20 Janeiro 2021
"No Estado do Amazonas passam de 220 mil o número de infectados pelo novo coronavirus, e mais de 6.100 mortes. Somente nas últimas 24 horas (15 de janeiro) foram 213 óbitos em Manaus. Um atentado contra à saúde pública e contra a população", relata o Pe. Paulo Tadeu Barausse, Sj, coordenador do Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental - SARES, Manaus, AM.
No Estado do Amazonas passam de 220 mil o número de infectados pelo novo coronavirus, e mais de 6.100 mortes. Somente nas últimas 24 horas (15 de janeiro) foram 213 óbitos em Manaus. Um atentado contra à saúde pública e contra a população. Diante da imensa tragédia que clama o socorro de Deus muitas perguntas estão colocadas: Quem são os responsáveis? O que poderia ter sido feito para evitar a concretização da tragédia? Por que não foram tomadas providências em tempo hábil? Alguns elementos devem ser considerados:
1. Desde o final de novembro, o aumento do número de internações era um alerta real aos governos municipais e estadual da onda que se aproximava;
2. A fornecedora de oxigênio à rede hospitalar alertou os consumidores sobre a capacidade de produção. Um médico que trabalha na linha de frente ao enfrentamento do Covid-19 em Manaus disse que há mais de dez dias os profissionais da saúde comentavam sobre a alta demanda por oxigênio. Não esqueçamos que na segunda-feira (11 de janeiro), esteve em visita a Manaus, o ministro da Saúde, Eduardo Pazzuelo. Nenhuma palavra do ministro sobre a falta de oxigênio. Sabemos que no passado os hospitais públicos dispunham de suas próprias usinas para produção de oxigênio em caso de emergência. O ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio Neto afirmou em vídeo publicado no seu Instagram que 28 pacientes morreram por falta de oxigênio no Pronto-Socorro 28 de Agosto, na capital amazonense. Os hospitais da cidade amanheceram praticamente sem estoques de oxigênio nesta quinta-feira (14). Já não se tratava de um sinal de alerta e sim da consumação da tragédia construída. Está vivo em nossa mente o desespero dos familiares gritando por socorro enquanto pacientes agonizavam por falta de oxigênio;
3. No início de dezembro, as secretarias de Saúde do Estado do Amazonas e de Manaus alertaram o Ministério da Saúde sobre as dificuldades que se avizinhavam;
4. Os cientistas amazonenses desde agosto de 2020 alertaram sobre o perigo do retorno amplo das atividades. Todos os governantes e dirigentes foram prévia e recorrentemente alertados a respeito do risco do relaxamento das medidas de distanciamento social e da abertura ampla e geral das atividades;
5. O Poder Judiciário Estadual do Amazonas, por diversas vezes, convalidou as medidas sanitárias que foram adotadas visando a abertura e continuidade das atividades, entre estas, as aulas presenciais das escolas públicas estaduais. O Sares juntamente com inúmeras entidades, instituições, pastorais e movimentos sociais elaboraram Cartas/Manifestos e documentos pedindo providências a essa postura.
6. A imprensa local informou os casos da Covid-19, segundo os dados oficiais. Ao mesmo tempo em que a narrativa mais ampliada legitimava à volta das atividades comerciais.
7. A medida recomenda em todos os protocolos do mundo - o uso de máscara - foi solenemente ignorada por grande parte da população, embora obrigatória e recomenda pela imprensa.
8. Entre os meses de setembro e dezembro, voltamos à “normalidade” da vida anterior, com alguns escassos cuidados de parte da população. Em muitos estabelecimentos comerciais, os próprios funcionários e proprietários (as pessoas mais suscetíveis ao risco do contágio) não utilizavam as máscaras corretamente.
9. Durante os meses de junho a dezembro - o número informado de internações, casos graves e mortes ficou estável, levando à sensação de que havia controle da pandemia no Estado do Amazonas. Situação desmentida pelos cientistas (os da Fiocruz, principalmente), mas o que representa o pensamento científico nos dias atuais? O que esperar como conduta adequada da população se o próprio presidente da República atuou para negar a pandemia e sabotar as medidas de prevenção? Não podemos esquecer que Manaus foi a segunda cidade onde o presidente brasileiro obteve a maior votação em 2018.
10. A desativação dos hospitais de campanha, entre setembro e outubro, atuou para reforçar a sensação de que a pandemia estava sob controle no Amazonas, mesmo que os cientistas indicassem noutra direção;
11. No início de dezembro, porém, as curvas de casos novos e de mortes voltaram a subir, confirmando as projeções feitas por infectologistas. Em 23 de dezembro, o governo estadual publicou um decreto que determinava a paralisação das atividades econômicas, permanecendo somente as essenciais. Comerciantes e representantes de setores de serviços promoveram manifestações públicas em defesa da manutenção das atividades, no que foram apoiados (ou ao menos não confrontados) por um conjunto de instituições. Por conta do “clamor popular”, o decreto governamental que entraria em vigor a partir de 26 de dezembro, sofreu mudanças e passou a vigorar em 5 de janeiro, após decisão judicial que o validou.
12. Nesse período, o contágio já havia se alastrado e a capacidade da rede hospitalar se mostraria insuficiente para o atendimento de milhares de pessoas em tão pouco tempo. O caos estava instituído. Segundo o Correio Brasiliense (16 de janeiro), a nova variante do coronavírus identificada em Manaus (a mesma detectada em viajantes japoneses que estiveram no Amazonas) tem maior potencial de transmissão e, segundo análises preliminares, pode já estar disseminada pela capital amazonense.
13. A quantidade de aglomerações em festas de natureza variada, reuniões de trabalho ou de confraternização, só foi menor que a realidade cruel a que trabalhadores e demais usuários dos transportes públicos coletivos estavam submetidos. Templos e igrejas também contribuíram para compor esse quadro, na proporção direta de suas reuniões e relaxamento dos cuidados sanitários.
14. Como se propagou o efeito do gesto do presidente da República ao nadar na praia, incentivando à normalidade e, expressamente, negando a gravidade da pandemia? Possivelmente, um gesto a favor da saúde do povo, teria ajudado a não agravar a situação. Em Manaus, o apoio à banalização da pandemia não foi pequeno e recebeu incentivo de diversos atores.
15. Os remédios indicados para o “tratamento precoce” da doença foram utilizados largamente em Manaus, sem resultado prático comprovado. Em visita à Manaus, o ministro da Saúde coagiu médicos a receitarem tais medicamentos (chamados de “kit Covid”). Como pontuaram inúmeros estudos, em diversos países, o isolamento, o distanciamento social, uso da máscara, a higiene das mãos e a vacina são os mais indicados no enfrentamento da pandemia. Uma profissional da saúde partilhou, que os pacientes que ela orientava, e que estavam em sua casa afirmaram que receberam o Kit Covid – 19 isto dava a sensação que eles estavam imunes ao vírus. Fica uma pergunta: Quais serão os efeitos colaterais de tal tratamento? Quais serão as sequelas ao longo prazo?
16. Hoje, no Amazonas, estamos com restrições das atividades e sob o toque de recolher a partir das 19h. Dentro de 15 dias (se respeitadas as normas do isolamento) poderemos ser atendidos novamente nos hospitais e clínicas. Mas, para que as normas de isolamento possam acontecer é fundamental assegurar as mínimas condições às famílias mais vulneráveis. Cabe ao prefeito de Manaus, a exemplo do que ocorreu em Belém, fazer funcionar o mais rápido possível uma renda básica a esse contingente de famílias que passa fome.
17. No domingo (17 de janeiro), a ciência que produz respostas para um bem coletivo prevaleceu. A vacina é vida, é esperança! Quando todos estiverem vacinados, a situação deverá se estabilizar. Nos cabe a tarefa de acompanhar o plano de vacinação, de conhece-lo bem e de agirmos para que a vacina alcance todos pública e gratuitamente. Conforme a nota do Conselho Indigenista Missionário – CIMI “ao anunciar o início do plano de vacinação da população brasileira no dia 14 de janeiro, o ministro da Saúde Eduardo Pazuello, sobre os grupos prioritários, referiu-se apenas aos indígenas aldeados, que representam 410.348 pessoas, segundo o ministro. O termo usado pelo ministro, “indígenas aldeados”, nos remete ao período da ditadura militar e representa uma discriminação. Nessa situação grave de pandemia sanitária, excluir grupos indígenas do acesso à política de saúde pública é um contrassenso político e humanitário. O fato do indígena estar fora da aldeia não faz com que ele deixe de ser indígena”.
18. A vacina não encerra a pandemia. É um passo muito importante que pede a manutenção dos cuidados sanitários recomendados por um longo período. A experiência em imunização do Brasil, exemplo para o mundo, sofre desmantelamento por parte do governo federal. Em relação a pandemia da Covid-19, houve atraso imenso, quando o Brasil poderia ter sido um dos primeiros países a viver o processo de vacinação.
19. Os pesos estão na balança da vida: o sofrimento por que passamos deve servir para nos tornar mais fortes, mais solidários? Ou nos torna mais indiferentes e egoístas?
O que seria de nós sem nós? Seguimos em lutas, na mesma canoa remando contra o banzeiro, e somos muitos, graças aos Deuses e aos bons espíritos! Vamos em frente pelo coletivo e com o coletivo. Do pastor e ativista americano Martin Luther King, assassinado em 1968, recolho a frase: “a história terá que registrar que a maior tragédia deste período de profundo sofrimento e dor, não foi o clamor estridente dos maus, mas o silêncio dos bons”. Que esta tragédia por nós vivida não seja silenciada!
Manaus, 19 de janeiro de 2020
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Elementos importantes para compreender o contexto trágico que vivemos na cidade de Manaus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU