01 Dezembro 2020
"O aumento do número de operações que resultam em mortes sem precedentes é sinal de que um descontrole está acontecendo neste aumento. Apesar de ter o mandado do uso da força com um arsenal bélico impressionante, espera-se que as policias usem de estratégias para o controle do tráfico de drogas. A segurança pública deveria garantir a preservação da vida, mas não é isso que observamos, pois o excesso de ações policiais onde todos são mortos causam desconfiança no sentido dessas mortes. O efeito reverso dessa banalidade da vida humana e a rotinização da letalidade policial sem ser vitimada, nem mesmo com um arranhão, causa espanto", escreve Aloir Pacini, padre jesuíta, antropólogo e professor da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT.
Em 11 de agosto, os indígenas Arcino Sunbre García, Pablo Pedraza Chore, Yona Pedraza Tosube e Ezequiel Pedraza Tosube Lopez foram mortos pelos policiais do Gefron durante o patrulhamento próximo da BR-070, em Cáceres (a 225 km de Cuiabá). Antes de haver a distribuição de lotes pelo Incra e formar o Assentamento no lado do Brasil, o lugar era chamado Corixinho, tanto no lado do Brasil como no lado da Bolívia. No lugar que hoje estão as instalações do Gefron e do Instituto de Defesa Agropecuária do Estado Mato Grosso (Indea) morava parte da família dos chacinados. O local se tornou zona de propriedade do Brasil por causa da fronteira que passou ali e os Chiquitanos foram retirados dali compulsoriamente.
Os parentes dos chacinados gritando por Justiça (Foto: Gabriel Schlickmann)
O Boletim de Ocorrência feito pelo Gefron afirma que tratava-se de traficantes armados que teriam disparado contra os policiais, iniciando uma troca de tiros. Mas as famílias negam essa versão dos fatos, pois os Chiquitanos estavam caçando. Por isso, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) solicitou o afastamento dos policiais José Sílvio Cardoso de Oliveira, Cristiano Konzen, Anderson dos Santos Melo, Marcos Aurélio Espinosa Pereira que estavam envolvidos na chacinagem, mas o pedido foi indeferido pelo secretário Estadual de Segurança Pública. São 24 tiros que atingiram os quatro Chiquitanos de forma brutal. O Gefron criou uma estória para acobertar seu erro. João Pedraza Chore, o pai de Ezequiel afirma: “Se eles tivessem alguma coisa errada, eu era o primeiro a dizer: estavam errados! Mas eles saíram para caçar. Saíram com uma foice, um enxadão, com uma espingarda que era emprestada e um estilingue. Meu guri não tinha vício algum. É uma tragédia!”[1] E sua esposa Yda Tosube Lopez, lamenta a morte do filho, com apenas 18 anos: “Ele era um garoto que aprendia as coisas fácil. Sabia consertar bicicleta e fazer instalação elétrica. Era prestativo e ajudava a todos!”
No dia 24/11/2020 o Ministério Público Federal requisitou que a Polícia Federal passe a investigar o caso, que quase foi arquivado pelo Estado. A 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) entendeu que o órgão deve continuar investigando crimes cometidos na fronteira por policiais do Grupo Especial de Fronteira (Gefron). Na Câmara, a procuradora da República Luiza Cristina Fonseca Frischeisen entendeu que “mostra-se prematuro” entregar a investigação ao MPE. Frischeisen citou que é competência do MPF apurar crimes praticado por brasileiros no exterior e que, nesses casos, não há possibilidade de extradição para a Bolívia. Mais detalhes podem ser vistos no voto que acompanhou a procuradora:
“Isso porque, para definição da atribuição para investigar e propor eventual ação penal quanto aos crimes noticiados, a análise não deve ficar restrita à hipótese de possível disputa sobre direitos indígenas, tendo em vista que as circunstâncias do crime ainda não se encontram absolutamente claras, não se mostrando possível afirmar, com mínima segurança, que os crimes não guardam relação com disputa sobre direitos indígenas” [2](Carlos Frederico Santos).
Ou seja, a procuradora reiterou que os assassinatos,
“... noticiados ultrapassaram as fronteiras do Estado brasileiro, o que, por si só, faz nascer o interesse da União na elucidação das infrações penais, levando em conta que o interesse federal está presente sempre que se identifica na Constituição o elemento de internacionalidade da conduta delituosa”.
Para pensar que a Etnia Chiquitana está sendo assassinada, podemos observar a invasão do seu território tradicional pelos grandes fazendeiros e a devastação da vegetação nativa, substituindo-a por pasto e a criação de gado. Assim o grande vale do Guaporé vai passando da condição de Baía Grande para uma região cada vez mais desértica.
Atividades em tempo de pandemia (dia de consciência negra e Chiquitana)
Em outro contexto, a obra de arte "Palhaço e Soldado PM Carvalho", do artista guatemalteco, naturalizado americano, Alex Donis mostra um policial com a farda da PM de São Paulo, mas poderia ser do Rio de Janeiro, de Cuiabá, de Cáceres etc. que dança com um “criminoso” que está de fuzil na mão. Os conflitos recorrentes entre policiais e as populações marginalizadas crescem no Brasil, pois as notícias são de que também PMs integram milícias espalhadas por todo canto em função dos estímulos dos governos que são favoráveis ao armamento da sociedade para combater a criminalidade.
Até uma exposição de arte trouxe reações violentas das corporações militares. Alex Donis costuma focar em representações de desejo queer, especialmente entre homens não brancos. Esta pintura, que foi comissionada para o projeto Histórias da dança, faz parte de uma série intitulada Pas de Deux, e imagina uma cena do balé Dom Quixote de Marius Petipa, de 1869, dançada por um membro do PCC (Primeiro Comando da Capital) chamado Palhaço e um policial militar. Donis fez uma pesquisa cuidadosa ao representar cada figura, com uma atenção aos detalhes específicos que podem trazê-las à vida. Que bom que podemos manifestar nossos pensamentos ainda, pois o negacionismo de muitos e o discurso de ódio nem deixa isso acontecer. Temos um caminho longo ainda por trilhar como Rede para auxiliar os mais fragilizados nesse momento da história da humanidade. Olhemos os detalhes da pintura:
Crédito: Reprodução/Instagram
"Tatuagens de grupos locais, equipamento anti-motim e insígnias militares são indícios da guerra das drogas em curso em São Paulo. Em um momento global atual, onde o protesto e a violência nas ruas se tornaram sinônimos de brutalidade policial, Donis imagina outro desfecho para essa crise em termos de paz, amor e unidade através da dança".[3]
Se essa obra de arte trouxe projeção internacional, vou também trazer agora a arte feita por um menino com 8 anos de idade que sofreu de perto a chacinagem do pai, pois são muito fortes esses desenhos contando a história do massacre do dia 11/08 por uma criança, o filho de um dos chacinados. Cristiane Martinez Ramos, esposa de Pablo, com o filho, Pablo Júnior Pedraza Martinez, pedem Justiça insistentemente, cada um a seu modo. Pablo Pedraza Chore foi morto com oito tiros. O impacto das balas quebrou os ossos de seu braço esquerdo.
Pedi licença para usar os desenhos de Pablo Júnior nessa publicação para que outras pessoas vejam e foi aceito. A tia disse que ele não comia, estava triste. Por isso a mãe mandou que ele fosse visitar a tia em Cáceres e ficasse com os primos para ver se voltava a ser o menino que era antes. A tia o encontrou logo no primeiro dia o menino tentando montar uma metralhadora de brinquedo. Ela perguntou para que ele queria uma metralhadora e ele falou que era para se defender da polícia. A tia procurou-me para ver o que fazer, mas Pablo Júnior não conseguia falar comigo. Orientei que era bom conversar com eles sobre esses assuntos também, não recriminar, pois ele precisa colocar pra fora os sentimentos que estão dentro de seu coração e, com carinho, ir trabalhando isso para que ele supere as dificuldades oriundas da tragédia acontecida. Pedi para ele escrever o que sente para auxiliar a se expressar, podia ser na língua espanhola, mas ele não tinha muita habilidade na escrita.
Compreensível é ter vergonha de falar comigo porque fala em espanhol e não em português. Então uma das soluções foi procurar expressar suas frustrações e saudades como filho através de desenhos. E nos desenhos ele conseguiu expressar os sentimentos, o que parece ter aberto um vínculo de confiança com a tia, pois até pediu para ela ser madrinha dele. Ele passou a falar com ela a respeito dos seus traumas e a se sente melhor, porque colocou pra fora o que lhe inibia, a jogar futebol, brincar etc. Pablo Júnior falou também que queria ir para a praça de Cáceres, queria conhecer outros lugares, por isso saíram para passear. Para que a tia pudesse tornar-se madrinha, vai consagrar Pablo para Nossa Senhora para protegê-lo. Quando o tio Ramiro voltou de Santa Cruz de la Sierra passou a auxiliar também a reforçar essa vinculação valorizando os desenhos do Pablo Júnior. Desenhar e as artes em geral podem ser um canal de expressão do mais profundo de nós mesmos e essa comunicação entre o Pablo e o seu mundo exterior foi uma porta que ele abre do seu interior.
Desenho do filho de Pablo (assassinado em 11/08/2020)
Nesse desenho, o menino mostra sua família formada pelo pai, mãe e ele, depois sua casa em San José de la Frontera, na casa está no aconchego e proteção, os três: ele, sua mãe e seu pai, “quando eram felizes, quando viviam bem”, disse o menino. Aqui ainda é monocromático, um passado que está na memória, mas não volta mais.
Desenho do filho de Pablo (assassinado em 11/08/2020)
Nesse desenho, o menino mostra algumas casas de San José de la Frontera, numa das casas está ele, sua mãe e seu pai, mas um caminho aberto sem conseguir expressar para onde vai dar esse caminho, pois mais embaixo no desenho estão as quatro sepulturas, uma do pai dele.
As três casas onde moravam com os tios e a avó, era uma aldeia. Sentiam-se em casa naquele lugar e sua casa fazia parte do meio social e cultural. Afirmou que era muito bom quando eles moravam todos juntos na casa deles, mas que agora está faltando o pai que morava com ele e a mãe, antes de ser morto. Mais em baixo, um novo capítulo da história que está difícil de integrar, mas que aos poucos vai sendo assumido com mais aceitação: o cemitério dos chacinados, do pai e dos amigos do pai. Aqui também os desenhos são monocromáticos, a cor azul para indicar os céus. Com o auxílio de pessoa especializada em constelação familiar, consegui que compreender que indica também que se trata de uma criança tranquila e reflexiva. O desenho das sepulturas localizadas no lado direito da folha representa o futuro. A dor que parece prevalecer com a insegurança, a saudade do pai... Um futuro permanente que parece ser o trauma que o acompanha nesse momento.
Agora impressiona mesmo quando chega o desenho final que mostra o momento que ele está passando uns dias na casa da tia em Cáceres. Com o primo passam brincando e manifestando-se de forma criativa. As cores trazem também algumas representações e a forma circular mostra que a cosmologia dos Chiquitanos é maravilhosa, as coisas tendem a serem harmonizadas para poder fazer com que todos os brinquedos, cada casa e cada situação encontra o seu lugar, na busca do equilíbrio, da superação da desordem e das incertezas causadas pela morte do pai, tios e primos.
Desenho do filho de Pablo (assassinado em 11/08/2020)
Já mais alegre, sem aquela tristeza que ele estava vivendo na sua aldeia, por estar em Cáceres, na casa da madrinha de consagração, os caminhos estão abertos e coloridos, o espaço de vida é arredondado porque está mais harmonioso que na casa dele em San José de la Frontera. Ressalta também nesse desenho o modo como ele observa as casas grandes (prédios) encontrados em Cáceres, bem diferentes das casas de sua aldeia. Mais uma vez o desejo foi representado no centro do papel indicando seu momento atual. O vermelho parece representar a sua energia cosmológica, a dança do curussé tão dentro da dinâmica circular dos Chiquitanos! A predominância das cores cinza e marrom indicam equilíbrio, maturidade e seriedade, a força da tradição. No amarelo encontramos a leveza e a alegria. Essas cores revelam as características da criança Chiquitana. Também pode representar na árvore desenhada em marrom o quanto a dor o faz amadurecer. A madrinha não deixou de elogiar o desenho dele dando a nota 100, uma sensibilidade que é própria dessa etnia na qual os sentimentos falam mais que bonitas ideias.
A sustentabilidade não só em termos de governo e legislação, como entender as manobras e como podemos atuar para interferir nesse caso da violência contra os povos indígenas. Estamos chegando ao final do segundo ano da política anti-indigenista, anti-ambientalista e anti-humanista do Governo Bolsonaro e a lista de violações aos direitos indígenas do Relatório do CIMI, dividido em 5 capítulos: a violência contra o Patrimônio; Violência Contra a Pessoa; Violência por Omissão do Poder Público e Violência Contra os Povos Indígenas Livres e de Pouco Contato.
O capítulo cinco é uma reflexão sobre conceitos de negação dos direitos indígenas: a integração do índio, a tutela e o vazio demográfico. A intensificação das expropriações de terras indígenas, forjadas por meio de invasão e as queimadas da Amazônia, do Pantanal e do Cerrado. Das 19 categorias de violência sistematizadas, 16 sofressem aumento de casos. Por exemplo, a categoria “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio”, em 2018, foram 109 registros, e em 2019, 256.
Mas não é somente entre os Chiquitanos que essa violência cresce. Entre os Guarani e Kaiowá também. Na atividade VIII Kuñangue Aty Guasu, Grande Assembleia das Mulheres Kaiowá e Guarani On-line 2020, conduzida pelo conselho de mulheres Kaiowá e Guarani para todos que compartilham da nossa luta terão o prazer de nos acompanhar ao vivo nas redes sociais. No dia 28 a 30 de Novembro de 2020: Enquanto houver o som do mbaraka e do Takuapu haverá luta. [4]
Glenn Greenwald faz um jornalismo independente, não busca lado e isso faz que ele mostre um ou outro lado! Por isso auxiliou o Brasil como poucos brasileiros o fazem, colocando a verdade com provas sobre os crimes dessa organização criminosa de toga chamada lava-jato que corrompeu nosso sistema de Justiça. Foi tão mortal para os corruptos travestidos de homens justos e honestos, quanto a covid-19 está sendo para o povo brasileiro por conta do desleixo do presidente, um mito que veio das trevas. A lava jato é um cavalo de Tróia que faliu nossas empresas, fez entregar os segredos da Petrobrás para os gringos, forjaram crimes etc. The Intercept Brasil também veio ao Mato Grosso e Bolívia para denunciar o massacre dos Chiquitanos no dia 11/08/2020 pelo Gefron do Mato Grosso. [5]
Nesse tempo de segunda onda da pandemia, vemos que houve algum aprendizado e as escolhas acontecem também entre os médicos. Alguns prescrevem cloroquina e invermectina, mesmo sabendo que não têm efeito para covid, só para confirmar a posição do muitos deles. O jornalismo brasileiro ainda é escravocrata, defende ideias colonizadoras hegemônicas com interesses do capital financeiro. Moro tinha o caminho dos doleiros e operou toda a elite política, econômica e da mídia com o "Mensalão".
Ouvimos dizer que os Chiquitanos não se envolvem, não se defendem, principalmente quando sabem que uma pessoa está errada. Por isso me perguntam: Na cultura Chiquitana como se dão as manifestações da comunidade em relação aos erros de seus parentes, eles corrigem? Esse envolvimento quanto ao assassinato que ocorreu em 11/08 revela o que para nós, em relação à cultura deles? Procurando ser sintético, sem ser superficial, afirmo que os Chiquitanos possuem um sistema educativo tradicional que impressiona e as crianças são corrigidas sim, quando alguém faz algo errado, possuem seu sistema de reprovar o mal feito. Contudo, por viverem sem cidadania nesse contexto de fronteira, somente conseguem levar avante a denúncia que estão fazendo no caso da massacragem dos 4 no dia 11/08 porque possuem certeza de sua inocência. Caso contrário, não teriam forças morais para enfrentar as polícias e todas as forças legais dos Estados da Bolívia e Brasil. Por outro lado, o senso de ética é muito forte entre eles, pois no seu processo de etnogênese tiveram que aprender a compor com outras etnias para formarem uma coalisão e a tomada de decisões somente quando chegam ao consenso. Isso é único entre os Chiquitanos. Assim, está evidenciado que nos inúmeros outros casos de morte ou prisão de Chiquitanos que estavam envolvidos como mulas humanas no transporte de drogas para Cáceres, os parentes não tiveram coragem de se manifestar jurídica e publicamente. O gerente da fazenda São Luiz e outras pessoas da região e, mesmo os policiais que não estão envolvidos no caso, falam da inocência das vítimas.
O aumento do número de operações que resultam em mortes sem precedentes é sinal de que um descontrole está acontecendo neste aumento. Apesar de ter o mandado do uso da força com um arsenal bélico impressionante, espera-se que as policias usem de estratégias para o controle do tráfico de drogas. A segurança pública deveria garantir a preservação da vida, mas não é isso que observamos, pois o excesso de ações policiais onde todos são mortos causam desconfiança no sentido dessas mortes. O efeito reverso dessa banalidade da vida humana e a rotinização da letalidade policial sem ser vitimada, nem mesmo com um arranhão, causa espanto.
Estamos com outro processo hediondo de devastação do bioma e de invasão do território tradicional em curso aqui na Fronteira. A perversidade dos pecuaristas que estão invadindo os Chiquitanos não para nunca e, no lado do Brasil, já não temos mais o período de alagamento tradicional na Pescaria, na Baía do Padre e na Baía Grande. São ataques sequenciados e planejados do capital internacional que se utiliza dos colonizadores internos para avançar e devastar o Brasil. No Pantanal do Mato Grosso do Sul estão fazendo o mesmo que aqui no Mato Grosso, pois muitos militares que tomaram Corumbá vieram para cá porque sabiam dessa região toda das Glebas da União. E o Estado coloca à disposição mais de 400 milhões para pecuaristas. O fogo foi só um passo para isso. Os grupos organizados não temos força contra essa avalanche do capital, mal e mal conseguimos fazer o contraditório tornar-se consciente, mas não conseguimos ganhar força política e na Justiça.
O contexto de invasão das terras Chiquitanas principalmente em Pontes e Lacerda e Vila Bela da Santíssima Trindade, Dona Terezinha Stauth vulgo Teka [6] que fala teve a compreensão de que a aldeia Santa Aparecida estava dentro da terra que tomou somente quando o cacique Aurélio começou a participar das reuniões da Funai. Então fez questão de lotear pelo Incra lotes para os Chiquitanos de lá. O outro proprietário “Barbosa” tomou a aldeia onde morava o Manoel e o cacique Aurélio que estão no filme Manoel Chiquitano Brasileiro. Hoje eles não podem mais ir até a Baía do Padre porque cercou todo o território tradicional dos Chiquitanos. [7] A serpente do capitalismo que quer o território Chiquitano continua mais forte do que nunca nesse desgoverno!
Chiquitanos no local da massacragem (Foto: Gabriel Schlickmann)
Na busca por elucidar a massacragem dos 4 Chiquitanos no dia 11/08/2020, um legista independente que avaliou o laudo de necropsia apontou incongruências com a versão do BO dos policiais, ou seja, os ferimentos do Ezequiel que levou 8 tiros, “indicam que ele possivelmente foi agredido em vida com golpes que vieram de cima para baixo, por alguém destro”. Já apontei que seu rosto estava gravemente ferido, e o lóbulo de sua orelha fora “atingido por um tiro, não frequente em um confronto comum”. No momento do tiro de cima para baixo, certamente ele estava rendido. Meire Pedraza Chore fala de seu esposo como “um homem trabalhador que nunca esteve envolvido em coisa errada!” Arcino era o líder do grupo de caçadores, carregava a espingarda 22. Arcino foi atingido por cinco tiros. Suas costas estavam esfoladas e, em seu corpo havia outros 14 orifícios de fragmentos de bala. Um de seus filhos, Luiz Sunbre Pedraza, que mostrou os locais do crime, foi imaginando como tudo aconteceu: mostrou o local onde recebeu os tiros e sagrou, depois o rastro de sangue do seu pai que ainda marcava o chão. Seu irmão Lucas havia feito o mesmo quando fomos ao local no dia 02/09/2020. Por isso o legista avaliou que seu corpo foi “arrastado enquanto vivo, supostamente pelos pés, pois não há nada nas nádegas” até a árvore catinguinha ou fedebosta.
Fabíola Blanco de Oliveira, 22 anos, mora com os sogros em um quarto com os filhos Lucas, José e Bruno. Chora a falta do esposo Yona e sente também porque a construção de sua casa foi interrompida: “Ele não merecia o que fizeram com ele. Agora eu não sei o que fazer. Eu não posso trabalhar por causa das crianças, mas preciso cuidar delas. Não sei nem como vamos terminar essa casa, mas precisamos de um lugar pra ficar. Um lugar nosso”. [8]
Yona, seu marido morreu com três tiros. Um dos tiros entrou pela canela e saiu acima do joelho, um trajeto que indica a vítima já rendida antes de levar os tiros. “A vítima possivelmente estava no chão, com o membro inferior na direção em que o projétil foi disparado.” Sua prótese dentária foi achada no local da chacina pelo seu pai, José Pedraza Chore.
Cruz de ipê roxo com os nomes dos chacinados (Foto: Gabriel Schlickmann)
Antonia Arteaga, líder da comunidade de San José de la Frontera, exige respeito para com sua comunidade: “Não é possível que deixem que venham e nos matem!” Em Cáceres também, no Dia da consciência negra sepultaram mais uma “vítima deste podre sistema”. Sem recursos, sem forças para denunciar o policial e sem as devidas providências no Defron, no dia 26 de novembro de 2020 o Quilombo Pita Canudos também se manifesta firme contra a violência policial que mata o corpo e a alma, acusa o falecido Luiz André da Costa de meliante. [9] E todo o Quilombo clama justiça: “Parem de nos matar, nossas vidas importam!”
Crédito: Reprodução/Facebook
Assim o pai de Dedé, Laercio Santana, publicou no dia 21/11/2020 um desabafo que impressiona no facebook do Quilombo:
“É COM MUITA TRISTEZA NO CORAÇÃO QUE ESCREVO ESSAS PALAVRAS...MIDIAS PUBLICAM MENTIRAS E AS PESSOAS ACREDITAM SEM SABER A VERSÂO DE QUEM ESTAVA PRESENTE...NÃO É UM DESABAFO MAS SIM A VERDADE DOS FATOS...MEU FILHO FOI PERSEGUIDO E ASSASSINADO...NÃO CULPO TODA A INSTITUIÇÃO MAS SIM ALGUNS POLICIAIS...meu filho foi abordado revistado e com medo de ser preso novamente correu da policia "imagens vão mostrar" mesmo assim o policial disparou diretamente contra ele 6 vezes não só 1 uma vez como disse no B.O e ja havia constatado que ele não estava com nada na cintura e nem sacola muito menos mochila, o disparo que o atingiu foi o 5 quinto disparo na rua das granjas "iluminado o local"... policial atirou sem sequer querer saber se havia outras pessoas nesse trajeto... o bairro inteiro pode ouvir os disparo onde eu presenciei e vi todos os disparos... pedi implorei para não atirar antes mas fui ameaçado chingado com arma apontada para mim...o primeiro disparo foi feito na minha presença e do meu filho de 4 anos...errou mas continuiu atirando com a intenção de executar e conseguiu...DESTRUIU MINHA FAMILIA MAS SOMOS FORTES DEUS VAI NOS REERGUER MAS VOCE SEU INFELIZ NUNCA MAS VAI DORMIR EM PAZ DESTRUIU UMA FAMILIA QUE SUA ALMA APODREÇA NO QUINTO DOS INFERNO QUE VOCE E TODA SUA GERAÇÃO SEJA AMALDIÇOADA ETERNAMENTE...não sou de desejar mal a ninguem mas voce me forçou a isso...”
Crédito: Reprodução/Facebook
Clamam também as pessoas de outras comunidades em Cáceres e em todo o planeta, chamando à responsabilidade a polícia pela morte de Dedé, nas praças e diante do comando Regional do 6º Batalhão de Polícia (cerca de 140 policiais). Na faixa o escrito: “Justiça para o quilombola Dedé!” [10]
Nota de repúdio e esclarecimento
A Comunidade Quilombola de Pita Canudos vem manifestar o seu total repúdio em decorrência das declarações oficiais da PM/MT, sobre a morte do quilombola Luiz André de Moraes Silva, mais conhecido como Dedé.
Ocorre que tais declarações falsas foram divulgadas pela imprensa local (no site do Ripa dos Malandros e Cáceres Notícia), difamando a memória de Dedé e não se coadunam com a verdade dos fatos.
O que se observa é a nefasta manifestação do racismo estrutural, na tentativa de acobertamento de mais um brutal assassinato de um jovem negro.
Dedé foi assassinado na presença de seu pai e de seu irmão de quatro anos. Laercio, pai de Dedé, implorou para que o PM não matasse seu filho e já prestou o seu depoimento à Polícia Civil. Também, a FICHA DE ATENDIMENTO – URGÊNCIA, emitida pelo Hospital Regional de Cáceres/MT atesta a forma covarde em que ele foi morto, já que o tiro fatal que matou Dedé entrou pelas costas e saiu em seu peito, contrariando totalmente a versão consignada no B.O. da PM/MT e divulgada amplamente pela imprensa (mídia).
Estamos atentos à expressões e atitudes desta natureza e cobraremos das autoridades competentes que todos os PM´s, envolvidos no assassinato de Dedé, sejam levados a júri popular e condenados, nos rigores das leis brasileiras.
Cáceres - MT, 26 de novembro de 2020.
Crédito: Reprodução/Facebook
Mais de 100 pessoas participaram do manifesto em repúdio à violência policial contra a juventude negra, no dia 27/11/2020 em Cáceres. Questionam se essa forma de fazer justiça não tem a ver com a impunidade dos policiais, mas prometem não descansar enquanto não vierem a Justiça brilhar, como os Chiquitanos. Um comentário às publicações do Quilombo Pita Canudos é sintético:
“Força ao pai Laércio e toda família e comunidade enlutada. Não bastam os massacres do gefron contra os chiquitanos da fronteira. Querem o sangue dos pobres trabalhadores de todas as raças e cores. Justiça já.” (João Ivo Puhl, professor da Unemat)
[1] Vídeo disponibilizado por The Intercept Brasil que esteve no local.
[2] Acesse aqui.
[3] Alex Donis in Palhaço e Soldado PM Carvalho (Dom Quixote), Guerra às drogas SP, da série Pas de Deux, 2020, acervo @masp, doação do artista no contexto da exposição Histórias da dança, 2020. Exposição virtual Histórias da dança aqui.
[4] Conselhos da Kunangue Aty Guasu aqui e aqui.
[5] Nessa reportagem está trocado Yona e Pablo quando analisa o laudo de necropsia que iniciou esse equívoco. Ver Intercep Brasil e aqui.
[6] Dona Teka já foi presa por porte ilegal de armas e descumprimento de ordem judicial, pois pôs corrente na saída da aldeia Santa Aparecida. A PF avisou que os Chiquitanos tinham direito de ir e vir, mas ela colocava de volta o cadeado. A aldeia Santa Aparecida está encapsulada pela fazenda São João do Guaporé e do Barbosa, parente do ex-governador Coelho. Foi no tempo dele que muitos tomaram os lugares tradicionais dos Chiquitanos. Ver detalhes aqui.
[7] Acesse aqui.
[8] “Merecemos respeito” (27 de novembro de 2020).
[9] (20+) Quilombo Pita Canudos | Facebook
[10] Outro caso gravíssimo está anunciado no dia 27 de novembro de 2020 in Brasil 247: Violência sem limite: oito em cada dez operações policiais no Rio resultam em morte. Se teve repercussão nacional a morte de João Alberto no Carrefour de Porto Alegre na noite de 19/11/2020, aqui na fronteira os meios de comunicação estão “grampeados” e não temos uma mídia independente que dê conta de cobrir a violência policial. E as estatísticas mostram que aumentam as mortes entre os jovens negros e os indígenas.
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PM dança com o tráfico e envolve os Chiquitanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU