10 Agosto 2019
"O recente Instrumentum Laboris, Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos da Região Pan-Amazônica, publicado em 17/06/2019, que ainda não era conhecido quando foram realizados os seminários incluídos neste livro, oferece um texto estimulante para a reflexão, preparação e debate do Sínodo", escreve o Pe. Martín Lasarte, sdb, [1] na introdução do livro Amazônia Salesiana: O Sínodo nos interpela. Leia a íntegra do livro no final do texto.
"Como sabeis muito bem, em outubro de 2019, Mês Missionário Extraordinário, celebraremos o Sínodo para a Amazônia. Acolhendo as preocupações de muitos fiéis, leigos e pastores, quis que nos encontrássemos para rezar e refletir sobre os desafios da evangelização destas terras da América do Sul onde vivem importantes Igrejas particulares. Gostaria que esta coincidência nos ajudasse a manter fixo o nosso olhar em Jesus Cristo ao enfrentar problemas, desafios, riquezas e pobreza; que nos ajudasse a renovar o compromisso de serviço ao Evangelho para a salvação dos homens e das mulheres que vivem naquelas terras. Rezemos a fim de que o Sínodo para a Amazônia possa requalificar evangelicamente a missão também nessa região tão provada do mundo, injustamente explorada e que necessita da salvação de Jesus" [2].
Com estas palavras o Papa Francisco une o evento do mês missionário especial ao Sínodo Pan-Amazônico, evidenciando sua preocupação evangélica e missionária. Nós, Salesianos, colocamos à disposição da Igreja Universal a reflexão da “Família Salesiana” como “contribuição para o Sínodo e para uma renovada presença salesiana a serviço da juventude amazônica”. Tal contribuição abrange apenas uma parcela da vasta realidade amazônica, seja porque a Congregação não está presente em todos os rincões amazônicos, seja pelo tipo de serviço que, de acordo com o nosso carisma, realizamos. De qualquer modo, podemos afirmar que a nossa é uma presença significativa na região e serve muito bem de amostra da realidade eclesial aí instalada.
Neste período de preparação ao Sínodo emergem, em vários contextos, aspectos fundamentais que serão fortemente considerados e sublinhados: o urgente problema da ecologia integral com suas implicações globais à toda humanidade; a demarcação de terras indígenas e ratificação de seus demais direitos; a preocupação pela preservação da riqueza cultural presente em aproximadamente 390 grupos étnicos amazônicos.
O recente Instrumentum Laboris, Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos da Região Pan-Amazônica, publicado em 17/06/2019, que ainda não era conhecido quando foram realizados os seminários incluídos neste livro, oferece um texto estimulante para a reflexão, preparação e debate do Sínodo.
As reflexões contidas neste livro são variadas e interdisciplinares, levando em conta as urgências acima indicadas. Gostaria, no entanto, de sublinhar três elementos que aparecem nos questionários, nos debates e nos estudos. Tais elementos, na minha opinião, não são tratados suficientemente na mídia, nos documentos e nos debates preparatórios do Sínodo:
a. Os jovens amazônicos: Quem são? Aonde vão? Quais são os seus sonhos e aspirações? Quais são suas relações com as tradições ancestrais? Quais são suas dificuldades e desafios? Como vivem o fenômeno da globalização e da interculturalidade? Como se preparam para inserir-se e interagir num mundo complexo e conflitivo?
b. As cidades amazônicas e a migração: Neste ano, a população mundial é mais urbana que rural. O fenômeno migratório e, em particular, a massiva migração juvenil amazônica, em direção aos centros urbanos, é uma constatação sociológica. Não se trata apenas de um evento migratório, mas também cultural (jovens rurais com mentalidade urbana). 92% da população da Amazônia é urbana, vivendo em grandes ou médias cidades. São católicos e não católicos. A maioria da população juvenil e urbana. Devemos estar atentos em não marginalizar ou colocar em segundo plano essa realidade interpeladora. Como é a presença da Igreja Católica nas periferias destas cidades? Como é o acompanhamento eclesial real a essa população migrante, particularmente vulnerável? Deixaremos o povo abandonado às propostas fragmentárias de fé das comunidades eclesiais neopentecostais ou, ainda pior, ao narcotráfico e à delinquência?
c. Processos de fé capazes de gerar uma igreja ministerial com o rosto amazônico. Outra constatação é a dificuldade, nesses últimos cinquenta anos, de formar uma igreja com o rosto amazônico. Em muitos contextos, existe um grande compromisso diaconal-ministerial por parte da Igreja em diversos âmbitos: direitos humanos, demarcação de terras, valorização das culturas. O que não sempre é acompanhado por uma preocupação com as outras dimensões fundamentais da pastoral: o anúncio, a catequese, a liturgia. Consideramos que é fundamental ter uma proposta evangelizadora holística, capaz de vislumbrar o catecumenato como caminho de inculturação da fé através de processos que, paciente e harmonicamente, integrem Evangelho e vida, apto a descobrir
nas riquezas culturais amazônicas os semina Verbi. É necessário ainda fazer desabrochar outros itinerários de fé que possam funcionar em contextos diferentes, como aqueles urbanos. Os frutos desse processo de evangelização são comunidades vivas, sobre as quais o Espírito derrama inumeráveis carismas e ministérios. Não existirão vocações à vida religiosa e sacerdotal na Amazônia, se não houver processos sérios e profundos de anúncio e evangelização nas comunidades cristãs de fé que visem formar testemunhas críveis. Não se constrói a casa começando pelo teto, mas pelo alicerce. Diz-nos, neste sentido, o Papa Francisco: “Em muitos lugares, há escassez de vocações ao sacerdócio e à vida consagrada. Frequentemente isso
fica-se a dever à falta de ardor apostólico contagioso nas comunidades, pelo que estas não entusiasmam nem fascinam. Onde há vida, fervor, paixão de levar Cristo aos outros, surgem vocações genuínas” (EG 107).
Agradeço à Faculdade de Teologia (Instituto de Teologia Dogmática) da Universidade Pontifícia Salesiana (UPS) que ajudou na obtenção do material para a confecção do presente livro, rico em experiências, testemunhos, debates, estudos e reflexões. Deve-se notar aqui o trabalho em conjunto das duas “mãos” da única missão salesiana: a prática-missionária, representada pelo Dicastério para as “Missões” da Congregação Salesiana, e a reflexiva, representada pela Faculdade de Teologia. Por um lado, a praxe pastoral sem reflexão corre o risco de descambar para um ativismo que se esvazia. Por outro, a reflexão, que não põe os pés na vida concreta da missão, corre o risco de se tornar somente erudição, intelectualismo e, até mesmo, ideologia. Assim, à luz do próximo Sínodo Especial para a Pan-Amazônia, a Congregação Salesiana sente-se na responsabilidade e no dever de contribuir, através de sua práxis e de sua reflexão, com a Igreja.
Este livro divide-se em 4 partes, além de um anexo:
A primeira (1.) contém a fase preparatória do encontro sobre a Amazônia, ocorrido em Manaus, no mês de novembro de 2018, através de uma sondagem (questionário) junto às comunidades salesianas daquela região;
A segunda (2.) é composta de algumas reflexões e partilhas feitas durante o encontro de Manaus;
A terceira (3.) são as reflexões e conferências dos seminários de 2016 e 2018 sobre as testemunhas significativas salesianas na Amazônia, como os mártires Simão Bororo e o Pe. Rodolfo Lunkenbein, e a paradigmática figura de Pe. Luís Bolla, exemplo de evangelização inculturada;
A quarta (4.) são as conferências do último seminário internacional, realizado na Universidade Pontifícia Salesiana e organizado pelo Instituto de Teologia Dogmática, em março de 2019, tendo como tema “Novos caminhos para uma Igreja com o rosto amazônico”, em que participaram diversos acadêmicos que, em uma perspectiva interdisciplinar, enriqueceram a reflexão em preparação ao Sínodo Pan-Amazônico do ponto de vista sociológico, antropológico, teológico, missiológico, histórico e pastoral.
O anexo está organizado da seguinte maneira:
a) Encontro de Manaus: palavras de boas-vindas, “Boas noites”, frutos dos trabalhos em grupo, e poemas;
b) vídeo-entrevistas, realizadas com os principais membros da REPAM (Card. Cláudio Hummes, ofm, presidente; Card. Pedro Barreto Jimeno, sj, vice-presidente; Mauricio López Oropeza, secretário executivo). As conferências contidas nesta obra correspondem a diversos eventos, com diferentes destinatários e objetivos. Se por um lado o encontro, em Manaus (2), foi de índole pastoral, baseado na troca de experiências, com a presença de missionários, missionárias e agentes de pastoral; por outro, as conferências dos seminários de 2016 e 2018 (3), foram voltadas ao estudo acadêmico de duas figuras emblemáticas da missão amazônica, a saber, padre Rodolfo Lunkenbein e padre Luigi Bolla. Por sua vez, o seminário internacional “Novos caminhos para uma Igreja com o rosto amazônico” (4) foi de caráter interdisciplinar, tendo o Sínodo Pan-Amazônico, de outubro de 2019, como horizonte desafiador. Portanto, essa diversidade de abordagens oferece uma variedade de pontos de vista, que são relacionados ao grande e enriquecedor diálogo entre a práxis e a reflexão.
Pe. Martín Lasarte, sdb
[1] Membro do Dicastério para as Missões salesianas (Roma). Especializado em Sagrada Escritura.
[2] Francisco, Discurso do Papa Francisco aos participantes na assembleia das Pontifícias Obras Missionárias (Vaticano 01/06/2018).
[3] Houve, anteriormente, diferentes “Seminários sobre a práxis missionária” animados pelo dicAs- tério PArA As missões: Pastoral Amazônica. Semana de Estudos missionários (Campo Grande 05-10/09/1988), onde se aprofundaram temas como: evangelização, cultura, inculturação, desenvolvimento humano, edu- cação; Evangelización y cultura en el contexto de pastoral Amazónica (Cumbayá - Ecuador 20-25/09/1993), refletiu-se à luz da Redemptoris Missio e da Assembleia de Sto. Domingos sobre o tema da cultura e da evan- gelização; Seminário sobre a práxis missionária na Região “Amazônica” (Manaus 1-5/09/1999), o tema foi o dialogo intercultural, ecumênico e inter-religioso no contexto da iniciação cristã; Pueblos indígenas y evan- gelización. 5to Encuentro de misioneras y misioneros salesianos (Cumbayá - Ecuador 1-5/05/2006), foram analisados os temas da “Teologia Índia”, da formação específica dos missionários e das vocações indígenas.
[4] meiser A., Bebo de dos ríos. Sobre la lógica de processos transculturales entre los cristianos Achuar y Shuar en la Amazonía Alta, Abya Ayala (Quito 2015).
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Amazônia Salesiana: O Sínodo nos interpela - Instituto Humanitas Unisinos - IHU