09 Abril 2021
"Cada vez que esta nova Lei interrompe o exercício de castigo da Lei, há ressurreição: a morte não pode ser a última palavra sobre o sentido da vida, assim como a Lei do castigo e do sacrifício não pode ser a última palavra sobre o sentido da Lei", escreve Massimo Recalcati, psicanalista italiano e professor das universidades de Pavia e de Verona, em artigo publicado por La Repubblica, 08-04-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Há mais de trinta anos, como psicanalista, escuto a dor das pessoas. E há vários anos voltei a ler e estudar a Bíblia. A convicção que desenvolvi é que não é a psicanálise que ilumina o texto bíblico, mas este texto que constitui suas raízes mais profundas e impensadas. O judeu Freud e o católico, ao menos por formação, Lacan confirmam essa ideia aos meus olhos.
Meu artigo celebrando a Páscoa foi lido como um manifesto retórico de antijudaísmo. Isso me amargura profundamente porque contrasta com minha pesquisa humana e intelectual. Aproveito este espaço para apontar francamente o meu pensamento: Jesus é judeu, sua pregação é incompreensível se não considerarmos suas profundas raízes judaicas e seu conhecimento da Torá. Nenhum cancelamento da dívida simbólica: "Não vim para abolir a Lei", mas "lhe dar pleno cumprimento" (Mt, 5, 17-19). Qual lei? A Lei de Moisés, aquela na qual o mandamento mais decisivo do Novo Testamento, o do "amor ao próximo" (Lv, 19,21 - 19,24), já está inscrito. Com efeito, é precisamente a partir da centralidade deste princípio que Jesus relê a Bíblia: ama o próximo, o estrangeiro, na medida em que "fostes estrangeiros no Egito" (Ex, 23,9, Lv 19,22).
Mas o que significa então levar a cumprimento a Lei? Trata-se de radicalizar o mandamento mosaico do amor ao próximo, de mostrar que a Lei não é adversa ao desejo, não é seu antagonista, porque a Lei é um nome do desejo, é um nome da vida. Enquanto formulo esta leitura, evoco um grande tema da psicanálise freudiana, retomado com força por Lacan, o da relação entre desejo e Lei. Em Jesus, o cumprimento da Lei consiste em libertar a vida da Lei, não mais opondo a Lei à vida, mas inscrevendo a Lei no próprio coração da vida. A Lei não deve ser abolida em nome de um desejo idólatra, mas deve ser redescoberta como expressão de uma vocação que sabe dar forma à vida.
Não se trata, portanto, de desarticular a religião da Lei, mas de levar a cumprimento a própria noção da Lei. No entanto, também é verdade que a Lei descrita no Deuteronômio no segundo discurso de Moisés é uma Lei que se estrutura sobre um rígido um dispositivo retributivo: quem cumpre a Lei de Deus será amplamente recompensado e quem a transgrede será severamente punido de acordo com o princípio pelo qual a pena mais justa é aquela proporcional à ofensa. Bênção e maldição aparecem como o reverso e o verso de uma justiça que pune a culpa e não conhece perdão da qual, se não podemos julgá-la como majoritária no chamado Antigo Testamento e na tradição talmúdica, devemos pelo menos reconhecer sua presença significativa. Quando se lê Deuteronômio 28, entra-se em contato com uma versão da Lei que não é exatamente aquela do amor ao próximo. A Lei aqui está configurada como uma lista de maldições que atingirão implacavelmente qualquer um que não souber adequar sua vida a ela. Nenhuma misericórdia, nenhuma exceção, nenhuma graça. A morte cai como um machado na cabeça do ímpio.
A lei de Deus pode realmente ser representada como um flagelo? Ora, a questão é que essa leitura sacrificial-penitencial da Lei não é só uma versão presente no texto bíblico, mas acabou sendo historicamente hegemônica no catolicismo, pelo menos até a virada conciliar. Haveria inúmeros exemplos. E é precisamente contra esta versão da Lei que se levanta a voz de Jesus, o Judeu: "Misericórdia é o que eu quero, e não sacrifício" (Mt 9,13). Nesse sentido, eu estava tentando escrever que a ressurreição é a Lei do amor e do perdão que entrega de volta a vida à vida, tirando-a da morte.
Amar o inimigo assume esse valor irredutível, mas esse amor não está de forma alguma ausente no texto do Primeiro Testamento, como diria Paul Beauchamp (1). Os exemplos, mesmo neste caso, seriam inúmeros. A pietas do próprio Deus para com o fratricida Caim, a mãe que na história da espada do rei Salomão se oferece para salvar seu filho do estratagema de uma Lei sem coração, a atitude de José para com seus irmãos que o venderam como escravo a mercadores: "Assim os consolou e falou segundo o coração deles" (Gn, 50-21). Cada vez que esta nova Lei interrompe o exercício de castigo da Lei, há ressurreição: a morte não pode ser a última palavra sobre o sentido da vida, assim como a Lei do castigo e do sacrifício não pode ser a última palavra sobre o sentido da Lei.
1. Paul Beauchamp, jesuíta, teólogo francês, autor, entre muitos outros livros, de A Lei de Deus - De uma montanha a outra, São Leopoldo: Editora Unisinos, 2003.
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Nas raízes do cristianismo. Artigo de Massimo Recalcati - Instituto Humanitas Unisinos - IHU