16 Julho 2019
"Sempre haverá gente que trate de esmagar uma iniciativa nova porque é arriscada, pode ser que não funcione, já estamos fazendo coisas demais, pode ser que seja mal compreendida, não é segura. O papel do Mestre é resistir a esses medos. Temos centenas de freis jovens maravilhosos que querem fazer coisas um tanto loucas. Temos que ser realistas, porém nunca os desanimar. A primeira coisa que os anjos disseram às mulheres depois da ressurreição foi: Não tenhas medo!", exortou o frei Timothy Radcliffe, na missa do Espírito Santo, no Capítulo Geral dos Dominicanos, em 13-07-2019, antecedendo a eleição de Gerard Timoner como novo Mestre-Geral da Ordem dos Pregadores. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Os discípulos estão enclausurados no cenáculo porque estão com medo. Jesus entra atravessando os muros, os unge com o Espírito Santo e os libera para ir em missão. Nós estamos como eles, ao pedir hoje o Espírito Santo. Não estamos enclausurados em Bien Hoa, [Nota de IHU On-Line: Bien Hoa é uma cidade do Vietnã, onde ocorre o Capítulo Geral dos Dominicanos, iniciado em 08-07-2019] , por medo, mesmo que tenham nos aconselhado para que não saiamos! Porém cada um de nós tem medos que podem nos encarcerar e impedir que saiamos à missão.
Localização de Bien Hoa, Vietnã. Fonte: World Atlas
Quais são os nossos medos? Pode ser o medo do fracasso. Se embarcamos em algum projeto ambicioso, fracassaremos? Pode ser o medo de deixar nossos lares cômodos e seguros para sair à missão em algum lugar perigoso. Poderíamos ter medo de explorar perguntas difíceis para as quais não temos respostas. Quando perguntaram a Yves Congar se suas respostas eram corretas, respondeu que não sabia, mas que as perguntas sim o eram. Não temamos as perguntas difíceis. Pode ser que tenhamos medo, especialmente no Ocidente, de que nossas províncias não sobrevivam. Alguns frades maiores têm medo dos frades jovens e de seus sonhos.
Por isso pedimos ao Espírito Santo que nos liberte do medo para sairmos de nossas casas fechadas e pregarmos o Evangelho. Pedimos o que um mestre anterior, Vicente de Cousenongle, chamou “a coragem do futuro”. Se fazemos isso, com certeza, seremos vulneráveis. Um dominicano inglês, Herbert McCabe, dizia “Se amas, te ferirão; pode que inclusive te matem. Porém, se não amas, já está morto”. Sim, nos ferirão. Pode ser que nos matem, como ao beato Pierre Claverie, na Argélia. Porém, Cristo Ressuscitado mostrar suas feridas aos discípulos. Se não nos atrevermos a ser vulneráveis, nunca faremos nada.
Pedimos também que o Espírito nos guie na eleição de um novo Mestre da Ordem. Não tem que ser a pessoa mais valente que nos vai libertar. É o Espírito Santo quem o vai fazer e não o Mestre da Ordem! Seu papel principal é apoiar as Províncias, os irmãos e aqueles que o Espírito chama a uma missão valente. Sempre haverá gente que trate de esmagar uma iniciativa nova porque é arriscada, pode ser que não funcione, já estamos fazendo coisas demais, pode ser que seja mal compreendida, não é segura. O papel do Mestre é resistir a esses medos. Temos centenas de freis jovens maravilhosos que querem fazer coisas um tanto loucas. Temos que ser realistas, porém nunca os desanimar. A primeira coisa que os anjos disseram às mulheres depois da ressurreição foi: Não tenhas medo!
Às vezes os irmãos querem que nossos superiores – priores, provinciais, Mestre – sejam solucionadores de problemas. Em uma ocasião, um provincial me mostrou seus arquivos e me disse: esses documentos são de uns 10% dos irmãos, e ocupam 90% do meu tempo. Porém se um superior se vê como solucionador de problemas, descobrirá que cada vez mais irmãos são problemas. Uma pesquisa dos hospitais canadenses revelou que o hospital ideal não teria nenhum paciente. Pode ser que alguns provinciais pensem que a província ideal não teria nenhum irmão, dado que assim não haveria problemas.
Os discípulos do cenáculo provavelmente pensavam que Tomé era um problema. Por que não estava ali, enclausurado com todos os outros? Quem deu-lhe permissão para sair ao mundo perigoso? Se lhe machucam, provavelmente esperará que lhe cuidemos. Quem vai pagar seu tratamento médico? Porém foi esse discípulo problemático quem primeiro confessou a divindade de Cristo. Certamente, há problemas que precisamos resolver se for possível, porém o papel principal de nosso novo mestre e de nossos provinciais é animar o que Bruno Cadoré chama de “criatividade apostólica” [Nota de IHU On-Line: Frei Bruno Cadoré foi o último Mestre-Geral da Ordem dos Dominicanos, antes da eleição de Gerard Timoner, neste último final de semana].
Jesus diz: “A paz esteja com vocês”. Nossa pregação nasce dessa paz. Graças a Deus, a Ordem está em grande medida na paz. Pode ser que haja tensões, inclusive conflitos, em algumas vezes, mas conservemos a unidade. O primeiro dever do Mestre é velar pela paz da Ordem. Isso Bruno fez maravilhosamente.
Essa paz se rompe quando as pessoas se fecham nas pequenas salas da ideologia. Em todo o mundo, as pessoas vão se retirando das pequenas casas e fecham as portas. Conservadores ou liberais, tradicionais ou progressistas. Os algoritmos dos meios de comunicação fecham as pessoas em bolhas nas quais falamos aos que pensam como nós. Os bons e os maus; nós e eles.
Bruno apontou em seu novo livro que é exatamente assim como pensavam os cátaros. Tudo é branco ou preto. Estava o Deus bom e o Deus mau. Os puros e os impuros. A pregação de Domingos de Gusmão começou chamando-os para sair dessas prisões mentais para a criação espaçosa do Deus único que criou tudo. Hoje necessitamos de um Mestre que impeça que a Ordem se fragmente em grupos, e que ame a verdade espaçosa do catolicismo.
Os Evangelhos dizem que os discípulos se regozijaram quando vieram ao Senhor. Toda nossa pregação nasce desse gozo. Sem gozo, estamos perdendo o tempo. Que o Senhor nos conceda um Mestre alegre.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"Alguns frades mais velhos têm medo dos frades jovens e de seus sonhos". Homilia de Timothy Radcliffe no Capítulo Geral dos Dominicanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU