22 Mai 2020
Se alguém merecia um funeral católico, este alguém foi Mary Symes. A esposa, mãe, avó e bisavó de 75 anos de Massachusetts foi professora de educação religiosa e secretária da escola católica por muitos anos. Ela testou positivo para a Covid-19 três dias antes de morrer, apesar de seu filho Bobby Symes atribuir o isolamento causado pelo confinamento induzido pela atual pandemia em sua casa de repouso – ela sofria de Alzheimer – como o que acelerou o declínio final de sua mãe.
A reportagem é de Don Clemmer, editor da revista Cross Roads, da Diocese de Lexington, em Kentucky, publicada por National Catholic Reporter, 20-05-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
“Ela vai aguentar até 1.º de maio”, lembra Symes reproduzindo aquilo que alguns familiares disseram em alusão à profunda devoção mariana de Mary, que foi exatamente o dia quando ela morreu. A família manteve-se em vigília do lado de fora da janela do primeiro andar do quarto de Mary, e Symes chegou a pensar que as medidas de distanciamento social em vigor frustrariam todas as esperanças de haver um funeral católico que sua mãe tanto desejava. Mas o que aconteceu acabou surpreendendo ele e a família inteira; hoje, a experiência vivida nos dias que se seguiram ao falecimento serve de esperança a outras famílias enlutadas, na medida em que a sociedade se ajusta ao que parece mesmo uma realidade dura.
Em uma reunião no dia seguinte à morte de Mary com Amanda Fidalgo, agente funerária da McDonald Keohane, casa funerária em Weymouth, Massachusetts, a família Symes ficou surpresa ao saber o quanto eles ainda podiam fazer em termos de um funeral católico. O marido de Mary havia pré-arranjado o seu funeral e o da esposa a mais de um ano antes, dando a Fidalgo um ponto de partida para trabalhar dentro de restrições impostas pela pandemia.
“O que podemos nessa busca por realizar o maior número de desejos do casal?” foi o princípio norteador que Fidalgo disse ter trazido na conversa. “Seria uma forma de trazer consolo realizar uma missa fúnebre completa”, disse ela.
“Tivemos que mudar algumas coisas em relação ao que foi planejado originalmente”, lembrou Symes. “Tivemos que nos reunir para ver como quais seriam os passos a seguir e como fazê-los de uma forma segura”.
Por fim, uma celebração e um funeral foram combinados para 5 de maio na casa funerária. A atividade incluiu três hinos católicos – Ave Maria, entre eles – escolhidos pela família, juntamente com as leituras das Escrituras, eulogias e preces aos profissionais de saúde e outros afetados pela pandemia. As complicações aqui envolvidas estão capturadas por um termo que já recebeu muita atenção na era Trump: separação familiar.
“Tivemos que ser criativos e pensar fora da caixa”, disse Fidalgo sobre a logística, que incluiu três turnos diferentes com menos de dez membros da família, que se revezaram durante a hora anterior à homenagem. Por causa da pandemia, por mais de sete semanas os filhos e parentes não puderam estar num mesmo ambiente que Mary. “Todos tiveram a oportunidade de se despedir”.
Um núcleo principal entre os enlutados, incluindo o marido de Mary e os três filhos, esteve presente em toda a homenagem religiosa. O marido da falecida, hoje com 80 anos, usa cadeira de rodas. Os leitores e elogiadores eram levados para dentro e para fora do prédio, conforme a necessidade, enquanto o restante da família acompanhava uma transmissão ao vivo por telefone. Todos usavam máscaras, exceto quando falavam. A família convidou apenas três entre os amigos mais próximos de Mary.
Nicole Antonucci, uma das netas de Mary e estudante da Universidade de Suffolk, em Boston, leu uma das eulogias proferidas na ocasião. Ela dera à avó o rosário que a falecida assegurava quando veio a falecer. A jovem se certificou de que o rosário que a avó havia recebido também estivesse incluído no funeral.
“Foi estranho, ser levada a falar (...) quando deveríamos estar lá, unidos”, disse Antonucci. “Eu não queria deixar a casa funerária. Queria ficar lá”.
Antonucci e seu tio Bobby Symes observaram as dificuldades de um distanciamento físico enfrentadas por uma família em luto.
“Não é fácil. Precisamos ficar lá, sentado e com máscaras. Não podemos abraçar nossos irmãos, sobrinhas, sobrinhos, nem o nosso próprio pai”, disse Symes.
“Podemos dizer que foi muito estranho para ele”, disse Antonucci referindo-se ao avô. A dor da separação amplificou-se até a parte da celebração que envolvia a participação um padre junto ao túmulo.
“Os netos não tinham a permissão de se aproximar do túmulo, o que foi horrível dizer para eles, mas acabaram entendendo”, disse Fidalgo. Segundo ela, houve momentos de calor humano ao longo da experiência, como quando a procissão fúnebre passou pela rua São Francisco Xavier, em Weymouth, onde fica a paróquia em que Mary trabalhou. Havia conhecidos que se puseram na calçada esperando um último momento para dizer adeus, o que foi uma surpresa para muitos da família. “Por causa do distanciamento social, a fila tomou uma proporção que parecia infinita”, observou Fidalgo.
Uma outra fonte de consolo foi a transmissão ao vivo direto da casa funerária. Enquanto o marido e os filhos de Mary esperavam o início da celebração, Fidalgo informou que mais de 80 pessoas – presumivelmente muitas com mais de uma pessoa à frente da tela – estavam conectadas assistindo.
Transmissão ao vivo da celebração em memória de Mary M. Symes. (Casa funerária McDonald Keohane, em Weymouth, Massachusetts)
“Saber que havia esse apoio me deixou feliz”, disse Symes. “Sabíamos que o apoio e o amor estiveram ali presentes”.
Após a celebração, os cuidadores de Mary na casa de repouso, que não puderam assistir ao vivo, pediram que a casa funerária postasse o vídeo on-line. A família concordou.
“Desde então, assisti a homenagem religiosa umas duas vezes. Não achei que assistiria. Na verdade, assistir me trouxe consolo”, disse Symes. O filho ficou particularmente feliz quando ouviu o seu pai dizer: “Foi uma bela celebração”, passando a repetir esse sentimento desde então. “Nos fez sentir bem (...) ver que ele estava feliz com a despedida que minha mãe pôde receber”.
Embora tenha ficado orgulhosa de ter ajudado a consolar a família de Mary Symes, Fidalgo recorda que a experiência em geral foi “muito pouco natural”.
“Nossa empresa presta um serviço. Ninguém entra nessa profissão a menos que se queira ajudar as pessoas”, disse ela, fazendo notar que, quando apertos de mão e abraços não fazem mais parte dos momentos de luto, “todos os nossos instintos se recolhem”.
Fidalgo espera que a experiência da família Symes traga esperança a outras famílias.
“Eles se sentem com sorte por terem tido uma experiência positiva diante de uma situação horrível”, disse a agente funerária. “Descobrimos que muitas famílias acham não haveria como realizar celebrações assim, e que agora estão se sentindo gratas com os resultados que temos obtido. Não acho que muitas casas funerárias estejam buscando ser criativas como nós aqui”.
A neta de Mary, Nicole Antonucci, lembrou que, mesmo com este formato estranho, “pude sentir tudo aquilo que sentiríamos em um funeral”. Ela acrescentou que, por sua avó ser amada por tantas pessoas, o funeral que receberia seria enorme. “Fiquei triste por ela não ter recebido uma homenagem que merecia (...) Mas a vida é assim. Acontece. Precisamos nos adaptar”.
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Funeral com espírito católico distanciado socialmente. Família vê despedida como sinal de esperança - Instituto Humanitas Unisinos - IHU