20 Novembro 2020
Há um provérbio que diz: não há regra sem exceções, mas pode chegar o tempo em que a exceção pode (deveria) tornar-se regra. Não é um simples jogo de palavras, mas responde ao que o bispo de Basel Felix Gmür, presidente da Conferência Episcopal da Suíça, auspiciou, em um artigo de 13 de novembro de 2020, na revista Forum, da Igreja Católica de Zurique, referindo-se às formas como os bispos das várias dioceses são nomeados ainda hoje.
A reportagem é de Antonio Dall'Osto, publicada por Settmana News, 18-11-2020. A tradução de Luisa Rabolini.
Segundo Gmür, sacerdotes, diáconos e outros operadores da Igreja, mas também os fiéis de uma diocese, deveriam ter voz a respeito da eleição dos bispos. Devem ser encontrados mecanismos, "de acordo com as respectivas sensibilidades culturais", para garantir "uma representação adequada de todo o povo diocesano de Deus".
No entanto, a escolha dos candidatos e o procedimento eleitoral não devem de forma alguma ser concebidos como uma campanha eleitoral democrática: "É antes um processo de discernimento espiritual que conduz a uma decisão tão unânime quanto possível". Visto que a Igreja em uma diocese é "plenamente Igreja, mas não toda Igreja", as dioceses vizinhas também deveriam ser incluídas, e o Papa, que deve confirmar a eleição. O fato de a nomeação pertencer ao papa deveria, portanto, tornar-se uma exceção.
Na Igreja latina, é regra que o papa nomeie bispos livremente. No entanto, as dioceses suíças de Basel e St. Gallen são uma exceção em nível mundial. Aqui não é o papa quem propõe os candidatos. Em vez de designá-los, ele nomeia o bispo legitimamente eleito pelo capítulo da catedral. Esse direito de voto dos bispos é baseado na chamada Concordata de Viena de 1448. Hoje, esse procedimento é uma exceção. Nos tempos antigos, porém, era a norma.
“Foi somente com a publicação do Código de Direito Canônico (CDC) de 1917 que o direito de eleger bispos foi expressamente atribuído ao papa”.
A afirmação do direito de nomeação papal se consolidou ao longo do tempo, fazendo com que outros modelos de eleição dos bispos parecessem um mero ato de graça do papa. Isso, segundo o bispo de Basileia, está completamente errado. No início da história da Igreja, a mais ampla participação possível dos fiéis e das várias autoridades eclesiásticas era fundamental na escolha de um bispo. A formulação do princípio de São Leão Magno é famosa: "Aquele que deve presidir a todos deve ser eleito por todos".
Ainda hoje, na Alemanha, existem diferentes procedimentos para a escolha das pessoas para as várias sedes episcopais. Na maioria das dioceses, é o capítulo da catedral que escolhe um candidato de uma lista de três nomes apresentada pelo Vaticano; a eleição é depois confirmada pelo papa. Pelo contrário, nas dioceses da Baviera, o papa é inteiramente livre para nomear um bispo. Os capítulos da catedral podem apresentar ao Vaticano apenas uma lista de candidatos em sua opinião idôneos. No entanto, a diversidade dos procedimentos depende das várias concordatas com a Santa Sé que na Alemanha se aplicam segundo as regiões.
Nos últimos tempos, o problema da nomeação de bispos diocesanos foi levantado várias vezes em diferentes partes do mundo, por exemplo na América Latina, mas também em outros lugares.
Sobre o assunto, o teólogo espanhol J. Martinez Gordo, em uma contribuição publicada em 13 de outubro passado na SettimanaNews, escreveu que, se o Papa Francisco quer "converter o papado" (e, portanto, a Igreja), a escolha dos bispos deve mudar. Essa escolha foi - na mais venerável e longa tradição da Igreja - o resultado de um ‘acordo’ católico ‘entre a vontade dos fiéis diretamente interessados e a responsabilidade da Sé Primacial em assegurar e garantir a unidade da fé e a comunhão eclesial.
Hoje, esse antigo critério pode ser concretizado juridicamente através de uma modificação simples (e ao mesmo tempo revolucionária) do cânon 377 §1: “O Sumo Pontífice confirma os bispos legitimamente eleitos e, em casos excepcionais, os nomeia livremente”.
Com essa simples inversão de proposições, o que é excepcional até o presente (a intervenção do povo de Deus) se tornaria normal. E o que até agora foi rotineiro (as nomeações episcopais impostas) seria extraordinário: seria uma pequena mudança redacional que, além de recuperar o melhor aspecto da tradição, permitiria falar de uma verdadeira primavera eclesial. E não só (em todo caso já seria muito) de uma reforma na cúpula do Vaticano.
Obviamente, sublinha Gordo, o papel desempenhado, até agora, pelos capítulos da catedral deveria ser assumido pelo conselho pastoral diocesano juntamente com os conselhos diocesanos dos leigos, do presbitério e dos religiosos/as, deixando sempre a possibilidade em aberto, onde as condições o permitirem, de uma participação direta de todos os batizados ou, pelo menos, de todos os conselhos pastorais da diocese, inclusive aqueles paroquiais.
Que esse também seja um desejo dos leigos hoje, é revelado pela indagação feita por um grupo de famílias da diocese de Turim: que refletiu sobre o ministério episcopal na Igreja local, em vista da próxima nomeação pelo papa do sucessor do atual arcebispo Cesare Nosiglia. Nos perguntamos - eles escrevem - qual pode ser, atualmente, o papel do “povo de Deus”, ou seja, dos fiéis de uma diocese, da nossa diocese, na escolha de seu próprio pastor.
No dia 8 de novembro, um grupo de leigos da diocese de Caserta, em Carta aberta ao Papa Francisco e ao Arcebispo Emil Paul Tscherrig (núncio apostólico na Itália), escreveu: “embora, infelizmente, como leigos, ainda não nos seja solicitado nenhum conselho sobre a designação do novo bispo de Caserta, sentimos o dever de nos encarregar de vos fornecer o perfil de bispo de que a nossa diocese tem grande necessidade"...
Um desejo semelhante de participação na Igreja – buscado entre os acontecimentos mais recentes, surgiu, ainda que indiretamente, também no congresso dos leigos espanhóis que se realizou em Madrid (14-16 de fevereiro de 2020) sobre o tema" Povo de Deus em saída”, promovido pela Conferência Episcopal Espanhola através da Comissão para o Apostolado Secular (cf. SettimanaNews, 12 de novembro de 2020).
O congresso quis ser um ponto de partida para articular o trabalho comum das dioceses espanholas em relação aos leigos e pretende dar continuidade substancial a dois temas: a opção pela sinodalidade e o discernimento como método de trabalho e de desenvolvimento.
Comentando os trabalhos, Estrella Moreno Laiz descreveu claramente o quanto ainda estamos longe de uma Igreja que realmente expresse seu rosto de povo de Deus no sentido mais pleno e profundo.
“Começo - escreve - pela questão da imagem, que na realidade é a linguagem dominante do nosso tempo e, por isso, às vezes sem querer, diz muitas coisas sobre quem somos. Num congresso de leigos que enfatiza uma Igreja de comunhão, os ministros ordenados, especialmente os bispos, sempre ocupavam o lugar mais visível e formavam um grupo separado. Em nenhum momento eles tomavam lugar entre as pessoas, com aqueles que representavam as suas dioceses, com algumas honrosas exceções. Por outro lado, chama-me a atenção que, nos últimos tempos, a palavra corresponsabilidade tenha sido substituída pelo termo sinodalidade.
Espero que seja uma questão de palavras e não tenha a ver com a redução da liberdade que o quadro canônico implica quando se trata de propor espaços para se encontrar, discutir e decidir juntos, nem que haja a vontade de redefinir a participação dos leigos. como possibilidade de expressar uma opinião, mas não de envolvimento para um verdadeiro discernimento que chegue a decisões partilhadas, pois não se trata de questões doutrinais, mas de questões pastorais que procuram responder de forma adequada às necessidades da nossa realidade”.
O protagonismo laico continua a ser um grande desafio ainda em suspenso em nossa Igreja - continua Estrella Moreno Laiz -. Em primeiro lugar, por parte dos próprios leigos, que devem continuar a crescer na consciência da própria identidade e responsabilidade; disso decorre a necessidade dos processos de formação e de acompanhamento exigidos no congresso.
Mas também por parte do ministério ordenado, porque dentro dele continua a prevalecer a interpretação da necessidade da participação dos leigos em chave de suplência e, portanto, de modo ocasional, determinado pelo número insuficiente de membros do clero. Esta não é a maneira certa de levar a sério a eclesiologia do Vaticano II, nem é adequada à realidade social que compartilhamos, que não tolera formas autoritárias e pouco dialógicas”.
O congresso mostrou quanto ainda seja longo o caminho para um laicato consciente e protagonista e quanto tempo levará para - como disse o bispo de Basel, Felix Gmür - aquela que hoje é uma exceção na nomeação de bispos se tornar uma regra.
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Irá mudar a nomeação dos bispos? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU