06 Março 2020
A maioridade é algo muito diferente de arbitrariedade ou capricho subjetivo. Tal como deve ser realmente, ela torna o ser humano em certo sentido solitário, sem o respaldo institucional desejado. Ele deve decidir por si mesmo, sem que se lhe diga de antemão o que tem que fazer. Quando estiver assim entregue a si mesmo, ele não está realmente abandonado, mas situado diante de Deus com o veredito na solidão de sua consciência", escreve Luís Corrêa Lima, sacerdote jesuíta, professor da PUC-Rio e trabalha com pesquisa sobre gênero e diversidade sexual.
Os tempos atuais são de mudanças aceleradas na sociedade, que incluem costumes, mentalidades e paradigmas. Em algumas questões, não poucos fiéis enfrentam desacordo entre sua consciência e a posição da Igreja. O jesuíta e teólogo Karl Rahner (1904-1984) desenvolveu um conceito que pode ajudar neste impasse: o de “cristão adulto”. A expressão cristão adulto já existia e corresponde a uma tarefa autêntica dos cristãos. Mas pode significar, ao mesmo tempo, uma ameaça à pertença eclesial. A situação em que se vive hoje, e frente à qual se deve ser adulto, tem peculiaridades. Diferentemente de tempos passados, agora é mais difícil formular em normas claras e gerais o que se deve fazer. Naturalmente continua a haver normas na vida moral e social que se devem respeitar, mas aumentou muito o campo e o sentido do que não se pode regular de maneira única por meio de normas gerais. Cresceu o âmbito do que não se pode determinar claramente só com estas normas, seja na sociedade e na configuração da vida pessoal.
Maioridade é coragem e determinação para tomar decisões responsáveis que não podem se legitimar apenas a partir de normas gerais e amplamente conhecidas. À maioridade, pertence o que no âmbito religioso se chama sabedoria, discernimento, instinto moral sobrenatural e docilidade ao Espírito Santo. Isto, por sua vez, supõe abertura de espírito, libertação de todo fanatismo, disponibilidade para aprender, domínio da própria agressividade e paciência.
Teologicamente, um cristão atual formado e lúcido se encontra sempre na situação de ter que refletir sobre a mensagem e a fé da Igreja, relacionando-as com tudo o que sabe e experimenta. Naturalmente, sempre que a Igreja proclama de maneira adequada a sua mensagem, ajudará o fiel na tarefa de conseguir a necessária síntese entre a fé e o saber moderno. Mas na hora de realizar esta síntese em sua consciência, o cristão em concreto se depara com muitos problemas aos quais precisa dar uma solução pessoal. Terá que distinguir entre uma maior ou uma menor obrigatoriedade no ensinamento da Igreja e da tradição teológica. Não pode e nem deve rejeitar toda a fé da Igreja, incluindo seus ensinamentos definitivamente vinculantes, mesmo se for, por exemplo, um paleontólogo em 1910 plenamente convencido da conexão biológica entre o homem e o reino animal, através da evolução das espécies.
Naquela época, esta doutrina era rechaçada pelo magistério eclesiástico, ainda que não de forma definitivamente vinculante. Não se podia excluir o sentido histórico literal dos três primeiros capítulos do livro do Gênesis. Aí se encontra o relato da criação das espécies animais e do próprio homem, de maneira distinta e acabada, excluindo qualquer evolução das espécies. O paleontólogo neste caso não deve rejeitar toda a fé e todos os ensinamentos da Igreja, mas discernir na “hierarquia de verdades” o que é essencial, o que é relevante e o que não é. Nunca se deve colocar as coisas em termos de tudo ou nada.
O fiel deve ter um certo conhecimento da “hierarquia de verdades da fé”, que é a ordem de importância nos diversos ensinamentos da Igreja. Ele deve saber quais são as convicções de sua fé realmente fundamentais, centrais e existencialmente significativas, a fim de nelas se aprofundar sempre mais; e não negar os ensinamentos secundários, mas situá-los no lugar que lhes corresponde, inclusive, se for o caso, a desconsideração de fato. Pode-se manter simultaneamente um conhecimento científico-profano e uma doutrina de fé sem se perceber a sua compatibilidade positiva. Não se deve afirmar, de forma precipitada e arrogante, que esta ou aquela doutrina de fé contradizem claramente determinado conhecimento da ciência moderna, e que por isso devem ser rejeitadas. A paciência para manter esta trégua e aguardar uma paz com sinal positivo, é algo que pertence hoje à maturidade da fé de cristãos formados.
Os conflitos da maioridade também se dão no campo do matrimônio e do direito eclesiástico. Se alguém sabe, diante de Deus e de sua própria consciência examinada com honradez, que seu matrimônio é inválido também segundo a doutrina geral da Igreja, mas não pode demonstrá-lo diante do foro eclesiástico e não obtém autorização para contrair um novo matrimônio, este alguém então pode se casar novamente apenas no civil e está justificado também diante de Deus.
A maioridade é algo muito diferente de arbitrariedade ou capricho subjetivo. Tal como deve ser realmente, ela torna o ser humano em certo sentido solitário, sem o respaldo institucional desejado. Ele deve decidir por si mesmo, sem que se lhe diga de antemão o que tem que fazer. Quando estiver assim entregue a si mesmo, ele não está realmente abandonado, mas situado diante de Deus com o veredito na solidão de sua consciência. Tem que orar, buscar as luzes e os sinais divinos. Deve ter a coragem de assumir esta sua responsabilidade adulta. A maioridade, conclui Rahner, é uma carga de responsabilidade, uma tarefa elevada no processo de amadurecimento do cristão. É parte da libertação de sua liberdade rumo à plenitude, que é graça de Deus.
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O cristão adulto: conflitos de consciência num mundo em mudança - Instituto Humanitas Unisinos - IHU