24 Janeiro 2020
O secretário-executivo da REPAM, Mauricio López, apresenta alguns traços de proximidade de uma liderança laical imprescindível no momento presente para determinar nossa continuidade e subsistência como Igreja no Terceiro Milênio.
“Poder atuar como agente da Igreja no mundo a partir da realidade concreta, respondendo aos crucificados do dia-a-dia ao modo de Jesus”.
“Para subsistir enquanto Igreja, é necessária uma liderança laical capaz de identificar o mais urgente e de atuar com uma ética implacável”
O artigo é publicado por Vatican News, 21-02-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Maurício López, secretário-executivo da Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM, põe em evidência a importância dos leigos na vida da Igreja Católica e aborda alguns traços aproximados da liderança laical “para seguir sendo uma Igreja crível, crente e encarnada” neste terceiro milênio.
Nosso chamado hoje é para constituir um projeto compartilhado, que respeite e promova potencialidades particulares, estando elas sob o critério do amor e da fraternidade no seguimento daquele que nos provoca para que haja vida e vida em abundância para todos e todas, sem distinção. A Igreja somos todos nós, e todos nós que cremos somos Igreja.
A identidade laical, na tradição de nossa fé, esteve inicialmente associada ao ser “povo”, o qual expressava ausência de sabedoria ou de um cargo. No entanto, com os anos entendemos que esse ministério é uma verdadeira graça para a Igreja por ser a presença mais profunda no mundo, em meio aos gritos e esperanças das pessoas, que representam a vida diária da absoluta maioria leiga da Igreja que está “encarnada” como o próprio Jesus no meio do seu povo.
Dito isso, apresentamos alguns traços aproximados de uma liderança laical imprescindível no momento presente para seguir sendo uma Igreja crível, crente e encarnada, e inclusive como critério para determinar nossa continuidade e subsistência como Igreja no Terceiro Milênio.
Com o olhar de Advento. A propósito das datas litúrgicas atuais, é uma liderança que se vive como uma espera ativa e que se renova permanentemente. Assume a necessidade de uma preparação interior séria, pela certeza da chegada permanente de uma Boa Nova nas periferias que nos convida a colaborar com a construção de outro mundo com e mais além de nossas próprias limitações pessoas e como sociedade.
Com profunda liberdade interior. A liderança laical requer uma capacidade de relação pessoal e profunda com Cristo e de uma espiritualidade libertadora, que permita desenvolver um discernimento sistemático, permanente, pessoal e comunitário, para poder atuar como agente da Igreja no mundo a partir da realidade concreta, respondendo aos Crucificados do dia a dia ao modo de Jesus.
Capaz de distinguir a diversidade e poder se situar nela: tempos, lugar e pessoas. Em minha própria espiritualidade dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio, posso reconhecer que o laicato necessita mais do que fórmulas pré-estabelecidas, uma enorme capacidade de análise, adaptabilidade e sabedoria de estar no mundo situando-se adequadamente em cada lugar para impulsionar mais o Reino em qualquer contexto.
É importante, como foi nossa experiência no caminho Sinodal Amazônico ainda em marcha, distinguir os ritmos distintos e suas possíveis tensões.
É necessária uma liderança que seja capaz de 1) identificar o mais urgente e no que se deve responder com toda força e sem demora alguma por cima de qualquer outro critério como na atual crise-emergência climática em chave de ‘chronos’. Isso é, na temporalidade impostergável dos gritos do agora, porque a Amazônia e a terra toda estão em chamas (material e simbolicamente) e não há tempo para perder. A resposta crível e crente deve ser no agir com uma ética implacável e colocando todos os medos para responder, denunciando o pecado estrutural que está na origem da crise por esse sistema sustentado na cultura do descarte.
Mas, ao mesmo tempo, essa liderança leiga deve ser capaz de 2) perceber a marca de Deus e sua revelação progressiva, aquela que vai muito além de qualquer projeto em particular, visão parcial ou posição ideológica, e que deve ser assumida como um kairós, ou seja, o tempo exato, o tempo de Deus, um tempo que é movimento e é ilegível, irredutível e também ingovernável por nossos critérios limitados. É como a Ruah, o Espírito, que sopra onde e como quer.
A categoria territorial torna-se essencial, como ocorreu na experiência eclesiástica amazônica, descobrindo nas identidades particulares dos sujeitos que as sementes vivas de Cristo vivem lá de suas próprias culturas, sem a necessidade de práticas de colonização ou imposição.
Esse critério de liderança leiga está associado, de acordo com minha experiência pessoal, à capacidade de revelar as características dos sujeitos que conduzem os processos eclesiais (ver pessoas com amor e críticas pelo que são). Trata-se de distinguir os particulares, os interesses que as pessoas representam e entender a origem e a trajetória dos sujeitos concretos para saber de onde eles vêm e para onde estão indo.
Com tudo isso, a verdade é que a irrupção da periferia para o centro foi um gesto revolucionário e acreditamos firmemente marcou-se na Igreja um antes e depois do Sínodo Pan-Amazônico. É por isso que a liderança leiga deve ser capaz de não absolutizar nenhum dos polos tensos, mas identificar a coisa mais apropriada de Deus, que leva a uma vida mais plena, mesmo que cause desconforto ou uma certa ruptura, e deve ser uma liderança que comprometa até as últimas consequências para criar as condições do diálogo, curando as feridas produzidas por mal-entendidos, e que sejam as pontes para o amanhã onde, de acordo com horários, lugares e pessoas, é possível responder aos gritos dos tantos crucificados, diariamente, na Amazônia e no mundo.
Uma liderança leiga, mas compartilhada, para serem gestores de uma Igreja progressivamente nova, fiel ao melhor de sua história, mas sem medo de estar no caminho do amanhã, criando condições do Reino no meio do mundo onde ocorre a Encarnação do Cristo vivo, junto com esse povo de Deus que caminha e caminha sem parar, apesar e além de tudo e de todos.
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A irrupção da periferia foi revolucionária, o Sínodo Pan-Amazônico demarcou um antes e depois na história da Igreja. Artigo de Maurício López - Instituto Humanitas Unisinos - IHU