“Às vítimas devemos uma coisa, cuidá-las. Sem fazer política e, menos ainda, religião em cima delas”, afirma o filósofo Bernard-Henri Lévy

Foto: Gwydion M. Williams | Flickr CC

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30 Julho 2020

“Às vítimas devemos uma coisa: cuidá-las. Sem fazer política e, menos ainda, religião em cima delas”. O filósofo francês Bernard-Henri Lévy acaba de publicar um ensaio “Este vírus que nos vuelve locos” (Ed. Esfera de los Libros) no qual reflete sobre as feridas que a covid-19 está deixando no mundo pós-coronavírus, e no qual as religiões, assim como os movimentos populistas de esquerda e direita, não deveriam ter espaço predominante.

A reportagem é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 27-07-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

Em uma entrevista ao jornal El Mundo, perguntado pela direita influenciada pela Igreja – a qual crê que a pandemia é um castigo divino –, e pelos movimento antiglobalização, os quais alardeiam de ter previsto a catástrofe, Lévy responde: “ainda que acreditem ser diferentes ou opostos e, inclusive, adversários, na verdade dizem o mesmo e são gêmeos quase perfeitos. São duas religiões profanas, duas formas de dar sentido ao que não tem. E duas maneiras de subir nas costas das vítimas, de esmagá-las com nossa suficiência, e prosseguir com nossas pequenas manias de sempre”.

No ensaio, o pensador não é o que o vírus “disse”, mas o que o mundo o fez dizer. Ele não está interessado nas “lições” a serem tiradas da pandemia, mas no delírio interpretativo de cada um como augúrio do “mundo do depois”, em um momento em que está sozinho consigo mesmo.

Um castigo divino, uma lição de conversão?

E critica duramente os eclesiásticos que viram na pandemia uma ocasião para justificar suas teses. “À direita da direita”, escreve, “uma igreja pentecostal americana que viu na covid-19 uma punição divina, um acerto de contas que puniu os estados que legalizaram o aborto e o casamento igual. Ou aquele bispo francês que disse, em uma igreja vazia, que ‘Deus se vale das penas que padecemos’ para que possamos extrair delas ‘lições de conversão e purificação’”.

E também outros políticos, que estão “conectando a pandemia ao incêndio de Notre Dame, vendo o vírus como um segundo sinal – antes do terceiro, em sua trágica visão de mundo, que em breve chegará! – do teatro do castigo onde se representava, como para a esquerda, uma mudança de paradigma e de mundo”.

Assim, Lévy constata “o fechamento ou a hibernação dos faróis da civilização, como igrejas, sinagogas e outros locais, como museus, parques, jardins ou espaços profanos de meditação, onde a humanidade tem o costume de saciar sua sede espiritual, não computável, não mercantilizada”, e ele é muito crítico à atitude do papa Francisco.

“O espetáculo de um pontífice soberano, herdeiro do ‘Não tenhas medo’ de João Paulo II, tão eminentemente católico, de beijar os leprosos febris, eczematosos e outros das favelas de Buenos Aires, que agora se distancia do povo cristão, que só se comunica pela Internet e que ordena o esvaziamento das pias de água benta e que faz sua Via Crucis pelo átrio da basílica, em frente a uma deserta Praça São Pedro.

Suprimida a imagem judaica do Messias, que espera nos portões de Roma cercado por escrupulosos. Esqueceu o beijo de Jesus aos leprosos que, se ele ousasse santificar essa heroína luminosa, que deliberadamente beija um leproso e em retorno engravida por esse beijo, o tratariam de irresponsável, por cometer um crime à sociedade, ser um cidadão ruim”.

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