24 Agosto 2019
"Eu nunca beijaria uma boca que tenha comido animais cortados em pedaços". Isto foi dito por uma vegana de Auckland recentemente entrevistada durante uma pesquisa sobre a vida não violenta, conduzida pela Universidade de Canterbury e pelo Centro de Estudos Humanos-Animais da Nova Zelândia. A mulher pertence a uma ala extrema do veganismo, que rejeita todas as formas de contato sexual com os onívoros, por medo de contaminação.
A reportagem é de Marino Niola, publicada por la Repubblica, 21-08-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
São chamados vegansexual. Para eles, a promiscuidade é um tabu insuperável, que não tem apenas razões morais, mas tem uma justificação profundamente física, até mesmo fisiológica. Os não-veganos emanariam uma espécie de mau cheiro porque se entopem de carcaças de animais assassinados. Tanto é assim que uma das entrevistadas definiu o corpo de comedores de carne como um cemitério de animais.
A mais categórica a esse respeito é Ingrid Newkirk, fundadora e presidente da organização Peta (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais). Segundo ela, muitos estudos científicos comprovariam inequivocamente que os veganos têm um cheiro diferente e mais agradável do que os carnívoros, precisamente por causa de seu regime vegetal. Mas essa profetisa do sexo verde afirma maquiavelicamente que suas seguidoras não devem se trancar em um inviolável apartheid sexual, mas, pelo contrário, estar dispostas a ter muitos encontros próximos com comedores de bifes. Para convertê-los à dieta correta, visto que o sex appeal vale mais que mil sermões. É o mesmo que dizer que o fim justifica os meios. E Ingrid é maquiavélica até o cinismo mais impune. Se uma de suas colaboradoras anuncia que convenceu seu parceiro a se tornar vegano, a guru pede que ela o largue sem remorso, porque chegou a hora de procurar uma nova ovelha perdida para levar de volta ao redil. Os caminhos da evangelização são definitivamente infinitos.
Mas há aqueles que para explicar a escolha vegansexual vão muito além das convicções éticas e das preferências eróticas. É o caso dos psicólogos Annie Potts, da Universidade de Canterbury, e Jovian Parry, professor em York, que em um artigo publicado há alguns anos na revista Feminism and Psychology, afirmam que em muitos veganos se ativaria um dispositivo psicossomático de repulsa, uma reação de rejeição aos onívoros. Algo semelhante com a intolerância, se não uma verdadeira alergia. Na realidade, essa superposição entre esfera moral e esfera sexual, que traduz as convicções éticas em reações fisiológicas, não é nova na história.
Vegansexuais também existiram na antiguidade. Por exemplo, o asceta cristão Eustácio, que viveu no século III em Sebastes, a atual cidade turca de Sivash, desprezava os carnívoros e proibia aos seus seguidores qualquer contato físico com aqueles que ele considerava impuros. E não é só isso. Porque do corpo dos eustacianos tinha que ser apagado todo traço de carnalidade e de sexualidade. As mulheres raspavam a cabeça e vestiam-se como homens. Os Encratitas, uma seita gnóstica do segundo século, chegavam ao ponto de alterar as escrituras sagradas para reescrever a vida de Cristo e dos apóstolos segundo um modelo veggie.
No Diatessaron, uma fusão neotestamentária escrita por Taciano, o Assírio, misturando os quatro evangelhos canônicos, foi alterada a proverbial dieta de São João Batista, feita de mel e gafanhotos, fazendo com que os insetos desaparecessem para apagar todos os vestígios de alimento de origem animal. Ainda mais extremos foram os Priscilianos, seguidores da corrente ascética fundada por Prisciliano de Ávila na Espanha do século IV. Esses puritanos renunciantes consideravam a carne um não-alimento impuro e diabólico. E até atribuíam a criação de pernis e bifes não a Deus, mas ao demônio.
Santo Agostinho, em seu livro Sobre as heresias, atribui justamente ao veganismo impulsionado pelos priscilianos o aumento das disputas e separações familiares ocasionadas pela diversificação dos hábitos alimentares entre os cônjuges. Essa doutrina malsã, diz o autor de A Cidade de Deus, retira a esposa do marido e afasta o marido da esposa. Um cenário digno de Hungry hearts, o filme premiado de Saverio Costanzo que conta o trágico fim do casamento entre uma vegana, interpretado por Alba Rohrwacher, e um onívoro, que tem o rosto de Adam Driver. Na época, como agora, a comida, traindo sua vocação convivial, pode se tornar um fator de isolamento, marginalização, tribalização. Uma espécie de autismo alimentar.
"Os lábios que tocaram o álcool nunca tocarão os meus lábios", reza o chamado Aforismo da temperança, repetido como um mantra pelos Batistas, o grupo evangélico mais numeroso dos Estados Unidos, que não por acaso foi a origem do proibicionismo.
Existe, em suma, um mínimo denominador comum que liga totens e tabus de ontem e de hoje. E é o fundamentalismo, alimentar e não só. Aquele tipo de puritanismo intolerante que expulsa da mesa os alimentos, junto com as pessoas que os comem. É por isso que agora são cada vez mais numerosos os casais separados que recorrem a um juiz para decidir como alimentar seus filhos. Eles não brigam mais pelos alimentos, mas pela alimentação. Definitivamente, Santo Agostinho foi um bom profeta. Visto que hoje salsichas e almôndegas se tornam a continuação da guerra conjugal por outros meios. Bombas calóricas por represálias parentais.
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Nada de sexo com você, você é carnívoro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU