos e ambientais, choques e estresses. Por exemplo, o relatório lista os eventos de início repentino e moderadamente repentino que vão afetar as jovens gerações:
Ou seja, a maioria dos adultos de hoje não estarão vivos em 2100 e nem vão vivenciar os maiores danos da emergência do clima.
O impacto da crise climática e ambiental atingirá essencialmente as crianças e adolescentes atuais mas, principalmente, as novas gerações que ainda vão nascer.
Segundo as projeções populacionais da Divisão de População da ONU (feitas em 2019) está previsto o nascimento de 10,2 bilhões de bebês entre 2025 e 2100. Lastimavelmente, cada nova criancinha receberá um boleto na maternidade com o valor da dívida ambiental a ser paga com “sangue, suor e lágrimas” na guerra contra o aquecimento global e a perda de biodiversidade.
Desta forma, os jovens estão indo para as ruas para protestar contra a herança maldita e para lutar contra a possibilidade de um colapso ecológico. Por isto existe a convocação da Greve climática global para o dia 24 de setembro de 2021.
O futuro está nas mãos da juventude atual que vai decidir quantos filhos quer ter enquanto for para as ruas lutar contra o colapso ecológico sistêmico.
ALVES, JED. A emergência climática, as novas gerações e a Greve Climática Global, Ecodebate, 06/09/2021. Disponível aqui.
UNICEF. A crise climática é uma crise de direitos das crianças. Introduzindo o Index de risco climático para as crianças, 20/08/2021. Disponível aqui.
Caroline Hickman, Elizabeth Marks. Young People’s Voices on Climate Anxiety, Government Betrayal and Moral Injury: A Global Phenomenon, The Lancet, 07/09/2021. Disponível aqui.
BBC. Mudança climática afeta decisão de jovens brasileiros sobre ter filho, diz pesquisa internacional, 14/09/2021. Disponível aqui.
Greve climática global – 24 de setembro de 2021. Disponível aqui.
Greve climática global em 24 de setembro de 2021. Disponível aqui.
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A crise climática afeta as decisões reprodutivas da juventude. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU